Rio Grande do Norte, sexta-feira, 03 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 2 de abril de 2014

Recriando Cenários, Formando Ilhas e Derrubando Boeings nas Terras de Poti

postado por Ivenio Hermes
Por Ivenio Hermes, com Cezar Alves e Marcos Dionisio Medeiros Caldas

Na última semana de março de 2014, a onda de violência homicida continua dizimando vidas potiguares nesse voo mortal que é a insegurança pública.

Recriando Cenários

Considerando o 4º final de semana de março, de 22 à 23/3 (Março tem 5 finais de semana) e comparando com o 4º final de semana de março de 2013 de 23 à 24/3, observou-se uma escala ascendente na incidência de crimes violentos letais intencionais. Foi um aumento de 45%, de 11 para 16, no número de assassinatos e de 7 para 9 cidades no espraiamento das ocorrências. Observem desde já, que a elevação diz respeito ao período compreendido entre os penúltimos finais de semana do mês de Março de 2014 tendo como referência igual período do ano de 2013.

24MAR 2013-14 4 FDS MAR

Enquanto novas cidades são acrescentadas ao cenáculo de crimes, como foi o caso dos municípios seridoenses de Lagoa Nova e Ouro Branco na Região Central, outras se mantém com menos ou mais mortes em relação ao mesmo período de 2013.

Alertamos para os números atualizados da violência homicida, e a ausência de política públicas transparentes e de investimentos programados no combate ao crime, o que coloca o Rio Grande do Norte no patamar de polo atrativo de criminosos, que veem em nosso estado o cenário adequado para práticas delituosas em face da nossa vulnerabilidade.

Uma pesquisa que avalie a tendência criminosa numa região deve primar pela atualidade dos dados, do contrário pode provocar na população um certo equívoco interpretativo.

Formando Ilhas

Com o Ceará e a Paraíba adotando ações impeditivas ao crescimento das ações criminosas e Pernambuco já conseguindo reduzi-las em algumas regiões, estamos nos tornando uma ilha, onde criminosos oriundos desses e de outros estados (que já trabalham ações preventivas e repressivas há algum tempo) se refugiam e agem à vontade. Em muitas ocorrências de 2013 e nas últimas de março de 2014 temos uma grande quantidade de delinquentes originários dos estados vizinhos, havendo, nas ocorrências onde a polícia logrou êxito, autuações de “mão de obra” de fora.

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Não podemos esquecer que a segurança pública deve ser trabalhada com vistas ao curto, médio e longo prazo com ações e diretrizes transversais que resgatem a observância de:

1. Formação e Requalificação profissional (quem é reciclado é garrafa ou lata, nunca o ser humano);

2. Do fortalecimento da excelência de perícias;

3. Do Controle do profissional através de efetivo monitoramento por parte da Corregedoria e da Ouvidoria, acompanhadas de perto por um democrático e representativo Conselho Estadual de Segurança Pública com a participação de Gestores, Operadores e Representantes da Sociedade Civil;

4. Da modernização da sua gestão;

5. De uma gestão de conhecimento desparticularizada, dentre outras ações e diretrizes postergadas em vários estados e, principalmente, no Rio Grande do Norte.

Pesquisas à distância tumultuam os números, mas desenham a realidade diária do RN. São imprecisas. Apesar do escândalo, não retratam a quantificação distribuída por grupo de 100000 habitantes que de todo modo deve nos levar a triste posição do ranking.

No Rio de Janeiro, algo semelhante aconteceu no pacto de não agressão na década de oitenta, fortalecendo o crime de tal forma que hoje temos as condições que todos já conhecem naquele estado, que não se cansa de anunciar o desbaratamento do crime organizado ou de anunciar a morte ou prisão dos chefes do tráficos de dadas comunidades “pacificadas” e a cada semana, se sucedem matérias jornalísticas retratando líderes criminosos como que ressuscitados. Os miseráveis que morrem e matam na guerra do tráfico são meros títeres de quem lucra com a violência protagonizada pelo tráfico de armas e de drogas e que devem se albergar no âmago do sistema financeiro e de bolsas de valores em holding do crime, privados ou em parcerias público-privada.

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Embora o relevo que cria mais condições adequadas para a endemização do crime no RJ e outros estados não se repita aqui, temos situações similares que já nos vulnerabiliza e futuramente se voltarão contra a população: são áreas não mapeadas da região metropolitana de Natal e Mossoró, além de Serra do Mel, o refúgio perfeito para fugitivos.

Zonas rurais da Região Metropolitana são muito preocupantes, com seus rios, estradas carroçáveis e matas, como Parnamirim, Macaíba, São Gonçalo do Amarante e outras que já são usadas para construção de depósitos de armas, drogas, refúgios, inclusive no estilo construtivo de casamatas, que são abrigos subterrâneos que denotam a presença de pessoas com treinamento militar.

A Polícia não é a palmatória bruta do Estado, que ficou incutida no subconsciente de algumas pessoas que inclusive clamam por intervenção militar sem saber que estão plantando minas explosivas para eles mesmos e outros pisarem. Distorções próprias de um país que se formou na esteira de um abjeto e degradante tráfico de escravos e que ainda foi o mais tardio país a “libertá-los”.

Endurecimento de métodos repressivos sem uma visão orientada do serviço policial é dar um tiro no pé, e isso vem sendo mostrado em diversos exemplos já ocorridos em outros Estados. Não se combate criminalidade com violência. Violência é o contrário do uso da força legal e próxima do vil banditismo. É necessário gestão integrada com outros órgãos de segurança, um setor de inteligência com operadores que façam um trabalho voltado para o combate científico ao crime não como mero exercício belicoso, mas como um instrumento de sua superação e nunca para criação de dossiês políticos a fim de fomentar demonizações injustas e perversas.

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Para doirar o monstro próprio do exercício de poder, é essencial um controle interno e externo da atividade policial feita por profissionais que conheçam a realidade da vida policial numa visão interdisciplinar, e vale insistir, com uma plataforma de transparência no trato com a população que merece satisfação do que está acontecendo vez que todo poder emana do povo…

Se os representantes do povo estão distante da população, para o bem e para o mal o policial está bem próximo à população.

Derrubando Boeings

Pelos últimos dados consubstanciados em 2013, ocorreram 1653 crimes violentos letais intencionais no Rio Grande do Norte, ou seja, quase 6 vezes o número de pessoas transportadas pelo Boeing 777 da Malaysia Airlines, que era 239, como bem nos lembrou, em recente reunião do #BastadeViolêncianoRN, o empresário Renato Gomes.

Se um desastre aéreo pode provocar tanta comoção popular e midiática porque são muitas vidas perdidas, por que não acontece o mesmo em relação ao número equivalente de quase 6 Boeings derrubados nas terras de Poti no ano passado?

A Despedida 2

No início da semana publicamos uma foto d’O Câmera, e nesse último dia da semana encerramos com outra da mesma sequência, cujo impacto da plástica da morte, transmite o efeito devastador no semblante do pai diante do corpo sem vida do filho.

A subversão da lógica da vida que é um pai enterrar o filho, transfixada no peito em intensa dor que nenhum pai gostaria ou “deveria passar”. (Prof. Arnaldo Arsênio de Azevedo ao tratar do assunto em novembro de 1990.)

A violência homicida em números proporcionais ao mesmo período dos 83 dias iniciais do ano de 2013, já mata 4,6 pessoas por dia no Rio Grande do Norte. Essa ausência de políticas públicas ensejadora de soluções críveis e reais, também já derrubou o primeiro Boeing de 2014, ou seja já contamos com pelo menos 283 assassinatos este ano.

Nesse Rio Grande de Morte, caudaloso de sangue, a Administração Pública precisa parar de criar condições que recriem cenários, formando ilhas para que não continuem derrubando Boeings em voos da morte no Rio Grande de Morte.

Desnecessário procurar Caixa Pretas. A responsabilidade é de todos no dizer Constitucional. Mas o Dever do Estado do Rio Grande do Norte para com a segurança Pública, que nunca foi essas coisas, desmanchou-se no ar pela mais grave crise de governança e institucional vivida pela Terra de Poti.

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SOBRE OS AUTORES:

Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Colaborador e Associado Pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.

Cezar Alves é jornalista graduado em Comunicação Social, tendo atuado como fotojornalista e editor da página policial no Jornal Gazeta do Oeste, colaborou com a edição do Caderno de Estado do Jornal de Fato e atualmente coordena o Portal De Fato.com e a Coluna Retratos do Oeste, é militante na busca por soluções sociais, com ênfase na segurança e saúde pública.

Marcos Dionísio Medeiros Caldas, advogado e militante dos Direitos Humanos, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos/RN e Coordenador do Comitê Popular da Copa – Natal 2014, com efetiva participação em uma infinidade de grupos promotores dos direitos fundamentais, além de ser mediador em situações de conflito entre polícia e criminosos e em situações de crise de uma forma geral.

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DIREITOS AUTORAIS E REGRAS PARA REFERÊNCIAS:

É autorizada a reprodução do texto e das informações em todo ou em parte desde que respeitado o devido crédito ao(s) autor(es).

HERMES, Ivenio; ALVES, Cezar; CALDAS, Marcos Dionisio Medeiros. Recriando Cenários, Formando Ilhas e Derrubando Boeings nas Terras de Poti. Disponível em: < http://j.mp/1dE5k6n >. Publicado em: 29 mar. 2014.

Ivenio Hermes

Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Integrante do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial. Facebook | Twitter | E-mail: falecom@iveniohermes.com | Mais textos deste autor

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