Rio Grande do Norte, segunda-feira, 29 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 3 de junho de 2012

Criminalidade e Ações Policiais

postado por Ivenio Hermes
Equívoco no Endurecimento Ações de Segurança e nas Leis

1       Natureza da Conduta Desviante

A conduta desviante vem sendo analisada sob diferentes aspectos e são questionáveis os momentos da história em que houve uma diminuição desse comportamento em face de ações contundentes adotadas pelas políticas de segurança pública ou devido a sanções mais severas e penalidades mais duras.

É da natureza humana se rebelar contra tudo aquilo que é considera abusivo, que impõe padrões de conduta sob o fio do chicote ou sob a força da palmatória. Nem as religiões têm escapado da evasão dos bancos de seus templos ou da transgressão dos dogmas estabelecidos quando estes são tão duros que são quase insuportáveis.

2       Evolução Manifestada

Algumas leis importantes estão fora de sincronia com nossa realidade ou pior, conflitando com os anseios da sociedade. Tiago Abud da Fonseca em seu livro “Interceptação Telefônica: A Devassa em Nome da Lei” (Editora Espaço Jurídico) descreve como os modelos socioeconômicos Português, Italiano, Alemão e Espanhol diverge de acordo com o tratamento social dado a essa ou àquela legislação.

No Brasil não poderia ser diferente. A chance da impunidade motivada pela possibilidade de recompensa leva o criminoso a ser cada vez mais audacioso, pois não percebe com seu senso moral próprio a possibilidade de punição. E isso é visto tanto em pequenas ações criminais, quanto nas mais elaboradas, incluindo os crimes cometidos contra os cofres públicos.

Ao contrário do que algumas pessoas esperam, até mesmo de jovens delinquentes têm sua inclinação para o cometimento do crime incentivada, pois dentro da perspectiva da chance de recompensa ou da obtenção de lucro, a motivação maior advém da pequena possibilidade de uma possível punição, mesmo diante do risco de perderem suas vidas em um conflito ou embate com as forças da lei.

Em contraste, existem leis brandas demais para os jovens infratores de idade inferior a dezoito anos. Na ampla defesa do contraditório há uma ferramenta de quase anulação de penalidades, não que precisemos de um Estado Ditatorial, mas se há severidade também deveria haver igualdade. Respeitando-se a imputação de penas para os mais diversos crimes, desde um “simples” crime de trânsito, até ao crime de furtar do erário público.

 Para evoluir de forma correta, nossa sociedade quando deseja, busca soluções pautadas no respeito à dignidade da pessoa humana, aos direitos humanos e humanitários, nunca se apoiando no desrespeito, ainda mais se ele for direcionado para pequenas minorias.

Falando nas minorias, é nesse grupo que a explicação equivocada para a conduta desviante recebe suporte e força motriz necessária para alavancar políticas desnecessárias e mal fundamentadas no trato com a segurança pública, como será exemplificado a seguir.

3       Endurecimento de Ações de Segurança

Um clássico exemplo de exacerbação das políticas de segurança pública é O Movimento Lei e Ordem e Tolerância Zero, que não trouxeram novidades para o teatro de operações da humanidade. A adoção de políticas de penas rígidas ou de ações rigorosas do Estado para qualquer crime já foi tentada contra os cristãos, na idade média, na inquisição, na caça às bruxas…

Todas essas tentativas só resultaram no fortalecimento das práticas combatidas e em mais “condutas desviantes”. Houve um aumento de pessoas presas e assassinadas, maior número de membros das classes inocentes torturados e desaparecidos, mais minorias ou pessoas sem condições maiores de subsistência sendo massacradas… E tudo em nome da ordem pública.

O programa fazedor de milagres na segurança pública do Sr. Rudolph Giuliani foi apenas um barquinho que chegou vitorioso à praia porque a maré estava favorável. A prova disso está nas pesquisas que apontam outras políticas obtendo melhores resultados, como a do policiamento comunitário, que difere da Tolerância Zero, pois aproxima o agente de segurança pública de seu público alvo, levando-o a interagir com a comunidade em busca de melhores soluções.

Ainda dentro dos EUA já havia um movimento de baixa nos índices de criminalidade, como o estudo do criminologista Alfred Blumstain já demonstrava com a taxa de homicídios caindo 76,4% em San Diego e 70,6% em Nova York, sendo que em San Diego foi adotado o policiamento comunitário e o índice de 69, 3% em Boston com base numa ação envolvendo os líderes religiosos.

O Sr. Giuliani somente aproveitou os índices de criminalidade que já vinham decaindo há três anos antes de ele assumir a prefeitura de New York, usando isso a favor de sua mal orientada política que com o auxílio da mídia simulou um grande sucesso.

 No Brasil não há muita diferença. Os programas de pacificação no Rio de Janeiro mascaram a violência e maquiam a cidade maravilhosa para “inglês ver”.

Grandes operações de fundo midiático são promovidas e grandes somas de dinheiro público são gastas em nome de uma ação policial de não acaba com o crime organizado e nem com o desorganizado no Estado. O que há de concreto é a tentativa de desviar do olhar do povo e do mundo para longe do perigo.

Aliás, a mídia descomprometida com a verdade é perita em programas que desviam a atenção da realidade brasileira. Vemos crimes como o roubo das fotos de uma atriz (não que ela não merecesse a devida repercussão) recebendo mais importância que o desvio milionário de verbas públicas que foram esbanjadas em passeios e gastos pessoais dos criminosos e seus asseclas no Brasil e no exterior.

Enquanto o povo se deleita com alguns bandidos presos e comunidades ocupadas pela polícia, os criminosos que saíram das regiões pacificadas agora agem com certa tranquilidade em outras áreas menos evidentes como Niterói, São Gonçalo e na Região dos Lagos como São Pedro D’Aldeia, Arraial do Cabo e Cabo Frio.

O centro da capital do Rio sofre com a falta de policiamento. Não se pode mais frequentar atividades culturais e turísticas no Centro sem estar sob o grande risco de ter uma faca no pescoço ou uma arma na cabeça… Longe da proteção policial.

O Rio de Janeiro está muito distante de ser a cidade ideal para sediar grandes eventos e mais uma vez está demonstrado que o endurecimento de ações policiais não é a solução para o mundo e nem para o Brasil.

4       Análise Final

A história nos ensina através de vários exemplos que endurecer ações policiais e adoção de políticas de segurança severas, da criação de penas rígidas (como as pretendidas para viger durante a Copa de 2014) nunca foram premissa para a diminuição de condutas criminosas ou comportamentos desviantes. A ação redutora de índices baseada no medo e na coação geralmente suscita comportamento revoltantes.

Não há como crer que no Brasil o endurecimento das leis e/ou das ações de policiamento possa contribuir para a diminuição dos índices de criminalidade. Toda a ação nessa linha só vislumbra a geração de maior estigmatização das classes menos privilegiadas e socioeconomicamente vulneráveis, aumentando o número de encarcerados pobres nas instalações penitenciárias.

O papel da gestão de segurança pública é gerar o sentimento de paz e tranquilidade na sociedade através de sua ação de proteger e servir. Ações exageradas e de cunho midiático não fazem isso, pois apenas estabelecem uma falsa paz para um povo que deseja igualdade de tratamento para com as minorias e que somente anseia por soluções que sejam fundamentadas em assegurar os direitos fundamentais dos seres humanos.

 

BIBLIOGRAFIA:

BELLI, Benoni. Tolerância Zero e Democracia no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2004.

BENGOCHEA, Jorge Luiz Paz et al. A transição de uma polícia de controle para uma polícia cidadã. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 1, n. 18, 2004.

COSTA, Naldson Ramos. Violência Policial, Segurança Pública e Práticas Civilizatórias no Mato Grosso. 2004. 359 f. Tese (Doutorado) – Curso de Sociologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004.

FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razon: Teoria del Garantismo Penal. Madrid: Trotta, 1998.

FERREIRA, Allan Hahneman. “Tolerância Zero” e “Lei e Ordem”:: Os “Ditos” e os “Interditos” no Poder Punitivo A Devassa em Nome da Lei. Fortaleza: Trabalho Publicado Nos Anais do Xix Encontro Nacional do Conpedi Realizado em Fortaleza, 2008.

FONSECA, Tiago Abud da. Interccptação Telefônica: A Devassa em Nome da Lei. Rio de Janeiro: Editora Espaço Jurídico, 2008.

 


Ivenio Hermes

Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Integrante do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial. Facebook | Twitter | E-mail: falecom@iveniohermes.com | Mais textos deste autor

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