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Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 23 de março de 2012

VARGAS, LULA E DILMA: DOIS ESTADISTAS

postado por Daniel Menezes

No momento em que o Brasil é liderado por uma técnica que demonstra pouco traquejo político, Vargas e Lula vêm à mente como dois verdadeiros mestres na arte de Maquiavel. Cada um dentro do seu contexto e das suas possibilidades, conseguiram operar transformações fundamentais para a consolidação do nosso Estado-Nação moderno.

Vargas foi o grande iniciador do projeto. Diante de uma sociedade fragmentada e dominada por duas grandes oligarquias que se alternavam no poder, rompeu o cerco e trouxe à baila camadas sociais de trabalhadores que até então estavam relegadas à marginalidade. Possibilitou que estes novos grupos sociais alcançassem, por meio dos sindicatos corporativos nascentes, uma participação política revolucionária para a época, algo que jamais o tradicional mandonismo perdoou.

Todo um pensamento social brasileiro parido em São Paulo, que se autodenomina, em seu mito dos bandeirantes, o reduto moderno do país, é devedor do ressentimento com que os antigos grupos dominantes, alijados pelo Estado Novo, absorveram as mudanças. A acusação de fazer um governo populista diz respeito à tentativa de invalidar o ingresso das novas camadas urbanas, que fizeram verdadeiros estragos nas relações tradicionais que alicerçavam a vida brasileira.

A crítica ao período varguista, que atravessa vários estágios distintos, não pode ser feita sem levar em consideração as idiossincrasias com as quais o gaucho teve de lidar. Ainda que a ingenuidade coletivamente compartilhada nos leve, às vezes, a tal percepção, as instituições não podem ser transformadas por simples voluntarismo político. É preciso, neste sentido, lembrar que antes da Revolução de 30, o Brasil era uma mera ficção com pequenas ilhas de civilidade. Vargas com muita dificuldade difundiu uma cultura comum, que universalizou nas nossas fronteiras um sentimento mínimo do que significa ser brasileiro, passo básico identitário imprescindível para estabelecer uma nação.

A revolução política varguista, que colocou o Brasil de vez na modernidade (movimento já iniciado com a abertura dos portos no início do século XIX e com a vinda da família real portuguesa), foi algo que Fernando Henrique Cardoso nunca engoliu. Quando chegou a presidência, enfatizou que uma de suas metas seria acabar com a herança advinda do Estado Novo que, segundo ele, em diagnóstico correto, ainda pulsava. Era o mito São Paulo mais uma vez acreditando que, se conseguisse acabar com os vestígios do Estado Novo, retiraria o Brasil do “atraso”. Ainda que tenha implementado medidas importantes, atirou num fantasma que (só?) costuma assombrar as mentes uspianas. O sonho de matar o “homem cordial”, que só existe contemporaneamente como escombros do passado, só gerou um processo de hipermodernização, que enfraqueceu um sistema de seguridade social que foi, aos trancos e barrancos, construído nas décadas anteriores. Em resumo, o desmonte das políticas da década de 30 representou, na prática, o enfraquecimento do trabalho em detrimento do fortalecimento do capital.

Coube a Lula, sob outras condições sociais e políticas que não aquelas de Getúlio, reavivar o projeto varguista. Com a capacidade política que construiu durante sua atuação sindical e em suas derrotas eleitorais, criou novamente um pacto entre capital e trabalho que andava desaparecido. Enfrentou as resistências dos grupos mais conservadores e reintegrou frações de classe que até então viviam na escuridão. Com o Bolsa Família, mas também com o aumento dos salários e do crédito, engrossou a chamada Classe C e, consequentemente, o mercado interno.

O fosso entre ricos e pobres, tradicionalmente crescente, encontrou uma reversão significativa. Aliado a esta alteração, tivemos, mais uma vez, o ingresso de novos atores políticos. A categoria de enquadramento moral, porca do ponto de vista analítico, veio novamente à tona: populista! Representar a maioria e lutar pela incorporação das classes subalternas se transforma, num incrível golpe (pseudo)acadêmico e político, em algo negativo. O que aparece como democracia em outros países, no Brasil soa manipulatório. Os liberais radicais, insatisfeitos com a reorganização do Estado, não deixariam este processo se consolidar sem luta.

Lula e Vargas, cada um ao seu tempo, também consolidaram algo que, às vezes, não é metrificado em números, mas que é pressuposto de partida para o crescimento de um país. Durante os seus governos, o brasileiro pode sentir orgulho de sua condição. Sentimento que não é coisa de bobo-alegre como preconiza uma elite dominante que ainda não vomitou o dominador/colonizador que carrega dentro de si. É uma autoestima impulsionadora. Que gera desenvolvimento. Vontade de solidificar um projeto de nação.

Vargas e Lula não fazem parte da pauta do nosso momento político. Um nos deixou para entrar na história e o outro se encontra em plena recuperação de saúde. Porém, ao ver a maneira como o atual governo (não) articula a sua base aliada, a referência aos dois estadistas se torna, ainda que saudosista, inevitável.

Daniel Menezes

Cientista Político. Doutor em ciências sociais (UFRN). Professor substituto da UFRN. Diretor do Instituto Seta de Pesquisas de opinião e Eleitoral. Autor do Livro: pesquisa de opinião e eleitoral: teoria e prática. Editor da Revista Carta Potiguar. Twitter: @DanielMenezesCP Email: dmcartapotiguar@gmail.com

2 Responses

  1. Ricardo disse:

    Muito pertinente o seu texto! Parabéns. De fato, cada um à sua maneira, dentro de seu tempo, essas duas figuras políticas promoveram alterações amplas e buscaram minimizar o “pacto” político tradicional. Com ou sem maquiavelismo, são dois presidentes cruciais em nossa história.

  2. Daniel Menezes disse:

    Ricardo, tão fazendo falta.

    Dilma está tentando aprovar suas coisas na base do: “Isso é esparta!”

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