Rio Grande do Norte, sexta-feira, 26 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 31 de janeiro de 2015

Robério Paulino: Fazendo carnaval do carnaval em Natal

postado por Carlos Freitas

 Robério Paulino, o eterno candidato a alguma coisa: carnaval, prioridades, ar condicionados e demagogia 

Foto Marcio Guerra/Asseroria

Foto Marcio Guerra/Asseroria

“O que não pode é ter para o carnaval, para decoração natalina, e não investir no essencial, como educação”, dispara o professor Robério Paulino,  doutor em políticas públicas.

A questão da democratização da cultura é uma questão política fundamental nas sociedades atuais, principalmente enquanto resistência social e afirmação da identidade de comunidades regionais e locais. Ao investir pesadamente na realização popular do carnaval em Natal, a prefeitura municipal acerta e assume o compromisso público com o acesso popular à cultura.  Portanto, pode e deve haver forte investimento público no carnaval, uma manifestação da cultura popular que deve e merece ser valorizada enquanto tal pelos agentes públicos.

 

Alceu Valença

Além disso, trazer atrações externas como Alceu Valença, Jorge Aragão, Elba Ramalho, Moraes Moreira, Monobloco e Spok Frevo Olinda não é desvalorizar a cultura artística local. Talvez o professor Robério não saiba, mas todos os nomes anunciados são destacadas expressões da cultura popular nordestina e também nacional. Como é sabido, eventos culturais como o carnaval constituem um ponto de encontro intercultural entre artistas potiguares e artistas de outras regiões do país, possibilitam a troca de experiências de aprendizado coletivo. Os próprios artistas e produtores locais de cultura se beneficiam com esses encontros festivos e multiculturais e, também, é claro, a população local, o que é visível no forte reconhecimento público da gestão de Carlos Eduardo na área de cultura.

Mas para ainda ficar pior, bem antes do trecho mencionado acima, afirma o professor completamente “antenado” com o tema da sustentabilidade ambiental atual: “Se dependesse de mim, com esse dinheiro eu colocaria ar condicionado em todas as escolas municipais de uma tacada só, beneficiando alunos e professores; é algo relativamente barato”. Como se a instalação de condicionadores de ar fosse a solução de nossos muitos problemas em educação. Evidente, que tal é parte relevante de qualquer política que assuma seriamente a tarefa de melhorar as condições físicas de trabalho e de aprendizagem de professores e alunos, contudo, tomada de maneira isolada é muito pouco. Antes ou concomitante com os ar condicionados é imprescindível que se invista em cursos de aperfeiçoamento, melhores salários, mais tempo para planejamento e menor carga horária em sala para os professores, etc.. O equívoco, com efeito, não é a proposta em si, mas a mentalidade excludente de políticas, a secundarização do lazer e da cultura popular e, obviamente, a demagogia que inspira o comentário do candidato e professor Robério.

Na contramão de todo um debate atual na esfera pública brasileira em torno da necessidade urgente de inovação na política de uso dos recursos energéticos, o professor defende a difusão de ar condicionados nas escolas públicas da capital potiguar, contribuindo ainda mais para o consumo excessivo de energia. Poderia pelo menos ser mais propositivo e mencionar algum projeto de sustentabilidade como os tetos verdes ou um maior cultivo e plantação de árvores, canteiros e jardins. De um professor “doutor” em políticas públicas, penso,  espera-se bem mais com respeito a políticas culturais e políticas ambientais do que ele tem proposto.

De fato, o que o eterno candidato a alguma coisa não parece entender é que investimento público em cultura popular é, também, uma forma de educação da sociedade como um todo. Educação, caro professor, não se restringe a educação formal e ao espaço escolar.  Nesse sentido, a meu ver, também erra o governador Robinson Faria ao recuar de investimentos nas festas populares, apesar das dificuldades financeiras e a necessidade de investimentos urgentes em outras áreas; fomentar a alegria, o lazer e a diversão não são coisas supérfluas mas renovam laços de solidariedade, comunhão social, os sentimentos de se fazer parte de um corpo social popular, aliviando as pressões da rotina e das desigualdades dos sistema social hierárquico.

Retomando, é até compreensível a cegueira cognitiva do professor e eterno candidato, afinal o nobre professor doutor parece compartilhar uma compreensão tipicamente “burguesa” e formalista de cultura e, pior ainda, distorcida de educação, como se essa última se resumisse ao cultivo da cultura escolar ou da oferta de ar condicionados nas escolas municipais.

Mikhail Bakhtin e E. P. Thompson podem oferecer a clareza e a relevância acerca da cultura popular que falta ao professor Robério Paulino. Aliás, curioso como alguém que se pretende afirmar na vida pública da cidade como um intelectual crítico ignore uma das principais lições desses autores, qual seja: o papel da valorização da cultura popular de uma sociedade como questionamento crítico da cultura dominante. Carnaval não se reduz à alienação ou ao pão-e-circo, esta é uma visão muito estreita desse complexo fenômeno cultural, e que, se vende aos mais desavisados, como se fosse uma visão crítica e defensora das reais necessidades do povo. Pretensão paternalista esta de definir por cima o que é essencial ao povo. É lamentável que alguém com formação em Ciências Sociais parta de um pressuposto tão reducionista e pobre.  Mas pelo que fala e defende, o professor, eterno candidato a alguma coisa, ele precisa deixar de lado os escritos, ou melhor, manuais de conduta marxista de Lenin, Stalin e Atilio Borón, e avançar para novas leituras mais arejadas e heterogêneas.

Mais importante, se o professor eterno candidato a algo quer de fato contribuir com a vida cívica do estado precisa aprender que a política dos demagogos populistas é a política da mediocridade. Assim, a esfera pública potiguar precisa de debates sérios que elevem a cultura local e a política, não o exemplo deseducador do professor Robério Paulino que considera a cultura um tema de menor importância na agenda de políticas públicas.

No final do século XVIII, nomes como Herder e Goethe enxergavam na cultura (Kultur) a mais autêntica expressão da vitalidade de um povo (“Volk”). Ao estabelecer uma escala hierárquica e valorativa entre cultura e educação formal, Robério rebaixa moralmente não somente a cultura popular, mas também as demandas não-econômicas, ou melhor, as urgências culturais da população potiguar. A população não quer só comida, mas quer também educação, cultura, lazer e arte, sem pré-noções hierárquicas como estabelecer o que é “essencial”. Sem romper com as pré-noções que tornam a política mera gestão administrativa e instrumental da vida e da coletividade, não vejo que novidade e densidade de fato nos traz o candidato de todas as coisas e cargos.

 

Logo abaixo, o depoimento do professor Robério Paulino

robério bocão

 

Carlos Freitas

Sociólogo e Professor Doutor do Departamento de Ciências Sociais da UFRN. Interesse por temas de Cultura Política e Sociedade. Contato profissional: calfreitas@hotmail.com

2 Responses

  1. Raphael disse:

    Carlos, concordo em parte com a crítica fazes. Todavia, ampliar o acesso à cultura popular e usar disso para abrir os horizontes críticos da população não se resume a fazer showzinhos no carnaval e no final do ano. Se usarmos o exemplo de Pernambuco – já de início adianto que reconheço as limitações de Natal em relação à capital pernambucana – veremos que toda a eferverscência cultural, desse que é um dos maiores carnavais do Brasil, engendrou-se a partir de um forte e duradouro investimento em políticas de incentivo às tradições do estado. Isso não acontece aqui. Os investimentos na cultura potiguar, de fato, são mínimos. No próximo carnaval não veremos nenhum polo de fomento às nossas tradições. Nossos grupos de coco, araruna ou qualquer coisa outra coisa ficarão inertes a tudo. Até as escolas de samba, símbolo máximo do carnaval, não terão uma estrutura adequada para desfilarem. Lamento dizer, mas dessa forma não se produz pensamento crítico através da cultura, se produzem ‘showzinhos’ (em um diminutivo que expressa o antagonismo entre a grandiosidade do carnaval e a cultura dos meros shows de carnaval e final de ano na nossa cidade).

  2. Vanusa disse:

    Acredito que a crítica do Robério Paulino poderia ter sido menos superficial, porém nem de longe a considero demagoga como diz o artigo, que para mim é bem falacioso e oportunista até nas expressões usadas- será que é porque a “Carta Potiguar” tem relações aparentemente governistas? “Não sei, pode ser que sim, pode ser que não”. Não sou lá fã de grandes carnavais, talvez por isso me abstenha um tanto do “frisson” dele para criticá-lo não enquanto carnaval em si, pois é uma expressão cultural que sim, precisa ser valorizada como política pública, no entanto sabemos do quanto os contratos desses shows como acontecerá em Macau tem verbas desviadas, superfaturamentos e etc. Acredito que quem realmente curte carnaval, considerando gastos com investimento em uma estrutura de segurança para os foliões e para quem trabalha nesse período quer sejam ambulantes ou não e etc e com incentivo a bandinhas carnavalescas locais, apresentações com editais simples para direcionamento de verbas, enfim, os valores como esses estipulados pela prefeitura de Macau (Mais de 3 milhões) o que reduziria pela metade ou menos. É necessário se pensar numa terceira via, em formas alternativas de conduzir um carnaval levando em consideração a precariedade da nossa saúde pública e educação. É demagogo criticar mais de 5 milhões em virtude de decoração natalina como nesse ano enquanto o Walfredo Gurgel não tem sequer esparadapos? Ou enquanto como passou em um jornal de veiculação nacional (essa semana) uma idosa deitada num colchão no chão no corredor também do Walfredo porque nem maca havia? Na minha humilde opinião, demagogia é gastar excessivamente numa área em detrimento de outras sem supervalorizar ou desvalorizar a cultura, mas analisar prioridades, afinal, se pode economizar muito (eu disse economizar e não acabar com) realizando um carnaval do que nas outras áreas citadas. Por último, o artigo tinha tudo para ser bom, mas seguiu uma linha dissimulada e acrítica.

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