Rio Grande do Norte, quinta-feira, 02 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 27 de abril de 2010

Contra o Império da Felicidade: ou sobre o direito ao mau humor

postado por David Rêgo

Pessoas que são felizes o tempo inteiro me irritam. Não consigo conceber que alguém seja feliz o tempo todo. Aliás, até concebo, mas apenas idiotas e loucos. O fato é que as pessoas deveriam respeitar mais os dias de mau humor. É muito simples, é só não falar e se for falar ser objetivo. Ok, existem pessoas que vivem eternamente em dias de cão. São aqueles que comumente apelidamos carinhosamente de megera, bruxa,mau comida, insuportável, idiota ou brocha. Definitivamente os extremos são insuportáveis (os que estão o dia todo e todos os dias sorrindo ou os que estão o dia todo todos os dias com raiva). Greta Garbo (a da foto) tinha razão na sua clássica frase “i want to be alone”. Ok, não para a vida toda como ela queria, mas as vezes faz bem.
Tem dias que prefiro dar uma volta ao quarteirão à trombar com um conhecido e dizer “oi”.
Não só isso, pessoas carentes nesses dias então são insuportáveis (nesses dias em especial mais do que o normal). Nada pior do que você ter o azar de ter que passar ao lado do conhecido e dizer “oi” e ter a infelicidade de emendar com “oi, tudo bem?”. As vezes eu não acredito, mas o camarada vai e diz: Rapaz, pior que tá não viu, to cheio de problema e trá lá lá etc.
Ah, que que isso doido! Não te ensinaram na escola não é? O nome disso é “função fática da linguagem”, a função dela é de prolongar ou não o contato com o receptor. Não destaquei o “ou não” à toa. Eu não to nem ai se você está bem e também não estou nem um pouco a fim de saber dos seus problemas, disse “oi tudo bem” só pra dizer que lhe vi (nessas horas fico me perguntando: por que cargas d’água não dei a volta ao quarteirão…) e ponto final, é uma forma de mostrar-se educado, não se trata querer saber de você naquele momento. Tudo bem, tá legal, eu até me importo, vou pensar no que você me disse e realmente vou ficar triste por você, mas acredite, eu não vou ter nada a lhe dizer, vou ficar calado só esperando a oportunidade pra dizer: ei, mal ai mas to super atrasado, flw!.
O pior são os cochichos no trabalho ou seja onde for: “Ele não acordou bem” ou então “O que você tem hoje?”. Não, eu não acordei mal, pelo contrário, acordei ótimo, maravilhoso, um must, apenas quero permanecer calado. Permanecer calado é um sintoma de não estar bem? É, como tem muita gente que não agüenta 10 segundos com a matraca fechada, permanecer calado (para estas pessoas) por horas só pode representar algum tipo de problema. Daí sempre vem a pergunta cretina: O que aconteceu pra você ter acordado assim?
As pessoas deveriam poder ter o livre direito de acordar com mau humor sem serem importunadas por isso (percebem que isso só aumenta o mau humor? Os mau humorados, no fim, só querem ficar sozinhos e calados por algumas horas) Quando acordo de bom humor não tenho motivo para acordar assim, apenas acordo e pronto. O mesmo ocorre com o mau humor, tem dias que você simplesmente acorda sem querer conversar, melhor seria se as pessoas respeitassem também esse estado de espírito. As pessoas sempre respeitam os bem humorados. Quando você está de bom humor isso é visível e todos lhe dão bom dia, é uma forma de respeito pois fazem a leitura de suas fisionomias e correspondem à altura. É uma maravilha. Assim sendo, ô meu senhor, o que é que custa, ao perceber que o camarada tá de mau humor, não dar bom dia pra ele e simplesmente passar direto? Tenha certeza, o mau humorado não lhe achará mau educado como também irá adorar sua atitude de respeito com o seu estado de espírito. O império da felicidade tem que acabar. As pessoas devem ter direito ao mau humor sem serem importunadas por isso.

David Rêgo

Sociólogo, antropólogo e cientista político (UFRN). Professor do ensino médio e superior. Áreas de interesse: Artes marciais, política, movimentos sociais, quadrinhos e tecnologia.

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