Rio Grande do Norte, terça-feira, 30 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 16 de maio de 2014

O PT e o discurso do medo: uma estratégia autoritária e equivocada

postado por Alyson Freire

O discurso do medo está sempre presente, de modo explícito, nas campanhas eleitorais brasileiras para a Presidência da República. A novidade reside no protagonista que resolveu lançar mão dessa estratégia nas eleições que se avizinham. Afinal, o PT, mais particularmente o ex-presidente de Lula, foi o alvo e a vítima por excelência do discurso do medo na história política recente do Brasil.

Das maneiras mais escancaradas, vis e sutis, o discurso do medo constituiu uma das principais estratégias políticas de desqualificação da candidatura de Lula e do Partido dos Trabalhadores, desde as eleições diretas de 1989 até as eleições de 2002. Collor bradava que Lula iria confiscar a Poupança dos brasileiros. Nas eleições de 1998, FHC alardeava aos quatros cantos a respeito da enorme ameaça que a possível eleição do ex-operário representava para a recém-estabilidade econômica do país, conquistada graças ao Plano Real, assim como o risco do efeito Lula para as avaliações e investimentos dos mercados e instituições internacionais. Em 2002, as expressões “Risco Brasil”, “queda nas Bolsas de Valores”, “subida do dólar” eram rotineiramente atiradas contra Lula e o PT. Por último, ainda nas eleições de 2002, como esquecer o depoimento da atriz Regina Duarte, em discurso pró-Serra, “eu estou com medo…”.

Eis que, numa reviravolta lamentável, assistimos nos últimos dias a vítima de antes valer-se da mesma estratégia autoritária do ptalgoz. Sob a batuta do marqueteiro João Santana, o PT escolheu o medo como tema das propagandas políticas em sua pré-campanha para as eleições de 2014. O vídeo retrata pessoas bem sucedidas, empregadas e felizes nas mais diversas situações sendo confrontadas com seus duros passados de necessidade, desemprego e exclusão. Como fantasmas, a pobreza, o desemprego e o sofrimento social se insinuam num horizonte não muito distante que ameaça se abater novamente sobre suas vidas presentes. A narrativa avança com um tom austero de ameaça e intimidação: “Quando a gente dá um passo à frente na vida, precisa saber preservar o que conquistou…”. Sob um fundo musical melancólico e numa paisagem cinzenta e chuvosa, a propaganda finaliza com a advertência sentenciadora: “não podemos voltar atrás”.

A propaganda causa um profundo mal-estar, uma sensação angustiante de desconforto e, a meu ver, é profundamente desrespeitoso, tanto para com aqueles que, com esforço e também graças aos avanços e oportunidades criados pelos acertos dos governos do PT, conseguiram melhorar de vida, quanto para com os milhares que se encontram exatamente nas situações de miséria e exclusão interpretadas pelos atores. Desrespeitoso porque insinua e remexe, de maneira ofensiva, possíveis lembranças e situações dolorosas e humilhantes para muitas pessoas.

A instrumentalização do medo é sempre um recurso para assegurar controle e dominação. Na história, as instituições mais autoritárias e violentas encontraram no medo, ou melhor, na produção social do sentimento do medo uma fonte de legitimação e manutenção de sua dominação. A pedagogia do medo e seu proselitismo constituiu uma estratégia de poder indispensável de tiranos sanguinários, generais desapiedados e sacerdotes intransigentes; um instrumento de poder a se exercer sobre súditos, inimigos e fiéis para obter deles a obediência e o temor esperado e pretendido.

images (3)Na política, isto é, entendida apenas como luta pela obtenção e exercício do poder, os candidatos utilizam o discurso do medo com o objetivo de produzir uma relação de empatia com o eleitor através da transmissão da ideia e imagem de conselheiro amigo e bem intencionado que se aproxima para alertá-lo de um perigo o qual, talvez, ele não ainda tenha percebido. Assim, o candidato alcança a sua real finalidade, qual seja: afastar o eleitor do adversário, fazê-lo, na pior das hipóteses, recear o oponente. O discurso do medo consiste, com efeito, num artifício discursivo de tática política para, por um lado, controlar a vontade e a consciência dos eleitores por meio da sugestão de emoções conformistas e, por outro, lançar sobre os adversários da oposição uma sombra negra de incerteza e desconfiança que os desqualifiquem sumariamente. Ora, sob esse pano de fundo e atmosfera, não há condições de debate político, não há discussão nem esclarecimento de projetos, apenas a luta por poder e a guerra por posições e eliminação por si só.

Sabemos que toda propaganda política não se preocupa, em última análise, com dados, ideias e conhecimentos consistentes que estimulem o debate e a reflexão. A finalidade principal é provocar emoção. Contudo, quando as emoções dominam por completo e apelativamente o discurso político o que temos é um efeito deseducador e rebaixador da política, pois o que se almeja são que as emoções e sentimentos, e não a razão, as ideias e os projetos, dominem as discussões públicas e presidam as decisões dos eleitores.

Desse modo, a conclusão é inevitável, o PT, assim como os demais que se valeram da difusão do medo, deseduca politicamente o povo porque o medo, já nos ensinara os pensadores iluministas, só instila o desejo de tutela e a heteronomia, jamais a autonomia. Mais ainda, o medo, no discurso político, é odioso porque concebe as pessoas como objetos que precisam ser manobrados e manipulados em suas emoções. Por isso, o discurso do medo é uma forma de controle, portanto, refratário à emancipação. Por qualquer ângulo que se olhe, é lamentável vê o PT lançar mão de dita estratégia. Mostra o quanto o partido tornou-se refém de marqueteiros cuja lógica não é outra senão o retorno a qualquer preço, no caso, a vitória nas eleições à revelia de compromissos civilizatórios e éticos mais fundamentais.

Na presente conjuntura política, o discurso do medo como estratégia de persuasão e convencimento, abraçado pelo PT, é um enorme erro, mesmo do ponto de vista eleitoral. Em primeiro lugar, porque reforça a ideia equivocada mas consolidada no senso comum de que todos os partidos são iguais. Além do mais, inevitavelmente, o discurso do medo produz, nas circunstâncias atuais de insatisfação social, de desgaste e queda de popularidade de Dilma, a impressão de desespero e de reconhecimento da fraqueza. Nas mãos do PT atual, o discurso do medo é lido como atestado da incapacidade de melhorar o país e resolver os problemas existentes. É uma confissão que revela mais sobre o autor do que sobre o alvo mirado.

Como dizia Michel de Montaigne: “O que teme sofre, sofre já do seu próprio medo”.

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Link para o video da propaganda de pré-campanha do PT: https://www.youtube.com/watch?v=6oOV88yAOw4

Alyson Freire

Sociólogo e Professor de Sociologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN).

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