Rio Grande do Norte, quarta-feira, 01 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 9 de dezembro de 2020

Moro corre para o gol pela ponta e desmarcado

postado por Wagner Uarpêik
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A recente e aparente evasão de Moro do palco político dissimula sua poderosa aproximação pela porta dos fundos

Já ninguém de inteligência e moral medianas é capaz de confiar em Moro. Por exemplo, muitos sabem: quando juiz, tramou indevidamente com Dallagnol, desonrando a independência necessária entre acusador e juiz. Por exemplo, poucos sabem: quando ministro, ele participou de reuniões – não oficialmente agendadas ou de conteúdo não detalhado – com a CIA, o FBI e uma empresa de armas. Após tantas ambiguidades e falhas institucionais, jurídicas e morais, ao mau funcionário público só restam a confiança dos ingênuos – incapazes de desconfiar do mal – e a confiança dos maus – incapazes de confiar no bem.

Mas nem os raros jornalistas e pensadores independentes, atentos e sagazes [alguns, inclusive, de direita] que têm ensinado que a Lava-Jato foi um grande cavalo de troia através do qual Moro e cia invadiram o campo político para dominá-lo subitamente desde dentro, nem mesmo os melhores espreitadores esperavam os gestos mais obscenos do grande xerife do nosso west. Aproximar-se, primeiro de Bolsonaro – também para melhor atingi-lo [numa facada bem menos “amiga” que a primeira] – e depois, indiretamente, das grandes financiadoras de campanha “julgadas” pela Lava-Jato, são sintomas de algo muito mais perigoso do que a hipocrisia e o cinismo: campanha eleitoral.

Aproveitando-se de um país carente de grandes heróis, de uma classe média ressentida com a esquerda, e de uma época especialmente hostil à política, a Lava-Jato nocauteou facilmente o sistema partidário e blindou-se ante o imaginário popular ao esconder bem os caroços podres com bastante casca e poupa agradáveis, doces, suculentas. Só assim essa “bela” e “cheirosa” fruta de sementes horríveis e nojentas foi comida, adorada e plantada por tantas pessoas de boas intenções [embora a ingenuidade persistente seja uma forma de má-fé, e portanto, de maldade]. Só assim, festejada pela plebe e pela mídia, ela poderá chegar ainda madura aos últimos rounds da vertiginosa temporada política que começou em 2013 e acabará em 2022. Sobretudo nos primeiros anos de sua longa inquisição, a Lava-Jato conseguiu ocultar seu lado [ou dna?] moralmente sinistro, economicamente catastrófico, politicamente seletivo e juridicamente tirânico, com enfeites e efeitos de curto e médio prazo relativamente bons, suprapartidários, democráticos.

A maldade nua é má. A maldade que se veste de bondade é duas vezes má. Em centenas de códigos morais, religiões e mitos, o arqui-inimigo do bem sempre aparece fantasiado de santo, herói, libertador, messias. Sua guerra mais profunda nunca é travada sob a luz do sol e com voz de trovão, e frequentemente o impostor senta solenemente no trono da “bondade” para melhor perseguir e destruir os bons. Os homens e mulheres mais tenebrosos que o mundo conheceu sabiam usar bem os truques mais inteligentes da feitiçaria: 1) praticar maldades através de bondades; 2) convencer os bons a lutarem por eles; 3) lançar os bons contra os bons, e os maus contra os maus. Assim reinaram e reinam os maiores tiranos e criminosos, por toda parte. Já vi centenas, milhares, milhões de pessoas enfeitiçadas por esses mágicos de olhos sem brilho e gestos adestrados. E se hoje em dia dificilmente me espantam a delicadeza e complexidade dos seus novos shows, ainda me surpreendem muito a ingenuidade e estupidez do público!

Moro não é de extrema direita, nem de extremo centro, nem de extremo legalismo: é de extrema falsidade.

Contudo, ao cometer alguns erros táticos graves [especialmente ter aceitado tão velozmente ser ministro, ter atraído a vingança de Rodrigo Maia, e não ter usado um aplicativo de mensagens de celular digno de um ativista político], Moro perdeu parte relevante do seu poder eleitoral. O gélido calculismo do seu grande plano de longo prazo foi mais de uma vez prejudicado por suas pequenas paixões de curto prazo. Sim, pois coberto pela voz e trejeitos tímidos, evasivos, insuportavelmente litúrgicos, molengas, contidos, turvos, escapa o que resta de mais viril e verdadeiro no Conje de Monte Cripto: um olhar feroz, violento. Moro é uma águia assassina vestida em plumas de marreco. Os olhos revelam o espírito. Nem os melhores atores conseguem mentir com os olhos. Os melhores juízes devem saber disso!

O baixo carisma, má oratória e raso entrosamento político de Moro convidam os apressados a considerá-lo um político frágil, passageiro, amador. Convencidos de que o seu atual afastamento do palco político principal e obscuro ingresso oficial no mundo jurídico-empresarial [há fortes pistas lógicas de que suas contribuições clandestinas começaram antes] confirmam sua falta de força e vocação para a guerra política, os desatentos e caolhos – destros e canhotos – continuam rindo das supostas ou passadas pretensões políticas do “marreco de Maringá”, como há pouco riam da ambição presidencial de um deputado medíocre, desajeitado, e de língua ao mesmo tempo presa e solta.

Embora perca em simpatia até pra Bolsonaro, em oratória até pra Marina, em intelecto até pra Huck, em credibilidade até para Daciolo, em contradições até pra Lula, e em demagogia quase empate com Dória, se as altas hierarquias militares, midiáticas, empresariais e imperialistas entrarem mesmo em campo com Moro em 2022, e não houver uma ampla união em torno de um adversário carismático, convincente e capaz de unir grande parte do centro, da esquerda [possivelmente incluindo até o contagioso PT] e parte da direita, o Brasil será governado mais uma vez não só por um homem intelectualmente despreparado para o trono [o que não é o pior nem novidade, já que, com poucas e antigas exceções, é nossa tradição cada vez mais democrática], mas por um charlatão cuja miséria moral, ao contrário da de Bolsonaro, sequer serve a princípios morais e ideológicos claros, explícitos, declarados. Moro não é de extrema direita, nem de extremo centro, nem de extremo legalismo: é de extrema falsidade.

A águia em plumas de marreco segue voando em direção ao gol pela ponta e desmarcada. O tempo de vencê-la está começando a acabar. Se milhões de eleitores ingênuos não despertarem a tempo e os líderes mais influentes do centro e da esquerda não se unirem e se prepararem dignamente para a épica guerra de 2022, o Brasil vai desMOROnar de vez.

Wagner Uarpêik

www.wagneruarpeik.com

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