Rio Grande do Norte, sexta-feira, 26 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 14 de setembro de 2015

“Em briga de marido e mulher”… EU METO A COLHER SIM!

postado por Carta Potiguar

Por Lara Rossini

O ser humano não nasceu pra ser sozinho. Carregamos, em nossa genética herdada dos nossos ancestrais, a necessidade de formar família, casar e ter filhos. Na era pré-histórica já era comum que os hominídeos se juntassem em bando para se protegerem de possíveis ataques de animais selvagens, do frio e da fome. Era ritualístico sentar em frente a fogueira para fazer suas “refeições”. Neste período começou a se estabelecer e separar o papel e as atividades desempenhadas por homens e mulheres. Estes já procriavam e formavam famílias.

A fuga da solidão é algo que está imbuído intrinsecamente em nosso inconsciente. Na procura incansável e desenfreada para encontrarmos a nossa “metade da laranja”, corremos o risco de encontrar uma metade podre, mofada, passada do ponto ou, pior, de querer, desejar e aceitar a todo custo essa metade enferma – ainda que isso nos custe a nossa paz ou mesmo a nossa própria vida.

A paixão, o medo, a insegurança e a fragilidade podem nos levar, principalmente, a nós mulheres, a um caminho muitas vezes só de ida, sem volta e a nos submetermos a qualquer tipo de relacionamento, sejam eles abusivos, violentos e degradantes. Na vontade e pressa em sermos amadas, constituirmos uma família e de nos sentirmos aceitas e inseridas socialmente entregamos nossas vidas nas mãos daquele que pode ser nosso próprio assassino. Fechamos os olhos aos sinais de abuso, apanhamos caladas, ouvimos humilhações diariamente, somos estilhaçadas emocionalmente.

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Por paixão, por medo ou até por acreditarmos que o objeto do nosso amor poderá mudar um dia, nos submetemos a um cárcere emocional diário. Além de sermos servas, vítimas desses algozes, somos vítimas de nós mesmas, pela falta de coragem de romper a relação ou de denunciar o respectivo cônjuge agressor. Agressor não é somente aquele que deixa marcas físicas em nosso corpo, mas também aquele que nos agride veladamente, longe do olhar da sociedade, aquele que disfarçadamente destrói a nossa autoestima e desconstrói nossa autoimagem. Agressor é aquele que tira a vida da sua parceira, que lhe rouba o direito da escolha dela estar viva, porque este, simplesmente, não aceita que ela tenha deixado de amá-lo ou que tenha escolhido estar com outra pessoa.

O agressor também é aquele que se faz de vítima, quando na verdade ele é um grande e habilidoso manipulador. É o tipo de homem inteligente e sedutor, capaz de machucar e fazer com que sua parceira acredite que a culpa sempre é dela. Em outras palavras, além de apanhar ou de ser molestada psicologicamente, a mulher carrega a culpa do seu companheiro de maltratá-la. E os motivos são os mais toscos, variados e irrelevantes possíveis, desde a ir cinema com uma amiga ou cumprimentar um amigo do sexo masculino que não via há tempos.

Tudo beira a paranoia, a loucura a insensatez. O menor gesto de mulher, é capaz de despertar o monstro adormecido. No auge da crise eles prometem que vão mudar, se fazem de bonzinhos. A farsa dura até o próximo ataque. Muitas vezes, este homem vende uma imagem maravilhosa perante a sociedade, podendo fazer o tipo popular, simpático e calmo, surpreendendo a todos quando é “descoberto”. Não raramente, quando assistimos aos jornais e TV as pessoas se mostram altamente surpresas e incrédulas quando se deparam com a verdadeira face do agressor. É comum se ouvir nas entrevistas e depoimentos: “Nós nunca esperávamos isso de fulano, ele aparentava ser tão calmo. Era tão dócil, cumprimentava a todos na rua. Não sei o que pode ter acontecido que fez com que ele perdesse a cabeça assim. Nós lamentamos muitos. Estamos todos em estado de choque”.

Por comodidade fechamos os olhos para a violência doméstica. Por ser mais fácil e menos desgastante preferimos optar por nos abster ou não nos envolvermos diante dessas situações. Eu perdi uma amiga muito especial e sei que muita gente já perdeu ou vai perder outra amiga dessa maneira. O que mais me dói é que eu não consegui salvá-la dela mesma. Como tirar alguém da prisão que ela escolheu estar ou pelos seus próprios motivos não conseguiu sair?

Como ser humano e psicóloga, meu objetivo com este desabafo é alertar a todas nós, mulheres, do risco que estamos correndo a qualquer momento. Preciso chamar atenção para que nós aprendamos a nos defender e cuidarmos sozinhas. Ao menor sinal de comportamento suspeito abandonem essa relação, antes que se envolva ainda mais. Este é o meu grito de dor e foi a única maneira que encontrei de honrar a memória da minha amiga falecida.

Muita gente não vai ler isso ou vai ler e ignorar, mas, como amiga,  senti a necessidade de compartilhar com vocês e de lutar por um mundo justo, na qual as pessoas possam estar num relacionamento e não numa prisão. E é neste sentido que o título se faz necessário. Quando ignoramos uma situação, nos tornamos cúmplices de um crime; por isso, é para meter a colher sim.

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“Sei que meu trabalho é uma gota no oceano, mas sem ele, o oceano seria menor.”

(Madre Teresa de Calcutá)

Uma parte de mim morreu junto a você, Kênnia.

 

Carta Potiguar

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3 Responses

  1. Edmo disse:

    Parabéns pelo texto, Lara. O desabafo cheio de verdades.

  2. Helena disse:

    Lara, você já ouviu falar em guarda compartilhada de filhos? Tenho certeza. E quando o filho é um bebê? Pois é.Muitas vezes o que leva uma mulher a engolir um relacionamento falido é saber que se separando, ela vai TER QUE “dividir” os filhos. Mãe NENHUMA quer. Então a gente fica no relacionamento. Mas fica com os filhos.

  3. Lucia waquim disse:

    Poxa! Enfim vi alguém próximo, se manifestar de forma coerente, justa e indignada. Parabéns!

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