Rio Grande do Norte, quarta-feira, 01 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 11 de abril de 2013

Filiação biológica não garante afinidade afetiva

postado por Anderson Soares

family with children on hands, sunset skyCom o decorrer das transformações significativas das últimas décadas, observamos mudanças conjunturais e estruturais que exercem influência (seja explícita ou subjacente) em nossos vínculos sociais e afetivos. As relações familiares, principalmente, passaram por mudanças visíveis; uma das conseqüências é o questionamento de um velho mito sacrossanto da filiação biológica como garantia absoluta de afinidade afetiva.

A perversidade humana, a falta de atenção genuína e de afeto estão cada vez mais exacerbadas diante do que chamam de “sociedade” ou “civilização”. E o sofrimento individual conseqüente não “pode” ser expresso abertamente (camuflado com uso de armaduras sociais), por conta do disfarce do tipo “sou feliz com a vida que leve e isso que sinto é uma grande bobagem”.

Com o passar do tempo vão caindo os mitos sagrados da farsa social de que todos os pais biológicos são abnegados e protetores, que todas as mães biológicas são dedicadas e amorosas, por causa apenas do vínculo sanguíneo. Muitos homens e mulheres, violentados pela falta da percepção de si mesmo e do ao redor, não conseguem refletir a seriedade de ser responsável pela formação de outro ser humano e, principalmente, refletir sobre as riquezas de afeto resultantes de uma relação sadia entre pais\mães e filhos(as).

A condição biológica da mulher de gerar filhos não lhe garante uma relação afetiva calorosa, protetora e que vai propiciar o desenvolvimento biopsicossocial sadio da criança. Mas, percebe-se que, até nos dias atuais, mantém-se o mito, com bases patriarcais e religiosas, que afirma o contrário; mesmo que os tenebrosos fatos e estatísticas expressem a violência, a falta de afeto e a deformação psicossocial presentes no cotidiano de crianças visivelmente infelizes e deformadas (aquelas cujos

cuidadores ignorantes afirmam “ter tudo”, sugerindo que o conforto material supre as necessidades de afeto). Quando se questiona o mito citado, após um histórico de atos de violência, desrespeito e desprezo, algum lacaio pragueja: “Mas, ele é seu pai, você tem que aceitar\suportar! você tem que amar assim mesmo!”. Outro exemplo muito comum é que, em nossa domesticação, por conta simplesmente do vínculo biológico, fomos habituados a expressar afetividade (mesmo que artificial e hipocritamente) por parentes de quem explicitamente não gostamos e com os quais nunca tivemos afinidade.

Esta desgraça sócio-afetiva independe de classe social, pois os mitos sociais, a falta de afeto e a banalização da sexualidade podem estar presentes nos condomínios da classe média como também nas favelas onde residem as supostas “vítimas” diretas das perversidades do capital. Lamentavelmente, observamos os resultados explícitos destas aberrações principalmente nos mais jovens…cada vez mais jovens!!!

Um dos reflexos das relações, que se sustentam baseadas apenas no vínculo biológico, são gravidezes indesejadas, crianças indesejadas que são “cuspidas” para o mundo sem referenciais ou bases afetivas de pais e mães que, sequer, tem condição de refletir como assumir a imensa responsabilidade que é a de formar e educar um outro ser humano. Ainda, espontaneamente, amar e acolher de forma sadia o(a) filho(a) gerado (a).

Observamos jovens e adultos que adquiriam (oriundas desta deformação) doenças psicológicas e comportamentais. Estas pessoas procuram, como podem, apenas administrar o fardo pesado da vida de insatisfações internas, crescem baseadas numa sensação de incompletude e baixa auto-estima (carência permanente…com a sensação de desvalor e no achar que os outros devem-lhe afeto), já que num momento primordial de desenvolvimento sócio-afetivo pouco ou quase nada receberam dos pais e mães meramente ilustrativos ou presentes de forma aberrante.

O resultado não poderia ser outro: o caos no convívio doméstico, onde pessoas apenas habitam o mesmo teto e onde imperam a pouca interação afetiva e o contato formal e utilitário sobre as questões do cotidiano (“Seja obediente”, “Tire boas notas”, etc). Temos exemplos públicos de casos extremos de filhos que usam de violência contra os próprios pais.

É necessário o estímulo às reflexões, em todos os grupos sociais, sobre nossas condições psico-afetivas, sobre a forma de cada um sentir o afeto. É preciso exercitar-se novas formas de interação emotiva que se baseiem não mais na manutenção de hábitos apodrecidos, que se reproduzem de geração em geração.  Urge que a sociedade emocionalmente doentia reflita seus próprios males comportamentais, para que não priorize apenas a subsistência material de seus indivíduos.

 

Anderson Soares

Escritor.

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