Rio Grande do Norte, terça-feira, 30 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 7 de março de 2012

Ameaça à Psicologia laica

postado por Tecelão

Da Teia Neuronial – O Conselho Federal de Psicologia proíbe os psicólogos de emitir opiniões ou tratar a homossexualidade como transtorno. Mas o deputado João Campos (PSDB-GO) apresentou um projeto legislativo que visa a permitir que psicólogos tentem curar a homossexualidade dos pacientes que assim desejarem. O Conselho criticou esse projeto, lembrando que suas normas éticas procuram combater a intolerância.

Essa questão veio à tona motivada pela recente polêmica protagonizada pela “psicóloga cristã” Marisa Lobo, que usava sua profissão para aplicar conceitos religiosos contrários à perspectiva hegemônica na ciência Psicologia, tentando curar homossexuais de sua “doença” e contrariando a ética do Conselho Federal de Psicologia.

Que a homossexualidade não é doença existe um relativo consenso nas áreas da Saúde, especialmente aquelas ligadas à mente, como a Psicologia e a Psicanálise. Desde 1990 a Organização Mundial da Saúde (OMS) não considera mais a homossexualidade uma patologia.

Assim, o que ainda motiva a classificação desse comportamento sob o rótulo de “doença”? Certamente não é nenhuma teoria científica biológica ou psicológica, mas um valor tradicional ligado às noções culturais de masculinidade e feminilidade ideais e, em especial, a ideia bíblica de que a homossexualidade é um pecado, ou seja, um comportamento mau que deve ser corrigido sob pena da punição divina. Quando se transpõe essa ideia para uma terapia psicológica, ela se traduz como “uma doença que deve ser curada”.

É preciso cuidado nessa questão ao levantar o problema da liberdade religiosa. Um homossexual evangélico adulto tem plena liberdade de buscar em sua religião, com ajuda da sua igreja e seus pastores, uma “correção” ou “cura” (espiritual) para assumir comportamento condizente com os preceitos cristãos (não estou dizendo que vá conseguir virar hétero, nem acho que seja fácil). Mas ele não vai encontrar esse tipo de abordagem na Psicologia (ao menos na psicologia feita com responsabilidade ética).

Se um homossexual busca um psicólogo, é papel deste buscar a origem da aflição do paciente, e ela não está no mero fato de a pessoa gostar de parceiros sexuais do mesmo sexo ou no sentimento de inadequação ao próprio sexo. O problema é social, está na discriminação sofrida por aqueles que se desviam da norma aceita, o que leva à dificuldade de autoaceitação.

Qualquer medida que vise ao fim do sofrimento das pessoas com sexualidade “desviante” deve buscar promover a erradicação da ignorância sobre a sexualidade humana, o fim da discriminação e a substituição da desigualdade pela assunção da diferença e da diversidade.

O projeto do deputado Campos faz parte de  uma constante tentativa de políticos ligados ao Cristianismo para introduzir no Estado laico brasileiro os valores de uma parcela da população que não representa a diversidade dos brasileiros. A própria ideia de uma “Frente Parlamentar Evangélica”, da qual Campos é o líder, já é uma afronta à laicidade, pois fortalece um grupo que confunde valores religiosos adstritos à esfera individual com valores democráticos que dizem respeito ao conjunto de cidadãos brasileiros.

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Tecelão

Pseudoufólogo e temporariamente terráqueo. Escreve sobre racismo, gênero e sexualidade e outras questões antropológicas ligadas à Ficção Científica. Autor do blog Teia Neuronial.

2 Responses

  1. Pedro Andrade disse:

    Excelente texto Thiago.

    Enriqueceu mais ainda o debate sobre a temática.
    Estarei divulgando o texto.
    Abração.

  2. Franco Vítor disse:

    Liberdade religiosa é abusada e se torna intolerância. É só.

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