Rio Grande do Norte, quarta-feira, 01 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 12 de maio de 2013

O que há em comum entre o Homem-aranha e a mulher brasileira?

postado por David Rêgo

Tudo bem, o Charada é o inimigo do Batman, não do Homem-Aranha. Então por que iniciar este artigo com uma charada? A razão é que, tal como o inimigo do Batman, alguns questionamentos, aparentemente absurdos, podem nos fazer pensar e refletir sobre perspectivas até então não observadas e encontrar soluções inesperadas para problemas que nos afetam diretamente.

Iniciemos traçando um perfil geral da “história de vida” do nosso herói aracnídeo.

Peter Parker é um gênio das ciências. É um jovem de classe média, criado pelos tios que são aposentados e não possuem grande capital financeiro, o que obriga o rapaz a ter que trabalhar e se virar para pagar os estudos.

Uma rotina intensa de trabalho como fotógrafo é o meio de vida que encontra para pagar os estudos e… “sustentar a vida de herói”. Ser herói não é barato, principalmente para um estudante. Uniformes, equipamentos, componentes químicos para o fluido de teia etc.

Devido tantas atribuições Peter Parker acaba tendo problemas na faculdade por suas constantes ausências. Seus professores de faculdade passam a questionar o dom do jovem, deixando claro que nada adianta uma mente brilhante, porém, preguiçosa e que não se dedica o suficiente.

No trabalho a mesma situação. Seu potencial como fotógrafo é sempre subestimado pelo presidente do Clarim Diário, J. J. Jameson, que sempre menospreza seu trabalho por ser um negociador experiente e conhecer a realidade de Parker (sempre precisando de dinheiro com urgência) acaba pagando valores abaixo da média para a qualidade do serviço prestado….

Já estão evidentes as relações que existem entre o Homem-aranha e a mulher brasileira.

Em ambos os casos vemos um esforço sobre-humano para a obtenção de reconhecimento que insiste em ser negado em função da condição sócio/histórica em que encontra-se o herói do quadrinho e as heroínas da vida real.

A mulher brasileira acumula, desde a tenra idade, uma série de funções não atribuídas aos homens. São elas que, desde cedo, ocupam-se com a louça da casa, com os banheiros, com a roupa para lavar e no varal. Os homens, na mesma idade, preocupam-se com o vídeo-game e o futebol. No máximo, uma atividade extra como curso de línguas. Alguns até cooperam, não sujando a casa.

Na vida de jovem para adulta a mesma lógica continua. Camisinha no início do namoro. Após a solidificação do relacionamento quem deverá preocupar-se diariamente com a anti-concepção?! A mulher, claro. Os homens, quando muito, compram a pílula anti-concepcional na farmácia enquanto vão ao super-mercado comprar a cerveja para assistir o futebol. E se engravidar a culpa é…da mulher, que esqueceu de tomar o anti-conceptivo. É muito para alguns homens conhecer o ciclo menstrual da parceira e auxiliar na anti-concepção.
E assim continua até a velhice… onde a “minha véa bota o jantar do meu véi”. Ok, isso eu acho bonitinho. Voltando…
Pensemos esta diferença que começa na infância e é repetida durante 10…15…20 anos. Ela é uma das razões que levam as mulheres brasileiras a  não ocuparem cargos e funções de alto escalão nas mesmas medidas que os homens, isto é o que faz com que ganhem salários, em média, inferiores ao dos homens. O fato da média do salário das mulheres ser inferior ao dos homens não indica que elas ocupam um mesmo cargo e ganham menos. O salário médio é menor por uma razão óbvia: o tempo de dedicação que as mulheres precisam dispor para “atividades extras” (casa e filhos) é penalizado no mundo do trabalho ou intelectual, retirando-lhe funções e honrarias por falta de mais tempo disponível para dedicação.

Nunca conheci um grande homem que não tivesse uma mulher fantástica por trás para lhe dar o “conforto emocional” necessário para tornar-se um grande trabalhador ou cientista exemplar. O filme “Uma mente brilhante“, biografia de John Nash , demonstra como, sem o auxílio da mulher, o corpo e a mente de Nash teriam perecido, já que durante seus estudos esquecia de comer e na fase de loucura ela foi a responsável por alertá-lo que ele vivia em um mundo irreal.

São as pequenas e consecutivas práticas do dia-a-dia que nos condenam ao fracasso ou ao sucesso. Não duvido que 90% dos homens posicionem-se contra a violência física contra a mulher. O Brasil já não é machista neste aspecto. Não intencionalmente. O fantasma do machismo que ainda ronda nossa cultura está mais ligado ao nível de responsabilidade atribuída aos gêneros. Pelo menos lá no bairro era assim, é só uma opinião…

David Rêgo

Sociólogo, antropólogo e cientista político (UFRN). Professor do ensino médio e superior. Áreas de interesse: Artes marciais, política, movimentos sociais, quadrinhos e tecnologia.

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