Rio Grande do Norte, sexta-feira, 26 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 24 de maio de 2017

Agora foi Reinaldo Azevedo, mas o próximo pode ser você.

postado por Leonardo Dantas

Por Patrício Jr.

Não há nada a se comemorar na derrocada do blogueiro da Veja. Pelo contrário.

A quebra do sigilo da fonte é algo muito grave (muito mesmo, vocês não fazem ideia do quanto). Tão grave que é um instrumento típico de estados totalitários. A História nos mostra que o roteiro das ditaduras seguem sempre o mesmo plot twist: uma hora a imprensa será amordaçada por um bem maior e abstrato que só o Estado compreende. O fato de essa aberração ter acontecido com Reinaldo Azevedo (figura da qual não compartilho nenhuma concordância, nenhuma simpatia e nenhum afeto intelectual) não torna a ação louvável. É um erro achar que sim.

Em conversa interceptada pela Polícia Federal, o jornalista Reinaldo Azevedo dialoga com Andrea Neves, irmã do senador afastado Aécio Neves (PSDB), e classifica uma reportagem da revista Veja, onde trabalha, como “nojenta”. (Foto: Reprodução)

É execrável que um jornalista seja exposto dessa maneira (no exercício de sua profissão, sem cometer crime algum, apenas como uma espécie de retaliação através do constrangimento). O mesmo aconteceu com o blogueiro Eduardo Guimarães quando Sérgio Moro fez uma devassa em seus arquivos e acabou por revelar a fonte do seu furo jornalístico sobre a condução coercitiva de Lula — tudo isso sem que nenhum crime tenha sido cometido pelo blogueiro. Lembra?

Acesse a matéria da Carta Capital aqui. (Foto: Reprodução)

É detestável porque é um cerceamento da liberdade de expressão — e o direito ao sigilo da fonte vale para todos os jornalistas, de esquerda, de direita, de centro, insentões, enfim, TODOS; é um direito constitucional que tem por objetivo proteger os jornalistas de retaliações e manter a liberdade de expressão e de imprensa. Sem essas liberdades asseguradas, todo o resto vem a reboque: censura, policiamento ideológico, prisões políticas (e tudo aquilo que muitos julgam já escondido nos escombros da História, mas eu enxergo vivo e cheio de fome, pronto para o ataque final).

A historia é cíclica. Tragicamente cíclica.

É desesperador perceber que seguimos mais uma vez o mesmo roteiro do Golpe de 1964: a imprensa que apoia a quebra da ordem constitucional acaba por ser atingida na cabeça tão logo garante o poder aos golpistas.

Em 1964, grande parte da imprensa chamou o golpe militar de revolução e apoiou incondicionalmente as “reformas”. Tão logo os militares se viram erigidos a salvadores da pátria, com todo o poder concentrado em suas mãos, chegou a hora de calar seus críticos: um acossamento aqui, uma perseguição ali, um soco num jornalista mais adiante, e tudo culminou no AI5 — um instrumento legal que fechou o Congresso, dissolveu os partidos, instaurou a censura, cassou direitos políticos dos desafetos dos generais e foi o respaldo jurídico para que atrocidades assustadoras fossem cometidas.

No lide da matéria acima: A disposição de São Paulo e dos brasileiros de todos os recantos da pátria para defender a Constituição e os princípios democráticos, dentro do mesmo espírito que ditou a revolução de 1932, originou ontem o maior movimento cívico já observado em nosso Estado: a “Marcha da Família com Deus, pela Liberdade”.

Não é uma questão de Direita x Esquerda

Não concordo com as ideias de Reinaldo Azevedo, mas ele tem o direito constitucional de reportar as informações que reporta — e se desagrada a um ou outro, que acionem a lei contra ele, e não um recurso nefasto como esse.

Se por ventura Reinaldo Azevedo cometeu algum crime ainda não divulgado, que a PGR traga à tona para justificar o vazamento de sua ligação com Andrea Neves. Do contrário, a ação é somente uma gravíssima quebra de direito que pode ter repercussões realmente desastrosas para todo o país.

Como demonstrei aqui, é a segunda vez que um episódio dessa gravidade acontece em 2017. O imbróglio entre Moro e Eduardo Guimarães aconteceu em março desse ano. Menos de três meses depois temos outro ótimo exemplo do rumo que as coisas estão tomando.

Se você tiver um tempinho assista ao documentário O dia que durou 21 anos, do diretor Camilo Tavares. Você vai ver como é impressionante a repetição do roteiro que conduz à derrocada da nossa liberdade. Tá tudo lá: grande escândalo de corrupção envolve quase todo o Congresso, presidente se insurge contra bandidos e é deposto, Congresso se alia com forças escusas para garantir que as investigações parem, imprensa endossa esse grande acordo (“com Supremo, com tudo”), militares chegam ao poder. O resto da história você conhece, né? Assim espero.

Não estou nem um pouco feliz com o que está acontecendo ao Reinaldo Azevedo. Acima das minhas posições políticas reside o meu bom senso.

É óbvio que tudo começou com o impeachment sem crime comprovado de Dilma (tiraram uma presidenta do poder sem nenhuma base legal para tanto — não tinha como o país ficar normal depois disso).

É óbvio que a tentativa de demonizar Lula fez dos vazamentos um instrumento contumaz para destruir reputações (a sanha em divulgar trechos de delações que incriminassem, ainda que sem provas, os desafetos da imprensa é uma lâmina de dois gumes).

É óbvio que Reinaldo Azevedo está provando do próprio veneno e que uma pontinha de sentimento de revanche nos pinga à boca — nós, os que discordamos dele.

Mas não ceguemos. Esse veneno do qual muitos se regozijam ao ter atingido o blogueiro da Veja também é mortal para nós. Todos nós.

 

Patrício Jr é escritor, jornalista, publicitário. Autor dos romances “Lítio” e “Absoluta Urgência do Agora” e da coletânea de contos “A Cega Natureza do Amor”, publicados pela Editora Jovens Escribas. Escreve no patriciojr.com.br.

 

Leonardo Dantas

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