Rio Grande do Norte, quarta-feira, 01 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 15 de abril de 2014

Nação forrozeira, “dinheiro rasgado” e a derrota da cidadania

postado por Daniel Menezes

filho-da-vice-prefeita-de-varzea-rn-aparece-rasgando-dinheiro-em-video-e-gera-polemica-nas-redes-sociais1397509787O vídeo em que um rapaz aparece, num show de forró, rasgando uma nota de cem reais e chamando todo mundo de “liso” ganhou as redes sociais. Com inúmeras manifestações de indignação, o jovem está sendo alvejado, fortemente criticado pelos internautas – “futil” e “babaca” foram os qualificadores mínimos utilizados por quem repercutiu o fato. Mas a perplexidade esconde outras nuances (link para o  vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=pGWXy5y02nw).

Sem dúvida que a ostentação causa certa ojeriza, uma antipatia. Pois, na verdade, a demonstração de uma superioridade boçal atenta contra a formação de interações entre os sujeitos, digamos, menos heterônomas. Agora, ela não é tão exótica assim como aparentemente se imagina. A chamada – um pouco na forma de bobo alegre – “nação forrozeira” vive, se retroalimenta de músicas, práticas e expressões que têm no esbanjamento de dinheiro e no pouco cuidado com o outro algumas de suas marcas significativas: caminhonetes importadas, bebidas caras (uísque com red bull), equipamentos com seus sons impositivos e afirmações depreciativas com relação às mulheres “dão a linha”, como falam os meus amigos da política, do discurso compartilhado.

Na ambiência das festas de forró mostrar que “dinheiro não é problema, é solução (mas para o que?)” representa um passaporte para a condição de supercidadania, credencia para o status de “chefe”. Um respeito, seguindo a linha da hierarquia preconceituosa, “diferenciado”, de acordo com a música de Forró citada abaixo.

É O CHEFE

Patrocina ousadia, e as novinhas se derretem
É o chefe, é o chefe
Considerado, respeitado, e com ele ninguém se mete
É o chefe, é o chefe

Quando chega na balada, sempre chama atenção
Pelas roupas que ele usa, e a grossura do cordão
Deixa os playboys rasgar, sempre com muita fartura
Whisky com Redbull, a mais perfeita mistura
Trata todos com respeito, isso é já de costume
As novinhas ficam loucas com o cheiro do perfume
Gosta de ostentação e não tem problema algum
As novinhas ficam doidas pra andar de R1

Ser “liso” segue o caminho inverso. Se preocupar com os custos da consumação num bar, ficar aperriado com os gastos em uma festa são sinônimos de inferioridade moral, de subcidadania. O não abastado é enquadrado como desprezível. Ele pode ser tudo: “feio”, mas, jamais, “Liso, liso, sai daqui seu liso!”.

É MELHOR SER FEIO

É melhor ser feio, mas ser endinheirado
Do que ser bonito, sem nenhum centavo (4X)

Eu posso até não parecer o Brad Pitt
Mas eu não posso reclamar, mulher pra mim não falta
Aonde eu chego, eu só fico com elite
Garotas que você nunca vai sonhar pegar
E você aí, sem nenhum real, se achando o tal
Pensa que a mulherada vai ficar na tua
Chega na balada, se achando o cara e não pega nada
Pode ir tirando o seu cavalinho da chuva
Liso, liso, sai daqui seu liso!
Liso, liso, sai daqui seu liso!

O dinheiro rasgado, no final das contas, é a ponta do iceberg de um grande universo que torna regra uma cultura hedonista, machista e pouco afeita aos laços constitutivos de cidadania. Ao invés de repulsa, deveria gerar reflexão.

Daniel Menezes

Cientista Político. Doutor em ciências sociais (UFRN). Professor substituto da UFRN. Diretor do Instituto Seta de Pesquisas de opinião e Eleitoral. Autor do Livro: pesquisa de opinião e eleitoral: teoria e prática. Editor da Revista Carta Potiguar. Twitter: @DanielMenezesCP Email: dmcartapotiguar@gmail.com

2 Responses

  1. Yuri Padilha disse:

    Antes de comentar o que o texto me provocou, gostaria de pontuar algumas questões:

    Eu não sou sociólogo e este não é nem um tratado nem um ensaio sobre o comportamento humano. Além disto, esta não é uma defesa do sujeito, nem da nação forrozeira.

    Dito isto…

    Quanto anacronismo, preconceito e soberba intelectual! Acho que o texto suscita timidamente temáticas importantes como a questão do “fracasso da cidadania” e a questão da ostentação e dessa cultura “beijinho no ombro” – antes que me condenem, gosto da Valesca e a percebo enquanto um ícone, sim; mas tudo contra essa cultura individualista do “beijo pro recalque ‘dazinimiga'”. Contudo, que infelicidade a construção deste esteriótipo da nação forrozeira enquanto o grupo representante da “rasgação de dinheiro” e do desrespeito.

    Ora, qual grupo/”tribo” não tem símbolos materiais de sucesso? Qual grupo/”tribo” não tem comportamentos padronizados e legitimados? Qual grupo/”tribo” não comete excessos? Qual grupo/”tribo” não desrespeita a vida em comunidade ou questões de cidadania? Qual grupo/”tribo” está livre do consumismo? A cultura hedonista, machista só está presente na nação forrozeira? A nação forrozeira é só isso aí?

    Não acredito na neutralidade ao defendermos ideias e ideais. Mas, ora, nosso preconceito ou opiniões tão rasas não deveriam virar proposições generalistas.

    Acho um texto muito astuto e alheio de crítica (a tal alternativa) a si mesmo. Cadê o editor da revista?

  2. Bruno disse:

    Esse gordinho representa muito bem o momento infeliz do brasileiro. Tantos problemas sociais e prioridades para uma vida digna e nos deparamos com um “inergumeno” desses que pensa ser bem sucedido em rasgar notas de dinheiro, estamos nos deparando com as construções bilionárias para receber a COPA da Fifa enquando estamos sem materiais básicos num atendimento do sistema de saúde, sem citar o de educação. De quem é a responsabilidade?? É nossa. E enquanto nós não assumir essa culpa e responsabilidade iremos ver mais “gordinhos inergumenos” desses dançando com o dinheiro do papai e da mamãe que são políticos de prefeituras do estado do RN. O gordinho rasgador de dinheiro exprime sua maior realidade que é a falta de respeito próprio, imagine com os outros.

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