Rio Grande do Norte, sexta-feira, 26 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 23 de junho de 2016

O legado da Copa e as lágrimas de esguicho

postado por Rafael Morais

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Há exatos dois anos e cinco meses acontecia a inauguração da Arena das Dunas, a nossa Arena para a Copa do Mundo. Há aproximadamente um ano e três meses, eu escrevia que o legado da Copa não foi pensado para o futebol potiguar.

Argumentei. Busquei dados que comprovassem que a Arena das Dunas (hoje Marinho Chagas) foi superdimensionada para o tamanho do futebol local. Descobri o custo operacional em partidas de clubes locais. Comparei e notei que usar a Arena custa mais que o dobro que jogar no Frasqueirão. Levantei que 90% das partidas do América são deficitárias. Mostrei que o padrão Fifa não é sustentável na Terra do Elefante.

Mesmo assim, recebi críticas negativas, discordâncias e questionamentos dos mais diversos sobre meus argumentos. Certa vez, um amigo que, me perdoe se ele lembrar, não entende bulhufas de futebol, retrucou ao afirmar que a Arena foi construída para a Copa e não deve mesmo servir ao minúsculo futebol local. Que absurdo! Um estádio que não serve para o futebol.

Foram tantas opiniões contrárias que eu quase senti vergonha do que escrevi. Pensei até em perguntar ao mestre Cascudo. Diziam, os mais íntimos, que o velho era uma máquina de conhecimento. Quando havia alguma discussão sem fim ou alguma dúvida intermitente, bastava pergunta-lo que a resposta estaria na ponta da língua.

Mas nem foi necessário (nem haveria como, o velho já se foi há muito tempo), porque eis que surge o excelentíssimo Rodrigo Capelo, colunista da revista Época, um Cascudo da imprensa esportiva da nova geração, com dados claros e evidentes sobre a saúde financeira da nossa Arena das Dunas (ou d’A Bruxa, como preferir).

Pra ser direto e objetivo, Rodrigo levantou que a Arena das Dunas Marinho Chagas já acumula R$ 35 milhões em prejuízos desde a sua inauguração, antes da Copa do Mundo. Em 2014, o estádio teve prejuízo operacional de R$ 16 milhões. Em 2015, pior ainda, o déficit foi de R$ 19 milhões. As receitas da Arena, considerando eventos esportivos, shows, feiras, e tudo mais que ela comporta, no seu padrão inigualável exigido pela madastra Fifa, chegaram a R$ 6,9 milhões no ano passado, mas continuam muito abaixo das despesas, de R$ 23 milhões.

E olha que não estou nem questionando os custos que o empreendimento tem gerado, em tempos de crise política e econômica, para os cofres públicos (repasses mensais de R$ 12 milhões para o Consórcio Arena das Dunas). São tantas cifras tiradas da segurança, da educação e da saúde que me deixam até constrangido.

E tem mais. Capelo vai mais longe. O meu santo salvador, a voz superior, diz que com os dois principais times locais, ABC e América, na terceira divisão, a Arena das Dunas depende de excursões de clubes da elite para conseguir receita. Inclusive, a maior renda, até hoje, saiu do jogo entre Flamengo e Avaí, em 2015. A Arena faturou R$ 439 mil da receita bruta de R$ 1,6 milhão.

Domingo tem Flamengo e Fluminense em Natal e a Arena espera superar a renda obtida no ano passado, porque, acima de qualquer paixão por clubes locais, eles precisam tornar o estádio sustentável. Porque é preciso pensar na saúde financeira do empreendimento. Porque nenhum negócio pode ser a vaca de leite do reino dando seguidos prejuízos.

Infelizmente, os números provam que construir uma arena padrão Fifa em Natal não foi nada vantajoso para o futebol potiguar. O América, infeliz, não tem sequer outra alternativa. Tem aceitar a realidade e bancar os prejuízos para “jogar em casa”.

Mais uma vez, e dessa vez com mais convicção ainda, graças a Rodrigo Capelo, digo que o legado da Copa não foi pensado para o futebol potiguar. E mais, devíamos sim, parafraseando Nelson Rodrigues, chorar lágrimas de esguicho. Essa Arena nem devia ter sido erguida. Não temos, definitivamente, como bancar tamanha insanidade.

Rafael Morais

Comunicador Social pela UFRN. Experiência em assessoria de imprensa esportiva e atuação em televisão. Áreas de interesse: literatura e esportes em geral, com ênfase no futebol como a "teatrialização das relações humanas".

2 Responses

  1. Matheus de Sousa disse:

    Depois de todas as denúncias envolvendo empreiteiras na lava-jato, fico imaginando que a arena não é deficitária. Acredito que esses valores estavam embutidos no valor da construção. O estado é que está pagando as parcelas desse prejuízo embutido (previsto?).

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