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Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 4 de julho de 2013

Discurso de um ex-escravo sobre a independência americana

postado por Laura Lima

Frederick Douglass nasceu escravo em Maryland em 1818. Aprendeu a ler e escrever em segredo. Depois de escapar para a liberdade em 1838, dedicou-se à causa da abolição e fundou o jornal abolicionista North Star. O discurso abaixo foi dado para a Sociedade Abolicionista das Mulheres de Rochester em 5 de Julho de 1852. Douglas falou sobre a hipocrisia de se pedir a um escravo americano que celebrasse a independencia americana.

(Apenas cerca da metade do discurso está vertido abaixo. O texto completo em inglês pode ser achado aqui. James Earl Jones fez uma leitura lindíssima do texto original que pode ser vista no youtube)

O que significa o Quatro de Julho para um escravo?

Concidadãos, perdoem-me, permitam-me perguntar: por que me chamaram para falar aqui hoje? O que eu, ou aqueles que represento, tenho a ver com a sua independência nacional? Os grandes princípios de liberdade política e justiça natural de sua Declaração de Independência extendem-se a nós? E, por isso, vocês me pedem para dar uma contribuição ao seu altar nacional, e confessar os benefícios e expressar gratidão devota para as bênçãos resultantes da sua independência?

Quisera Deus, tanto por causa de vós e os nossos, que uma resposta afirmativa pudesse ser dada! Em seguida, seria a minha tarefa ser leve, e o meu fardo fazer-se-ia fácil e delicioso. (…) Mas, esse não é o caso. Há uma triste sensação de disparidade entre nós. Eu não estou incluído nessa celebração! Sua independência só revela a distância incomensurável entre nós. As bênçãos das quais vocês se alegram, não são dividas entre todos. A rica herança de justiça, liberdade, prosperidade e independência, legada por seus pais, é vossa, mas não minha. A luz do sol que trouxe claridade e cura para vocês, trouxe sofrimentos e morte para os meus.

Este 4 de Julho é seu, não meu. Vocês podem se alegrar, mas eu… eu devo lamentar. Vocês convidaram um homem a arrastar suas correntes até o templo da liberdade, e convidaram-o a acompanhar hinos alegres – [isso é] uma zombaria desumana e sacrílega. Vocês queriam zombar de mim ao pedirem que fale hoje?

Concidadãos, acima de sua alegria nacional, eu ouço o lamento triste de milhões – cuja prisões [correntes] tornam-se mais intoleráveis pelos seus gritos de felicidade. Devo lembrar fielmente das crianças sangrando de tristeza neste dia (..) pois esquecer seus sofrimentos e vulgarizar-me em sintonia com o a vossa liberdade seria traição esca ndalosa e chocante, e envergonhar-me-ia diante de Deus e do mundo.

Meu assunto, então, concidadãos, é a escravidão americana. Quero contar-lhes sobre o dia de hoje do ponto de vista de um escravo. Ao identificar-me como tal, tornando seu sofrimento meu, não hesito em declarar, com toda a minha alma, que o caráter e a conduta desta nação nunca foram tão vergonhosos quanto neste 4 de Julho!

Se nos voltarmos para as declarações do passado, ou para as profissões do presente, a conduta da nação parece igualmente horrível e revoltante. América é hipócrita quanto ao seu passado, hipócrita com o presente, e presta-se a ser hipócrita com o futuro. Eu, em nome da humanidade indignada, em nome da liberdade acorrentada, em nome da Constituição e da Bíblia que são desconsideradas e espezinhadas, ouso pôr em causa e denunciar, com toda a ênfase que há em mim, tudo o que serve para perpetuar a escravidão – o grande pecado e vergonha da América!

(…)

Se eu tivesse a capacidade de ser escutado pela nação diria que (…) O sentimento da nação deve ser acelerado, a consciência da nação deve ser despertada, o decoro da nação deve ser surpreendido, a hipocrisia da nação deve ser exposta, e seus crimes contra Deus e o homem devem ser proclamado e denunciados.

O que o escravo norte-americano tem com o 4 de Julho? Eu respondo: um dia que lhe revela, mais do que todos os outros dias do ano, a injustiça e a crueldade que é vitimização constante. Para ele, essa celebração é uma farsa, vossa liberdade é uma desculpa profana; vossa grandeza nacional, um inchaço de vaidade, (…) vossos gritos de liberdade e igualdade são zombarias ocas; vossas orações e hinos, vossos sermões e ações de graças, com todo o vosso decoro e solenidade religiosa, são a mera fraude, engano, impiedade e hipocrisia – um fino véu para encobrir crimes que deveriam ser a vergonha de uma nação de selvagens. Não há uma nação na terra culpada de práticas mais chocantes e sangrentas do que os Estados Unidos. (…) Concidadãos! A existência de escravidão no país marca vosso republicanismo como uma farsa, vossa humanidade como um pretexto de base, e vosso cristianismo como uma mentira. A escravidão destrói vosso poder moral no exterior e corrompe vossos políticos em casa. É a força antagônica em vosso governo, a única coisa que perturba seriamente e põe em perigo sua união.

Laura Lima

Laura Lima tem doutorado em Relações Internacionais e Estudos Críticos de Segurança por Aberystwyth University (Reino Unido). Tem bolsa de pós-doutorado do Social Science Research Council (Estados Unidos) no programa “Drugs, Security and Democracy”. Nasceu historiadora e vai morrer potiguar.

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