Rio Grande do Norte, sexta-feira, 26 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 26 de março de 2012

Os guardiões da chave do Paraíso

postado por Arthur Dutra

 Especial para a Série “Da Correção Política à Censura”

Politicamente correto. Certamente o leitor já ouvir falar dessa expressãozinha mágica que tem ganhando notoriedade nos últimos tempos. Porém, a sua aparição no mundo, principalmente no virtual, é diretamente proporcional à ignorância que ela espalha na cabeça de muita gente. Sabe-se que a correção política é uma coisa que pretende excluir piadas de gays, negros, anões, loiras etc. Mas será apenas isso? Para nossa desgraça, leitores, ele, o politicamente correto, é muito mais do que calar nossas bocas para tais gracejos. Vejamos de onde veio isso e para onde ele pode nos levar.

Ora, meus amigos, é preciso ter em mente que essas ações, quando aparecem diante dos nossos olhos, é porque já foram elucubradas dentro das universidades pela intelectualidade, senão nas brasileiras, nas estrangeiras – notadamente americanas – chegando por aqui algum tempo depois em razão do nosso costumeiro atraso intelectual e imperiosa necessidade de importar os modismos acadêmicos estrangeiros. O politicamente correto, portanto, não é nada mais do que outro desses modismos importados. Mas é um modismo poderoso, porque tem um fundo político baseado no marxismo – linha de pensamento incrivelmente aceita e prestigiada pela própria intelectualidade brasileira que hoje se contorce ao ver os agentes do politicamente correto perderem as estribeiras.

O que hoje ocorre no Brasil em matéria de atuação da patrulha politicamente correta é um fenômeno já experimentado pela intelectualidade universitária americana desde a década de 80/90. Ou seja, até nisso estamos atrasados. Nos Estados Unidos, como relatou Roger Kimball no livro “Radicais nas Universidades: como a política corrompeu o ensino superior nos Estados Unidos da América,” (Ed. Peixoto Neto, 2010) o movimento politicamente correto andou a criar corpo com o ataque ao cânone literário e àquilo que o autor descreve como os “ideais de objetividade e de busca desinteressada do conhecimento”.

Mas qual era o discurso que os radicais usavam para atacar um postulado tão idílico quanto o que sempre foi consagrado pelo pensamento universitário? A justificativa era que a cultura ocidental, fundadora do cânone universitário tradicional, era intrinsecamente repressora das minorias que não se adequavam aos seus preceitos milenares. Pois bem. Partindo deste ponto, e fundamentado nas lições de luminares marxistas como Herbert Marcuse, Antônio Gramsci e do próprio Karl Marx, os radicais passaram a orquestrar um ataque histérico e sistemático contra os postulados da cultura ocidental, rotulada de machista, sexista, elitista, homofóbica, racista etc., de modo a enfraquecer o seu ensino nas universidades americanas.

Um dos maiores ideólogos marxistas do século XX, Herbert Marcuse, assentou em seu ensaio intitulado “Tolerância repressiva” que o revolucionário deve ser “intolerante perante as políticas predominantes, atitudes e opiniões”, o que significa ser intolerante com os costumes arraigados na sociedade ocidental burguesa, e, por consequência, com sua criação intelectual. A intenção é clara: destruir todo este apanhado de obras e pensamentos produzidos pelo gênio humano ocidental a fim de instalar a “tolerância às políticas, atitudes e opiniões que são proscritas e suprimidas”, inaugurando o reino da tolerância seletiva com vistas a um objetivo maior que é a demolição dos pilares da sociedade burguesa.

No ensaio em questão, acrescido pelas ideias expostas no “Prefácio político” que antecede o famoso “Eros e Civilização”, Marcuse sustenta que a tolerância praticada na sociedade serve à causa da dominação e da repressão das minorias oprimidas, lhes dando espaço para oposição, mas uma oposição que se faz dentro da lógica dominadora, cuja possibilidade de libertação é zero em face da mecânica dentro da qual se exerce, permanecendo minoritária e oprimida enquanto vigorar a lógica burguesa de tolerância.

Para modificar esse estado de coisas, Marcuse diz aos intelectuais “… que é a sua tarefa quebrar a concretude da opressão a fim de abrir espaço mental no qual esta sociedade pode ser reconhecida como o que é e faz”. A tarefa é simples: incitar as pessoas, principalmente jovens, a questionar os princípios sobre os quais se assentam a sociedade burguesa a fim de ser intolerante com eles, tachando-os de todos os epítetos por demais conhecidos, incluindo-os no alvo por serem frutos deste pensamento nefando, as obras produzidas pelo gênio humano ocidental, tais como “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri, e as peças de Shakespeare, hoje rotulados de homofóbicos, racistas, machistas etc.

Marcuse ainda se rebela contra os padrões estéticos vigentes para as artes por entender que eles neutralizam mensagens políticas que agridam o status quo dominante; tal padrão estético coloca fora do conceito de arte aquelas manifestações que fogem deste padrão e veiculam uma mensagem subversiva, submetendo-as ao campo da pseudoarte ou não arte. Daí porque é necessário também implodi-los a fim de permitir a liberdade de criação direcionada contra o poder. Ou seja, aquele quadrinho bem pintadinho de Leonardo da Vinci que você gosta de admirar em um museu, por exemplo, é nada mais do que um instrumento de dominação e alienação, e, por isso, de acordo com essa turma extremista, deve ser queimado ou jogado na latrina mais próxima.

Este é o plano idealizado e que vem sendo executado. A tese é confirmada faticamente por Roger Kimball, na obra já citada:

“As denúncias de ‘hegemonia’ da cultura ocidental e das instituições liberais que ressoam tão insistentemente dentro de nossas faculdades e universidades atualmente não são conversa-fiada, e sim representam um esforço organizado para atacar as próprias fundações da sociedade que garante a independência da vida cultural e artística – inclusive a independência das nossas instituições de ensino superior”.

Acha exagero? Vamos aos casos citados pelo próprio Kimball, decorrentes desta forma extrema de pensar.

A convicção que une esses grupos díspares ganhou uma dramática manifestação na Universidade de Standford, no fim dos anos 80, quando Jesse Jackson e cerca de quinhentos estudantes protestaram gritando ‘hey hey, ho ho, Western culture’s got to go’”. (p. 22)

O que significa, por exemplo, o fato de a diretora Hilda Hernandez-Gravelle, cujo escritório de Relações Raciais e Assuntos de Minorias em Harvard deu início ao programa AWARE, ter pedido que as festas nostálgicas com tema dos anos 50 fossem banidas porque o racismo era irrestrito nos Estados Unidos na década de 50? Ou de Barbara Johnson, professora de francês de Harvard, ter declarado no simpósio do AWARE que ‘os professores deveriam ter menos liberdade de expressão que os escritores, porque dos professores se espera que criem um mundo melhor’?”. (p. 110)

No Smith College, um folheto é distribuído aos calouros, listando uma longa série de atitudes politicamente incorretas que não serão toleradas, inclusive o pecado do ‘aparencismo’, isto é, o preconceito de acreditar que algumas pessoas são mais atraentes que outras”. (p. 28)

Tais manifestações culminaram na exclusão, em 1988, da disciplina “Cultura Ocidental” da grade curricular obrigatória na Universidade de Standford. (p. 20)

Inspirador, não? Daí porque não causa surpresa a censura a Dante Alighieri e outras criações monumentais da civilização ocidental. Dicionários? São apenas a ponta do iceberg. No fim do livro, Roger Kimball nos fala do estado de coisas que vigorava nos EUA na década de 90 em razão da execução deste plano:

A denúncia da civilização ocidental como inextrincavelmente racista, sexista, elitista e patriarcal; os esforços feitos pelas administrações para fazer vigorar códigos de fala em ‘campi’ universitários; a reescrita despudorada de livros de história para amenizar sentimentos étnicos feridos: todos eles estão transformando a natureza da sociedade americana”.

Diante disto, pergunto, retoricamente, claro: será que estamos vendo o mesmo acontecer por aqui? A mim parece evidente, e do jeito que as coisas vão, com esta turba enlouquecida com gritos na boca e picaretas em punho, corremos o risco de perder não apenas em “A Divina Comédia”, mas todo o apanhado civilizacional legado há milênios pelos gênios que passaram por este planeta. O que é uma catástrofe, pois, como arremata Kimball, a “Civilização não é um dom, é uma conquista – uma conquista frágil, que requer ser constantemente escorada e protegida de assediadores de dentro e de fora”.

De tudo o que se disse, fica uma “moral da história”: se a sociedade burguesa ocidental não é perfeita, e isto é mais do que evidente, a nova sociedade que se anuncia para este século também não o será – ainda mais se insistir em levar a efeito a intenção de censurar grandes obras -, tendo em vista que não é dada às instituições humanas, a nenhuma delas!, a qualidade da perfeição tão propagada e almejada pelos idealistas radicais que se arvoram à condição de guardiões da chave do Paraíso.

 

Entenda a Série: Da Correção Política à Censura

Arthur Dutra

Advogado. Editor, proprietário, patrocinador e único escritor do blog "Escritos Improvisados" (http://escritosimprovisados.blogspot.com). Twitter: @ArthurDutra_

6 Responses

  1. Alyson Freire disse:

    Olá, Arthur

    Seu texto abre bem o Especial para o debate. 

    Não concordo com a tese do autor, no qual o seu texto se respalda. Se o autor acerta, em parte, as origens do chamado “politicamente correto”, isto é, localizando-o na New Left, na Nova Esquerda nos EUA, surgida no final dos anos sessenta, o termo, por sua vez, e pra ser mais preciso é um fruto da reação da direita norte-americana contra o policialismo dos movimentos identitários no uso da linguagem nos anos 80 e 90. Bem, mas isso não é o mais importante.

    O problema na tese do autor reside no reducionismo de propor a ideia segunda a qual o “politicamente correto” é uma luta contra o cânone da cultura ocidental e suas instituições. Em outras palavras, o autor desqualifica o impulso básico do PC, nascido dos movimentos e lutas por reconhecimento e direitos civis das minorias (mulheres, negros, homossexuais etc.), esteriotipando-o como uma forma de barbarismo contra à civilização e seu legado. Mais do que reducionismo, isso é má-fé.

    No contexto em questão, muito mais do que rotular o cânone da cultural ocidental segundo fórmulas políticas (homofóbico, racista, sexista), ainda que exista quem faça isso, o objetivo principal dos “movimento radicais” na universidades norte-americanas consistia em dar visibilidade aquilo que o próprio cânone havia silenciado. O debate era e é bem mais pela introdução de outras culturas, literaturas e pensamentos não contemplados pelo dito “universalismo da cultura ocidental”, que é, com efeito, euroamericano. Ora, será que não existiu uma literatura ou filosofia produzida por autores negros ou oriundos de colônias, e muitos deles habitantes e cidadãos dos próprios países ocidentais? E que fizeram de sua condição estigmatizada e subalterna a matéria viva de suas criações? Introduzir essas literaturas é bem mais do que dar-lhes um lugar, um curso, significa repensar criticamente a própria cultura ocidental e seu legado oficial, isto é, de como estas foram produzidas e legitimadas em função de exclusões, silenciamentos e violências.

    O debate consiste em colocar a cultura ocidental e a modernidade sob o ponto de vista dos subalternos, produzir crítica. E, assim, trazer à luz as formas de dominação, exclusões e relações de poder e hierarquia sobre quais a cultura ocidental, isto é, uma forma particular de se compreender a cultura ocidental foi erigida. Na legitimação dessa forma de compreensão não há apenas beleza e genialidade. 

     Autores como Richard Wright, E.W Du Bois, Franz Fanon utilizaram sua experiência subalterna, misturando-a com o próprio legado intelectual e cultural do Ocidente, como instrumento para elaborar uma interpretação distinta da modernidade e da própria sociedade ocidental e sua história, relatos menos etnocêntricos, e que enriquecem à própria compreensão sobre a cultura ocidental e suas ambivalências.

    Reduzir a cultura ocidental e seu legado à pura dominação e discriminação, como querem e fazem alguns militantes, é um absurdo de má-fé também. Mas dourar a pílula e ver nela apenas o desenvolvimento harmônico e desinteressado das faculdades criativas e idílicas do gênio humano e da cultura humana é bastante ingenuidade. 

    O dossiê, como não poderia ser diferente, terá o espírito da Carta; pluralidade de perspectivas e debate. Abraços,

  2. Arthur Dutra disse:

    Alyson,

    Seu comentário é bem oportuno porque inaugura o debate sobre a questão, que deve ser analisada com seriedade e, acima de tudo, com honestidade. Foi o que procurei fazer, de modo que rejeito sua acusação de reducionismo e má-fé, realmente desnecessária para o caso, mesmo porque deixei bem claro no artigo que a sociedade ocidental não é perfeita, e, como reflexo dela, também sua criação intelectual. Essa semana mesmo estava lendo “Os sete contra Tebas” de Ésquilo e me deparei com uma passagem em que Eteócles trata as mulheres com grande desprezo. Mas o que vou fazer? Rasgar o livro? Evidente que não.

    Por este argumento também rejeito a pecha de ingênuo, realmente descabida como passarei a esclarecer. Se outra foi a imagem que você fez do texto, só posso reputar à minha limitação no uso da linguagem, jamais à malicia.

    Pois bem. Ocorre o seguinte. Essa mesma sociedade ocidental, que é justamente acusada de repressora em algumas passagens, é a mesma que agora se submete a uma revisão em muitos de seus postulados para dar espaço às minorias que antes não tinham voz. Foi fácil? Claro que não! E nem poderia, porque de toda forma estamos falando de milênios de cultura enraizada na cabeça das pessoas, e isso deve ser visto como uma conquista civilizacional de toda a sociedade, e não como uma senha para ir além para revolucioná-la e censurá-la.

    O problema é quando esse radicalismo, além de tencionar tais conquistas, visa ir além, não se contentando com uma nova perspectiva cultural oriundas das minorias, a ser acrescida às outras existentes, mas planeja suprimir aquelas anteriores, como estamos vendo claramente – pelo menos para mim – nos dias de hoje, com a censura de livros clássicos que foram escritos em contextos completamente diferentes dos atuais. Além de radicalismo, é uma burrice, uma vez que cria tensões desnecessárias e retira importante o apoio da própria sociedade.

    Portanto, não se trata de reducionismo, e sim de ver que os radicais estão a tragar os moderados e fazendo dominar o seu ponto de vista ditatorial, conforme está muito bem descrito no livro bastante citado no artigo. Se houve um desrvirtuamento do PC como você diz, só a história vai dizer, a depender de até aonde tudo isso vai. Só sei de uma coisa: se deixar tudo correr livre, sem um debate sério e sem chamar as coisas pelos seus verdadeiros nomes, o negócio vai piorar muito.

    Daí porque enfatizei a intenção, hoje bastante flagrante, de censurar obras importantes do pensamento ocidental ao argumento de que veiculam mensagens opressoras, como um plano para demolir, por ressentimento ou pretensões políticas, todo este apanhado que permite ser inclusive criticado. Não se trata de reverenciar passivamente um livro, e sim de respeitá-lo como algo significativo e produzido em uma determinada época, fruto de uma forma de pensar vigente e legítima.

    Penso que o respeito que as minorias merecem não deve ser exercitado à custa de medidas como as que já são propostas por aí, que suscitam não a tolerância, e sim a discórdia e as tensões sociais.

    Repito: estamos a vivenciar um processo de revisão de princípios e costumes, e isto é da própria mecânica da nossa sociedade democrática. Há quem seja a favor, há quem seja contra, mas no fim é preciso que se preserve e enriqueça aquilo que é mais preciso: o legado civilizacional ocidental.

    Abraço
    Arthur

  3. Gilson Rodrigues Jr disse:

    Em concordancia com as observações do Alyson irei apenas listar as reações e impressões que tive ao texto… Lembrando que um dos motivos que sempre me agradaram na forma sobre como a Carta Potiguar foi consruída é exatamente a possibiidade do debate aberto e franco, mesmo entre seus colunistas. Diante disso faço uma lista das referidas reações e impressões:

    1. Estranhamento: um texto de abertura de um tema tão importante e atual ser carregado de generalizações e de certo senso comum ‘acadêmico’ em seu discurso;

    2. Inquietação: confusão nas afirmações sobre a origem do termo; um reducionismo seja das construções críticas, sejam elas no contexto academico – que o texto parece ver de forma homogênea – ou nos discursos dos movimentos sociais. Além disso o texto parece tratar as pessoas, populações como que seres apenas manipulados, sem agencia, não-sujeitos…

    3. Provocação: o texto, a meu ver, logrou sério insucesso, tendo em vista que faz generalizações essencialistas, usando inclusive do termo ‘civilização’ de forma confusa… Além disso, parece apenas que você enxerga toda e qualquer forma de controle social como problemática, ignorando que isto sempre irá existir, em qualquer grupo humano, quando o questionamento, mais uma vez a meu ver, deveria ser como se constróem esses mecanismos  de controle e de que form legitimam desigualdades, perpetuam preconceitos, etc… Além disso, reduzir tudo a cópias me soa exagerado, preconceituoso e de uma reflexão preciptada…

    Por último, provocando algumas inquietações a mim suscitadas pelo antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, ao invés de defendermos “o legado civilizacional ocidental” – nesse caso sim, numa possível imitação de países europeus, por exemplo – deveríamos questionar e criticar tais práticas, repensando o que temos legitimado por trás do discurso politicamente correto em defesa da “civilização”. Nesse caso, não custa lembrar que o conceito de civilização – bastante pensado pelo sociólogo Noerbert Elias – se dá a partir da noção de que determinados grupos são mais ou menos civilizados e outros descivilizados…

    Bem, considerando que o mais importante nesse espaço são os debates suscitados, começamos bem a semana…

    Saudações,

    Gilson.

  4. Alyson Freire disse:

    Olá, Arthur

    Acho que você se confundiu. Não qualifiquei você ou seu texto de reducionista, ingênuo e, pior ainda, de má-fé. Mas sim, ao autor e as teses do livro em que você se respaldou pra construir parte do seu argumento. Em minha leitura, parte do seu texto consiste numa resenha das ideias de Roger Kimball, no livro “Radicais nas Universidades: como a política corrompeu o ensino superior americano”. Você se coloca mais no texto nos primeiros e  últimos parágrafos do seu artigo. Em nenhum momento, me referi a essas partes, aliás, concordo com a ambivalência que você observa da cultura ocidental e sua crítica aqueles que julgam poder instalar o céu na terra, como muitos marxistas e militantes acreditaram um dia, hoje bem menos.

    No próprio título do livro consta um verbo que explicita o ímpeto muito mais político e desqualificador da obra do que as motivações e compromissos afeiçoadas à pesquisa acadêmica, à verdade e ao conhecimento desinteressado. “Corrompeu”. Ora, somente é corrompido um organismo que: a) primeiro estar, em tese, saudável, ou, pelo menos, não-contaminado e b) por “invasores”, elementos externos e estranhos a um dado corpo.

    Em outras palavras, o autor sugere a ideia de uma “cultura ocidental pura”, formada apenas pelos cânones e valores oficiais e legítimos. Mas que, com a entrada e abertura do debate sobre seu legado e história, provocado pelas lutas de reconhecimento das minorias em busca de introduzir e obter o reconhecimento moral de novas perspectivas, pensamentos e sujeitos, estas seriam como que invasores estranhos e nocivos a esse corpo até então saudável. Um pano de fundo bastante problemático este, me parece.

    Veja que minha crítica se dirige ao livro, não ao seu texto em sua totalidade. Você mesmo em seu comentário se refere ao fato concreto de que atualmente a sociedade ocidental passa por um processo de revisão, que é, em suas palavras, uma conquista civilizacional. Corretíssimo! 

    Esse processo de revisão não foi dado ou concedido sem lutas. Se, como você muito bem percebeu, é uma conquista de toda a sociedade, porém, por outro lado, ele não foi logrado pela luta de toda a sociedade. Tal processo de revisão ou avaliação crítica e reflexiva só foi possível por causa das lutas dos movimentos sociais de minorias nos anos sessenta e setenta em busca do reconhecimento de suas identidades, formas de vida e comportamentos. Foram esses movimentos e suas críticas, apoiadas também nos trabalhos de intelectuais e pesquisadores, os responsáveis por instituir um outro olhar, mais cético e menos etnocêntrico, sobre os relatos e narrativas oficiais e legítimas da cultura ocidental. 

    O autor do livro que você menciona chama esse legado reflexivo e autocrítico, sim é agora um legado da própria cultura ocidental, de toda sociedade, porque se institucionalizou, inclusive em constituições como direitos fundamentais, de “corruptor da própria cultura ocidental! É a este reducionismo e má-fé que me refiro. Abraços,

    • Arthur Dutra disse:

      Alyson,

      A linguagem é um dom, mas às vezes é falho. Creio que está tudo esclarecido. Só queria repisar que as conquitas sociais não devem jamais suplantar a base, aquele fundo civilizacional que permite a própria revisão. Quanto ao livro do Roger Kimball, ele traça um quadro bastante pessimista do ambiente universitário americano, não tanto pelas mudanças de perspectivas e sim pela atuação dos radicais e extremistas que pretendem, sim, destruir a cultura ocidental. Nisto não há o que concordar, e sim de constatar, vez que ele cita inúmeros exemplos de declarações, eventos, palestras etc elaborados com este fim, corroborados pelos casos que vemos diante dos nossos olhos hoje.

      Bem sei que muitos não pensam assim, graças a Deus hehe. Mas é preciso tomar cuidado com os radicais, pois se eles foram “úteis” para chamar a atenção para a opressão, discriminação etc., não lhes é lícito ir além. É como penso.

      Grande abraço
      Arthur

  5. vicente disse:

    Seria mais ou menos como aconteceu na “Revolução Cultural” de Mao-Tse-Tung, onde esse ditador destruiu milhares de livros milenares da cultura chinesa, e aboliu o “pensamento intelectual” em favor do trabalho braçal.
    È por essas e outras que acho que a revolução mais perigosa e contínua na história mundial é sem dúvida a Russa, onde os ideais marxistas foram concretizados, e ele é, até hoje, sedutor para a intelectualidade mundial. O problema é pior pelo fato de que a área de atuação desse é no campos das idéias, onde aos poucos vai implodindo os ideais conquistados à base de luta e sangue.

Sociedade e Cultura

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