Rio Grande do Norte, sábado, 27 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 29 de dezembro de 2020

Banalização da barbárie

postado por Anderson Soares

A compreensão dos fenômenos comportamentais dos últimos anos tem sido tarefa delicada, que nos exige manejo  e sensibilidade para não cairmos  em achismos ou em observações deterministas e generalizantes tão comuns. Faremos breve reflexão sobre a banalização de discursos de ódio e da barbárie que consideramos como um dos temas mais desafiantes e inquietantes dos últimos anos em nosso país.

            Para acessarmos explícitas demonstrações de banalização da barbárie basta observarmos canais (redes sociais, etc.) de nichos ideológicos extremistas para assistirmos agressões à Constituição cidadã de 1988, aos valores republicanos e conquistas civilizatórias. Pois os sujeitos produtores destes discursos se sentem autorizados pelas representações políticas que lhe dão respaldo e forte identificação.

            Alguns canais de televisão também (por motivos mercadológicos e comerciais) aproveitaram a atmosfera da ascensão dos discursos extremistas/autoritários para inserir em suas programações jornalistas e apresentadores identificados com a barbárie, trazendo em seus programas politiqueiros armamentistas ou declaradamente fascistas. É possível se perceber o frágil disfarce: a presença do discurso da barbárie tem conotação de diversidade de pensamento e opinião: ”já que o defensor de Mahatma Gandhi pode estar aqui, o defensor do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra também pode estar…isso é democracia!!”.

            As redes sociais também servem como “trincheira” de covardes, perversos e disseminadores do ódio político. O tempo contemporâneo e suas “novas” configurações propiciam a naturalização do discurso chulo, autoritário e delirante, pois agora racistas, misóginos, defensores da tortura, métodos ditatoriais e homofóbicos não tem constrangimentos em lanças tais pensamentos. Agora não precisam ter vergonha ou se esconderem, pois seus nichos ideológicos bizarros conseguiram ascensão política em função de grave crise política e econômica dos últimos anos.

            O ano de 2018 foi um ano bastante emblemático, pois as redes sociais possibilitaram a articulação e ascensão do pensamento fascista no Brasil, via POPULISMO DIGITAL. Elementos primordiais propiciaram dramaticamente esta ascensão: miséria, desespero, ignorância, analfabetismo político, crise ética/moral e principalmente a presença de resquícios de nossa constituição e tendência autoritária e violenta. Estes elementos constituíram a construção de inimigos imaginários, poderosas teorias de conspiração, negacionismos e disparadas de fake news direcionadas para uma massa conservadora, autoritária e com pouca capacidade de reflexão e discernimento.

            Foi possível perceber (tragicamente) que atacar valores civilizatórios e o populismo digital transformaram-se em fonte de renda para vários extremistas. Observem os inúmeros canais Youtube e quantidade de outros transtornados que fomentam audiência e consequente  monetização. Sujeitos que praguejam analfabetismo político ódio à democracia, promovem teorias de conspiração, disparam fake news sem nenhum constrangimento e com aplauso de outros cidadãos comuns que estão afinados com estas ideias, aplaudindo e incentivando a barbárie.

            Um dos elementos mais curiosos deste período foi a ascensão da necropolítica e esvaziamento do debate como pilar de sustentação da democracia, bastando observar que os discursos que ganharam protagonismo eram originários de apresentadores de programas policiais, de líderes de seitas neo-pentecostais (cristãos fajutos e de falsa moralidade) e militares sedentos por métodos ditatoriais. Estes sujeitos em suas representações simbólicas (pastor, general, juiz, etc.) diante da massa carregam algo em comum: menosprezo pelos valores republicanos/democráticos, oportunismo, baixíssima capacidade empática, ódio e analfabetismo políticos.

            O esvaziamento do debate de ideias é tática fundamentos do pensamento fascista, pois o extremista transtornado não tem condições de gerenciar atmosfera de diferença pensamento. Observem o “Jim Jones da Virgínia” (aquele senhor que se auto-intitula filósofo e promove teorias de conspiração, discursos delirantes e reproduz fake news) e seus seguidores, que quando são questionados sobre suas colocações delirantes e autoritárias, ao invés de refutar (teórica e academicamente), respondem com ofensas, xingamentos e/ou palavras de baixo calão.

            O extremista (transtornado, perverso) tem asco da democracia e por isso foge do debate e do lidar com a diferença. Por este motivo seu lugar seguro é o “esgoto” das redes sociais, de onde pode atacar valores civilizatórios, republicanos e democráticos. Recentemente, vários adoradores do presidente inepto e autoritário atacaram ferozmente pilares da democracia (Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal e liberdade de imprensa) com o argumento de que estavam apenas exercendo o direito à liberdade de expressão e opinião!!!

            Outro fato que nos serve como importante recorte ilustrativo foi a repercussão da audiência judicial que envolveu a jovem Mariana Ferrer. Um dos mais agressivos representantes da extrema direita nas redes sociais, publicou vídeo argumentando justificativas que defendia o tal “estupro culposo” e enfrentou repercussão negativa que resultaram em demissões. Mas teve quem o defendesse. Uma famosa jornalista (gravou vídeos atacando as críticas), que em seu canal costuma entrevistar (sem constrangimentos) extremistas que atacam valores civilizatórios, como no dia que ficou diante de um representante da família miliciana que falou abertamente em AI-5 e não esboçou nenhuma reação ou questionamento.

            A mais trágica e perigosa demonstração da banalização da barbárie em nosso país é a existência de número significativo de pessoas que defendam fervorosamente (doentiamente!!!) os discursos e práticas do suposto presidente da república. Quando este psicopata faz discurso de ataque à democracia ou de elogio à torturadores e métodos ditatoriais, os sujeitos comuns confirmam: “Isso mesmo”, “tem que dar porrada!”, “só assim funciona!!”, “Pensa como eu!!”, “tem mesmo é que matar!”

            Pelos fatos ilustrativos apresentados acreditamos que estamos vulneráveis a sérios riscos de retrocesso autoritário. O atual fomento da banalização da barbárie em nossa sociedade sustenta atmosfera de ataque aos valores civilizatórios cada vez mais constantes e mordazes.

            O antídoto contra o fascismo é a permanente manutenção de valores civilizatórios em nosso cotidiano. Que faça parte de nossa cotidiana trincheira de resistência aos discursos perversos e autoritários: cidadania, educação, democracia, república!!

Anderson Soares

Escritor.

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