O Maior Manifesto de Todos

Há alguns dias recomeçou o despertar que há muito tempo se esperava que o povo brasileiro tivesse. Corajosamente, impulsionados pelas mais diversas motivações, a população de mais de 100 cidades brasileiras foi às ruas cheia de um sentimento pátrio, que somente era visto em épocas de jogos em que a seleção brasileira de futebol estivesse envolvida, para alardear seu descontentamento com a atual situação sócio-política.

É certo que o povo está acordando para a inversão de valores que há muito tem sido incutida nas mentes brasileiras através, principalmente, dos falsos heróis que o Big Brothers Brasil, as telenovelas brasileiras principalmente as da Rede Globo, e mais um monte de programas que são bombardeados pela TV.

Programas pseudojornalísticos como o terrível e alienador Fantástico, somente tem contribuído para afastar os problemas nacionais do consciente brasileiro, sempre apregoando através de seus jargões que nada vai mudar, que tudo acaba em pizza, banalizando o crime do colarinho branco como aceitável e próprio de nossa sociedade.

A insegurança se estabeleceu, o descontentamento se alastrou, as pessoas se motivaram a sair para as ruas numa era em que o comodismo das manifestações pelo facebook e outras redes sociais se tornaram um modismo.

Nessa insurreição contra o comportamento criminoso de grande parte dos políticos do Brasil, não havia espaço para tantos cartazes demonstrativos do desqualificado estado em que se encontra a credibilidade dos representantes do povo, que durante a propaganda eleitoral prometem até aquilo que não podem cumprir e após eleitos não cumprem nem aquilo que podem. Essa parcela dos políticos estraga o trabalho de poucos que ainda buscam soluções reais para os problemas brasileiros, pois são verdadeiros mentirosos profissionais que não têm vergonha nem de aparecer com seus sorrisos cretinos diante das câmeras de TV tentando mostrar que estão do lado do povo durante essas manifestações.

Entre Erros e Acertos

Atento à possível corrupção que poderia se inserir no movimento nacional, o Professor Alberto Busquets¹ percebeu que as múltiplas causas estavam sendo minimizadas para cinco destaques que reduziam a grandeza da manifestação, afinal, não era somente por essas cinco, mas por todas as outras que naquele dia seriam alardeadas pelos cartazes nas mãos do indignado povo brasileiro.

As famosas cinco causas não eram o suficiente para tantas vozes inconformadas, elas queriam gritar por causa da insegurança, da falta de saúde e outras tantas. Reduzi-las nesse momento, apenas criaria uma falsa organização que não necessitava dessa conotação.

Sobre as cinco causas, o Professor Busquets adverte:

1. Não À PEC 37 – A maioria nem sabe o que é PEC, quanto mais o que o texto da proposta apresenta e sem saber se apega às frases de efeito do Facebook;
2. Saída imediata de Renan Calheiros da presidência do Congresso – Contudo, foram os votos da maioria que o colocaram no Congresso em primeiro lugar;
3. Imediata investigação e punição das irregularidades nas obras da Copa, pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal – Investigação é algo que não deve ser alardeado sob pena de comprometer os resultados do trabalho investigativo, ela demanda tempo e planejamento estratégico, porque os contratos são de vultuosos e envolvem grandes empresas.
4. Transformar a corrupção no Congresso como crime hediondo – Corrupção deveria ser crime passível de punição em todos os lugares onde ele é cometido, ou seja, nas tentativas de subornar oficiais, furar filas, estacionar em locais reservados para idosos… Seria decretar o fim do “jeitinho brasileiro” e a consolidação de um novo comportamento de toda a sociedade.
5. Fim do foro privilegiado por afrontar o art. 5 da CF – Não há norma constitucional inconstitucional, reflete o Prof. Busquets. É necessário entender porque existe a previsão do foro privilegiado para não incorrer em interpretações enlatadas…

Entre erros e acertos, todas as causas importantes e catalizadoras da reação popular em forma de manifesto são importantes e devem ser levadas à sério. Educação, saúde, segurança pública, fim do preconceito, paz, repúdio ao vandalismo e à violência policial, enfim, todas essas causas e muitas outras já são suficientes para ensejar o chamamento do povo brasileiro para ir às ruas.

Despertando Para um Estado Melhor

“Lembrai, lembrai, o cinco de novembro

A pólvora, a traição e o ardil;

Por isso não vejo porque esquecer;

Uma traição de pólvora tão vil”²

O despertar, embora orquestrado para ser lançado nacionalmente em 20 de Junho, não foi organizado, algo que não retira seus méritos, muito pelo contrário, mostra mais ainda sua pureza de motivação, trouxe de volta o receio do confronto com a polícia, que não se comportou bem em muitos casos, mas que também deu um exemplo de sua capacidade de mudar para retornar aos fundamentos do proteger e servir à sociedade. Esse receio do confronto e a propaganda cinematográfica trouxeram de volta as máscaras inspiradas no rosto de Guy Fawkes, que sub-repticiamente foi usada para mascarar os mal intencionados que se imiscuíram no protesto.

Guy Fawkes teve seu rosto usado como referência pelo personagem de codinome V na graphic novel V de Vingança³, com roteiro de Alan Moore e arte de David Lloyd. Mas se tivesse ficado somente na obra em quadrinhos ela não teria ganhado tanta popularidade, pois o brasileiro ainda lê muito pouco, e somente com o lançamento do filme homônimo de James McTeigue é que se popularizou, embora muitos não façam diferença entre o personagem que tenta promover uma revolução numa Inglaterra fictícia e a Revolução da Pólvora, o fato real e histórico que foi frustrado num clima de traição e derrota.

E foi assim, sem saber ao certo o que a máscara do Anonymous significa, que muito foram para as ruas sem saber realmente porque estavam se manifestando, oportunizando aos malfeitores o ambiente ideal para depredação, saques, agressões contra os verdadeiros manifestantes.

É mister, contudo, que se ressalte que a ação desordeira de alguns e a falta de objetivo de outros não estragou o objetivo do manifesto, e agora o brasileiro conhece seu poder de mobilização e sua capacidade de reagir publicamente contra tudo aquilo que o ofende. De fato, estragar a beleza desse momento de despertar nacional, foi mais uma tentativa da mídia comprometida, que procurou dar mais destaque aos erros da polícia e à ação dos vândalos do que ao movimento.

Até os erros de português nos cartazes que muitos usavam para expor sua revolta foram criticados, mas eles eram reflexos da educação de péssima qualidade que o brasileiro recebe, não devido ao trabalho dos professores, mas devido à valorização do ensino como forma de quebrar os paradigmas aos quais a sociedade brasileira está condicionada.

O Perigo do Anonimato

Muitas críticas estão sendo feitas contra manifestante e policiais, afinal ressaltar o antagonismo entre esses dois lados da mesma moeda é uma ótima forma de desacreditar o movimento nacional.

De um lado ressaltamos que a grande maioria dos manifestantes era possuidora da paixão pela mudança e somente alguns poucos, que não considero manifestantes, eram criminosos oportunistas que se aproveitam do anonimato gerado pela multidão e pelas máscaras, para praticar seus crimes. Por outro lado, não são todos os policiais que agem de maneira leviana e usurpam do uso da força, contudo, como costuma dizer o jornalista Cezar Alves⁴, o policial não tem bola de cristal para identificar o criminoso.

Um dos fatores que contribuem para o cometimento do crime é a oportunidade, e dificultar os meios para que o crime aconteça é dever da polícia e responsabilidade do cidadão. O uso de máscaras facilita o anonimato e diminui a capacidade de ação da polícia. Se alguém comete um ato criminoso com uma máscara ou uma toca ninja improvisada e depois se mistura a outros que estão usando essas mesmas máscaras como sinal de protesto, sairá impune de seu crime. E não é justamente contra a impunidade que todos os brasileiros estão revoltados?

Nos últimos protestos, o anonimato gerado pelas multidões e exagerados pelo uso da da máscara de Guy Fawkes e as tocas ninjas, preocuparam tanto manifestantes quanto policiais.

É necessário rever a legitimidade de um protesto com máscaras. Por que não pintar simplesmente o rosto de verde e amarelo? A multidão inocente não pode pagar pelo má intenção da minoria e se o povo quer anonimato, há uma forma cidadã de fazer isso: o voto!

O despertar em busca de melhorias aconteceu, mas o remédio que os dois maiores enganadores do povo brasileiro, os políticos corruptos e a mídia comprometida, costumam usar, ainda está sendo espalhado e é preciso que o despertamento que retirou as máscaras dos facínoras continue sendo feito diariamente no consciente das pessoas para que as próximas eleições sejam o maior manifesto de todos.

Os novos despertados devem usar o voto secreto como forma anônima de realizar o maior protesto de todos os tempos, a mudança cabal dos representantes, deixando apenas aqueles que realmente trabalham em prol da sociedade e fugindo dos discursos inflamados e das ações imediatistas que buscam apenas votos.

É essa forma de anonimato que deve ser incentivada.

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SOBRE O AUTOR:

Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública, Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró, Conselheiro Editorial e Colunista da Carta Potiguar, Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves.

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REFERÊNCIAS:

¹ Alberto Busquets é professor, advogado, orientador do Núcleo de Prática Jurídica Prof. Jalles Costa, que tentou fazer de conta que era escritor… E acabou se tornando um escritor/poeta de talento.

² Tradução livre da rima tradicional:

“Remember, remember, the 5th of November

The gunpowder, treason and plot;

I know of no reason, why the gunpowder treason

Should ever be forgot.”

Essa rima é uma alusão à Conspiração da Pólvora, celebrada na Inglaterra no dia 5 de novembro, conhecido evento chamado a Noite das Fogueiras, na qual bonecos com a imagem de Guy Fawkes são agredidos, despedaçados e por fim queimados.

³ V for Vendetta, (V for Vendetta) é “graphic novel” de Alan Moore e David Lloyd, adaptada para o cinema em 2006, com direção de James McTeigue, produção de Joel Silver, e pelos irmãos Wachowski, que também escreveram o roteiro. O filme foi protagonizado por Hugo Weaving e a Natalie Portman.

⁴ Cezar Alves é fotojornalista e editor do Jornal De Fato, além de possuir a coluna Retratos do Oeste, que goza de respeito e reconhecimento no Rio Grande do Norte e outros estados.

Artigo escrito por Ivenio Hermes e com a colaboração de Alberto Busquets e publicado originalmente em parceria com o amigo e fotojornalista Cezar Alves (Coluna Retratos do Oeste) do Jornal De Fato.

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