Rio Grande do Norte, domingo, 28 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 16 de março de 2012

O Artista

Vencedor das três principais categorias do Oscar de melhor filme, diretor e ator, O Artista é um filme francês praticamente mudo que faz referência ao cinema hollywoodiano no momento do surgimento do cinema sonoro.

postado por Mario Rasec

Inspirado na história real de John Gilbert e Greta Garbo, O Artista é um filme francês sobre a transição do cinema mudo para o falado na Hollywood do fim dos anos 20, início dos anos 30. Mostrando um ator que, assim como John Gilbert, não se adapta a essa mudança, entrando, então, em decadência.

Desde a primeira cena o filme faz referência a si mesmo. Nessa cena, por exemplo, vemos o orgulhoso George Valenti (Jean Dujardin) interpretando um personagem que, sendo torturado para falar, tem sua recusa estampada nos típicos letreiros do cinema mudo: “Eu não vou falar!”, repete a legenda. Então nos deparamos com uma sala de cinema da época, com direito a orquestra no fosso do palco. Tal cena remete à própria recusa do protagonista diante do surgimento do cinema sonoro. Tecnologia esta que se torna uma verdadeira ameaça para muitos dos grandes atores do cinema mudo.

O filme é cheio de alusões ao próprio cinema mudo, como letreiros dentro do próprio plano fazendo referência ao estado emocional dos personagens ‒ como a apresentação de um cartaz ao fundo escrito “Lonely Star” enquanto o protagonista, em primeiro plano, caminha solitário e desconsolado na rua, e o uso de uma onomatopeia que se mostra criativa e bem apropriada em outra cena fortemente dramática.

O ritmo faz com que o filme não se torne cansativo, dada a ausência de som, coisa que o público atual não está mais habituado. O que prova que ser mudo não torna o filme sem apelo na atualidade. O que faz a diferença é apenas o ritmo, que mudou ao longo do tempo e, principalmente, o estilo clássico norte-americano de contar uma estória, numa narrativa de fácil assimilação ao grande público. Por isso, mesmo sendo um filme francês, ele resgata todos os aspectos do típico cinema clássico estadunidense.

A atuação de Jean Dujardin faz um George Valenti versátil, que vai de um contentamento quase constante manifestado em expressões faciais estilizadas e numa desenvoltura corporal beirando ao exagero, a um homem que perdeu a fé no mundo e em si mesmo. Mas este suposto exagero é uma característica comum aos atores do cinema mudo que, com a ausência da fala, tinham que acentuar suas expressões faciais e corporais em cena. Por isso, é interessante ver Dujardin desconstruir seu personagem ao ponto de se tornar mais humano em detrimento a uma caricatura do famoso ator Rodolfo Valentino (o que provavelmente não é uma mera coincidência como revela o nome) como parecia ser no início do filme. E, quanto à clareza das emoções do protagonista, a direção de Michel Hazanavicius ajuda bastante. Como, por exemplo, na cena em que vemos a sombra de Valenti projetada na tela em que ele exibia um dos seus filmes, numa mostra de que, naquele momento, toda sua glória como astro do cinema mudo havia se tornado uma mera sombra que assume “vida” própria (como numa alusão ao cinema expressionista).

Bérénice Bejo completa o par romântico na pele da extrovertida Peppy Miller e se mostra eficaz nesta personagem. Mostrando o caminho inverso do protagonista, ela vai de simples fã a uma atriz bem sucedida no recém-surgido cinema sonoro. Sua atuação se mostra segura ao desenvolver as nuances da mudança de atitude que surgem sob a influência do ascendente sucesso, mas sem perder de vista a essência da personagem e seu carinho por Valenti. É bastante provável que a “pinta” que Valenti desenha no rosto dela, e que faz toda a diferença no show business, seja uma alusão à Marylin Monroe.

O Artista é ousado não só pela escolha de ser um filme mudo (ao menos na maior parte do tempo) em tempos de cinema 3D, mas como uma certa denúncia do glamour da indústria cinematográfica americana preso à cobiça dos produtores e ao interesse efêmero do público e do culto às “estrelas”. Por isso, de certa forma, a aparente ingenuidade da trama serve como pretexto para sua proposta de ser uma metalinguagem do próprio cinema. Não é à toa que a referência ao ator John Gilbert se mostra pertinente também no alcoolismo a que se entrega Valenti e no seu atrito com o chefe do estúdio, como aconteceu com John Gilbert em relação a Louis B. Mayer, chefe da Metro-Goldwyn-Mayer na época.

Entretanto, não poderia deixar de destacar dois detalhes que, por si só, valeriam o ingresso: o sonho (ou pesadelo) de Valenti e o cachorro que faz um show à parte ao roubar para si certas cenas.

The Artist (França / Bélgica , 2011 – 100 minutos)

Direção e roteiro: Michel Hazanavicius

Elenco: Jean Dujardin, Bérénice Bejo, John Goodman, James Cromwell, Penelope Ann Miller

Mario Rasec

Designer gráfico, artista visual, ilustrador e roteirista de HQs. Autor de Os Black (quadrinho de humor) e de outras publicações.

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