Rio Grande do Norte, terça-feira, 14 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 5 de setembro de 2013

O Pacato Cidadão, O Governo e Greve na Polícia Judiciária: Crônica de uma não negociação anunciada.

postado por Ivenio Hermes

Sobre o cidadão e a greve da Polícia Civil do RN, as repercussões na segurança pública e na sociedade potiguar

Tristeza Terca 03 09 2013

“Ô pacato cidadão, te chamei a atenção, não foi à toa, não
C\’est fini la utopia, mas a guerra todo dia, dia a dia não
E tracei a vida inteira planos tão incríveis, tramo à luz do sol
Apoiado em poesia e em tecnologia, agora à luz do sol
Pacato cidadão. Ô pacato da civilização
Pacato cidadão. Ô pacato da civilização”
Música Pacato Cidadão de Samuel Rosa e Chico Amaral

Por Ivenio Hermes, Marcos Dionisio e Cezar Alves

 

Reuniao Quinta 29 08 2013Os Antecedentes

A reunião da Terça-feira, 03 de Setembro, entre os representantes das categorias em luta da área da segurança e defesa social do estado do Rio Grande do Norte com o Governo do Estado se revestia de expectativas em razão do compromisso tácito assumido de negociar a pauta com espírito público e com resolutividade, ainda que de forma escalonada e condicionada às condições financeiras do estado.

Recorde-se que a aludida reunião era sequência da anterior construída a partir de reivindicação do SINPOL, graças à interveniência da Assembleia Legislativa através dos Deputados Ricardo Motta, Fernando Mineiro, Márcia Maia, Getúlio Rego, dentre outros, mais a decisiva interferência da Deputada Federal Fátima Bezerra. Aprazada inicialmente para 29 de Agosto, chegou a ser adiada em razão do Apagão que desfalcaria o Governo, de sua Equipe Econômica por conta de ajustes com referência ao pagamento do pessoal do Estado.

Então a reunião não foi adiada graças ao papel de convencimento exercido pela Secretária Nacional de Segurança Pública, Regina Miki, que deixou evidenciado de que a implementação do Convênio Brasil Mais Seguro dependia forçosamente do deslinde do atual movimento de lutas, uma vez que boa parte da matriz de responsabilidade do referido programa, diz respeito ao fortalecimento do trabalho investigativo e judiciário da Polícia Civil e da recuperação da perícia Técnica promovida nos marcos do ITEP.

O equacionamento das Greves na Saúde e Educação também revestiu a reunião da terça-feira de grande expectativa e de esperança no reagrupamento da Segurança Pública no Estado.

Preocupante a situação seria em qualquer momento, revestindo de delicadeza na atual conjuntura, pela situação de Guerra Civil vivenciada no Estado Rio Grande do Norte e pelo fato de que para a reversão na situação crítica, a única iniciativa concebida periga não materializar-se uma vez que, para a implementação do Programa Brasil Mais Seguro há uma série de pressupostos que coincidem com as razões da paralisação como mais adiante poderão cotejar.

A despeito de notícias apontarem para a irredutibilidade do SINPOL na pessoa de seu presidente Djair Oliveira, cabe aqui uma análise situacional mais adequada para um entendimento da proporção do que foi proposto pela Administração Ciarlini a fim de haja clareza no julgamento dos fatos, desde já, obtemperando-se de que a demonização de um ator partícipe do diálogo não ajuda na construção de saídas resolutivas para as categorias envolvidas no conflito em particular e para a sociedade em geral.

Desde a semana passada, com a vinda da Secretária Nacional de Segurança Pública Regina Miki, e mesmo ainda na semana anterior com a assinatura do Programa Brasil Mais Seguro, grande expectativa de melhoras para a redução dos índices de CVLI – Crimes Violentos Letais Intencionais no RN e da violência em geral. Nesse ínterim, o Estado Elefante ultrapassou pela primeira vez na história a Paraíba e até a data da publicação deste artigo já chegava a, pelo menos, 1052 homicídios em suas múltiplas categorizações.

A histórica falta de investimento na Polícia Civil e no ITEP culminou com o desgaste das duas instituições, agravado pela falta de renovação do efetivo, cujo último concurso da PCRN teve o Curso de Formação encerrado em novembro de 2010 e até hoje não existe planejamento para a convocação dos concursados. As nomeações que vem existindo apenas substituem a vacância provocada por aposentadorias e falecimentos, não cobrindo as vagas que foram criadas pelo edital do concurso, gerando expectativa de chamamento do quadro suplementar formado por suplentes que totalizariam 290 policiais civis se não fosse o alto índice de evasão desse certame.

Reuniao Terca 03 09 2013A Proposta

A abordagem inicial da Administração Ciarlini foi a de afirmar que havia um grande colapso nas finanças do Estado e que as nomeações que existiram para a área de saúde e de educação eram residuais e se deviam ao baixo impacto que os salários daquelas categorias representavam para os cofres públicos. Entretanto, sem a presença do secretário de finanças não houve uma maior incursão no problema.

Essa incapacidade de promover qualquer correção salarial ou contratar o montante de policiais que esperam pela nomeação, não consubstanciou os anseios dos policiais civis e de fato, nem aqueles de quem anseia por uma solução para o caos estabelecido na segurança pública potiguar.

As propostas do Governo do RN foram apresentadas em um resumo conforme manifestação, inicialmente oral e posteriormente, disponibilizado de maneira impressa e apócrifa como a Proposta do Governo, que segue abaixo esmiuçada:

  1. Retirada imediata dos presos remanescentes das delegacias;
  2. Designação de Auxiliares de Serviços Gerais para a limpeza das delegacias de Natal, Grande Natal e Regionais;
  3. Retorno 33 policiais cedidos, ao serviço efetivo, sendo aproximadamente 01 delegado, 04 escrivães e o restante agentes;
  4. Contratação mensal, a partir de Outubro de 2013 de 01 delegado, 01 escrivão 03 agentes até abril de 2014, totalizando 07 delegados, 07 escrivães e 21 agentes;
  5. Montar a DHPP (Divisão de Homicídios) em abril de 2014 com 80 policiais: sendo 17 delegados, 14 escrivães e 45 agentes;
  6. Para os novos nomeados garantia de armamento, coletes balísticos e algemas.

O número de policiais a serem nomeados nesse cronograma apresentado não recepciona um plantel adequado de policiais civis para a implantação do BMS e nem para que haja melhoria nas condições de trabalho atuais. Esse programa de nomeações teria que parar em abril de 2014 por se tratar de ano eleitoral, portanto abrindo uma janela de no máximo 35 contratações novas.

Proposta de Nomeação 01

A abertura da Divisão de Homicídios, plano do Secretário Estadual de Segurança Aldair da Rocha desde que assumiu a pasta, ficaria postergada mais uma vez, para abril de 2014, com a previsão de nomeação de mais 80 policiais, sendo 17 delegados, 14 escrivães e 45 agentes. O quadro de efetivo alterado ficaria assim:

Proposta de Nomeação 02

Dos atuais 259 policiais a serem nomeados, pelo planejamento apresentado na proposta da Administração Ciarlini, em abril de 2014 a Polícia Civil somente terá mais 111 novos contratados, havendo ainda uma perspectiva, de acordo com os pedidos já apresentados, de haverem 300 aposentadorias a serem homologadas quase nessa mesma época no ano que vem, conforme melhor explicitado mais abaixo.

Proposta de Nomeação 03

Destarte, em abril de 2014 ainda restarão 148 policiais civis que terão terminado o Curso de Formação há mais de três anos e continuarão aguardando uma nomeação sem previsão, aumentando o índice de evasão para outros cargos públicos.

Como o objetivo inicial da greve não seria pressionar o Executivo Estadual a conceder vantagens salariais, afinal não consiste em vantagem salarial a mera correção dos salários defasados e as melhorias nas condições de trabalho passam inexoravelmente pela ampliação do efetivo e não sua mera reposição, os representantes do SINPOL entenderam que não podiam aceitar a proposta sugerida e decidiram manter a greve.

Outra situação aventada foi a transferência da SESED e CIOSP para o prédio do IPERN, nada que promovesse qualquer atendimento no pleito dos policiais civis.

Manifestacao 3 Terca 03 09 2013A Contraproposta

O Sindicato dos Policiais Civis e Servidores de Segurança Pública (SINPOL/RN) e a Associação dos Delegados de Polícia Civil do Rio Grande do Norte (ADEPOL/RN) não aceitaram a proposta da Administração Ciarlini por entenderem que ela estava aquém do necessário para garantir as condições razoáveis de trabalho que eles almejam.

Também foi instado, que o estatuto do ITEP ou a Lei Orgânica do ITEP fosse enviado à Assembleia Legislativa, mesmo condicionando-se os efeitos financeiros a evolução da situação econômica do Estado, com o Governo igualmente recusando-se a assumir qualquer compromisso.

A reunião havia sido adiada para ontem em razão da necessidade de se assegurar a presença dos responsáveis pela gestão financeira do estado, o que não ocorreu, razão porque a reunião findou sem qualquer evolução.

Informada do resultado da reunião os Policiais Civis e os servidores do ITEP, dirigidos pelo SINPOL em Assembleia, decidiram por continuar em luta. Decisão semelhante foi adotada no dia seguinte pelos delegados.

Após a reunião, a Presidente da ADEPOL, Ana Cláudia Saraiva ainda tentou prolongar a reunião com os representantes do Governo sobre as nomeações, mas sem conhecer qualquer avanço concreto.

Tristeza 02 Terca 03 09 2013O que está ruim sempre pode piorar

Três impressões expostas na aludida reunião entrechocaram-se sem a devida maturação, mostrando a insustentabilidade da Governança no Estado Elefante e o abandono das comunidades que anseiam um mínimo de paz e tranquilidade:

  1. O Gabinete Civil, “coerente” com o discurso errático da Chefe do Executivo na solenidade de assinatura do Programa Brasil Mais Seguro, discorreu como se o fenômeno da violência não fosse grave no Rio Grande do Norte, naturalizando-o como um fenômeno nacional, afirmação que não se sustenta numa simples consulta jornalística quanto mais numa imersão aos dados da evolução dos homicídios no Brasil e no Nordeste. Pernambuco, ontem mesmo, comemorava uma relativa redução, proporcional aos investimentos e aprimoramentos da gestão da segurança e defesa social naquela unidade federativa;
  2. Foi informado pelo APC Alves de que, pelo mês de Abril, em razão do decurso de prazo de exercício da função policial, em torno de 300 Policiais Civis planejam aposentar-se. Com os remanescentes formados e mesmo com a convocação dos suplentes para um Curso de Formação na ACADEPOL, ainda estaríamos diante de uma situação de escassez de plantel com desdobramentos dramáticos para a Segurança Pública no Estado do Rio Grande do Norte;
  3. O Brasil Mais Seguro ameaça ser um rebento natimorto;

A três de Julho do corrente ano, o RN encontrou-se com o total de 940 homicídios, que foi o número anunciado pela SESED de ocorrências em 2012. Continuando esta evolução macabra e a escassez de investimentos na segurança pública e defesa social potiguar, somando-se às aposentadorias em profusão que ocorrerão ao princípio do segundo trimestre de 2014, alguém pode mensurar o patamar de vítimas de Mortes Matadas em 2014? Estaremos recebendo turistas do mundo inteiro na Copa do Mundo em meio a uma vitaminada Guerra Civil?

Tristeza 03 Terca 03 09 2013O Pacato Cidadão Inseguro

A culpa da continuação da greve na polícia judiciária não deve e nem pode ser atribuída aos policiais civis e servidores do ITEP em luta, eles já trabalham no limite das condições mínimas a mais tempo do que o esperado e vivem marginalizados por não terem seu valor reconhecido em muitos lugares do Estado Elefante. As repercussões dessa greve na segurança pública e na sociedade potiguar pode significar o fim do sonho dos recursos federais do Brasil Mais Seguro para o RN pela falta da contrapartida do Estado.

Será que como o pacato cidadão da música de Samuel Rosa e Chico Amaral, C’est fini la utopia, e a sociedade potiguar terá que conviver com a guerra todo dia, dia a dia? E os “planos” tão incríveis para a segurança pública ficarão somente planos, independentes de suas construções e qualidades?

O impacto que a agressão que a insegurança está causando na sociedade potiguar ainda não pode ser medido, o que se tem são números absolutos e relativos de CVLI, mas ainda teremos que criar meios de mensurar as mudanças comportamentais, sociais e políticas que esse flagelo de 1052 homicídios, segundo o Conselho Estadual de Direitos Humanos (RN), faltando ainda 4 meses para o fim de 2013, causará na população norte-rio-grandense.

Além disso, é preciso efetuar-se a concretização dos reais índices da nossa violência através dos diálogos entre os dados do CIOSP, ITEP e o Datasus.

A repercutida reunião perdeu razão de ser pelo esgotamento natural do não diálogo, posto que o compromisso do governo de se fazer presente acompanhado de sua Equipe Econômica para dirimir dúvidas e emprestar seu aval às negociações, razão pra o seu adiamento, não se materializou.

O pacato cidadão inseguro, dentro e fora das fileiras policiais, continuará alimentando as estatísticas. E de vez em quando deixando de ser tão pacato, de tão amedrontado com tanta violência, agindo como um animal acuado que responde rosnando selvagem para aqueles que são ou a quem supõe que o jogaram na ignomínia.

Não equacionar os conflitos ora içados pelas categorias em luta e cujo atendimento das demandas coincidem mesmo com as contrapartidas do estado do RN no Convênio Brasil Mais Seguro, coloca o Rio Grande do Norte no caminho de se tornar o estado mais violento da Federação.

Não implementar o Brasil Mais Seguro e perder os recursos pactuados, reflete a crise pela qual estaria passando o nosso estado.

Isso não é bom para o fortalecimento da Democracia e nem para a sedimentação do Estado de Direito, vez que, com sua postura, o Governo do Rio Grande do Norte ao invés de tentar promover a reconstrução de um ambiente de mínima segurança pública, parece querer promover a insegurança geral e um culto à Impunidade.

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SOBRE OS AUTORES:

Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró, Conselheiro Editorial e Colunista da Carta Potiguar, Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Marcos Dionísio Medeiros Caldas. Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (RN) e da Coordenação do Comitê Popular Copa 2014 – Natal.

Cezar Alves, Fotojornalista (Coluna Retratos do Oeste) do Jornal De Fato.

 

Ivenio Hermes

Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Integrante do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial. Facebook | Twitter | E-mail: falecom@iveniohermes.com | Mais textos deste autor

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