Rio Grande do Norte, quinta-feira, 16 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 2 de julho de 2012

A ONU Versus Polícia Militar Brasileira

postado por Ivenio Hermes

Países da ONU recomendam fim da Polícia Militar no Brasil

 

1 Temas atuais

Corrupção e impunidade infelizmente ainda são temas atuais nas abordagens internacionais sobre o Brasil e a sociedade brasileira ainda vive e sofre sobre o pesar desse estigma.

Entre 19 e 30 de setembro de 2011, o Subcomitê de Prevenção à Tortura (SPT) realizou visita ao Brasil buscando identificar problemas, sugerir diagnóstico e soluções através da elaboração de um relatório sobre esse problema tão atual.

Dentre as importantes manifestações do SPT, no parágrafo 52 diz que:

“A impunidade por atos de tortura está disseminada e se evidencia pelo fracasso generalizado em levar-se os criminosos à justiça, bem como pela persistência de uma cultura que aceita os abusos cometidos pelos funcionários públicos.”

Em outra ocasião, em 30 de maio de 2012, o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, aprovaram como parte do relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho sobre o Exame Periódico Universal (EPU) do Brasil, uma avaliação à qual se submetem todos os países, na qual recomendaram o fim da Polícia Militar no Brasil.

Com este texto introdutório será iniciada uma série cujo objetivo será analisar o Relatório do Subcomitê de Prevenção à Tortura (SPT), passando por várias esferas que tangenciam a atuação da segurança pública nacional, buscando mostrar as denúncias do documento contra as polícias e entidades carcerárias brasileiras.

2 Polícia Militar

2.1 Breve Histórico

Internacionalmente, o termo polícia militar (PM) é utilizado para designar uma entidade que exerce o poder de polícia no âmbito interno das forças armadas. Sua ação é limitada às instalações e aos membros das forças armadas e ela tem como premissa garantir a segurança, a ordem e a lei dentro da corporação militar.

No Brasil, as Polícias Militares têm sua origem nas Forças Policiais, criadas quando o Brasil era Império tendo como corporação mais antiga a do Rio de Janeiro, criada em 13 de Maio de 1809 por Dom João VI, Rei de Portugal, e denominada “Guarda Real de Polícia”.

Quando o Império passou a ser dirigido por regentes devido D. Pedro II ser menor de idade, houve uma série de movimentos revolucionários e considerados “perigosos” para a estabilidade Imperial e para a manutenção da ordem pública.

Foi baseado nesse temor pela ordem e pelo Império que o então ministro da Justiça, padre Antônio Diogo Feijó, surgiu com a ideia de criar o Corpo de Guardas do Rio de Janeiro (que era a capital). E em 10 de outubro de 1831 um decreto regencial criou a Guarda permitindo que outras províncias brasileiras também adotassem o modelo que logo tomou corpo a partir de 1831.

Foi somente com a Constituição Federal de 1946, as Corporações dos Estados (as antigas guardas) passaram a ser chamadas de Polícia Militar, com exceção do Estado do Rio Grande do Sul que preferiu manter o nome de Brigada Militar até hoje.

2.2 Militarização Policial

Sempre muito combatido por analistas policiais, o modelo policial militarizado parece ser um vilão, entretanto, é um modelo utilizado por dezenas de países e que vem obtendo um sucesso histórico.

Equipes de operações especiais, de operações antibomba, contraterrorismo, operações de controle de distúrbios e diversas outras, mesmo dentro de instituições não militares, adotam o modelo estrutural marcial para estabelecer uma melhor cadeia de comando o mais alto nível com capacidade decisória e seus níveis de execução.

Nas academias de polícia que operam cursos em regime de internato e com alto nível de resposta de seus alunos, adotam o modelo militarizado como meio de organizar as atividades e obter de seus alunos um maior aproveitamento inclusive na capacidade individual de auto-superação.

Os EUA utilizam a estrutura militar em seus grupos especiais e em suas polícias estaduais, onde um agente pode iniciar a carreira como policial uniformizado e depois passar a atuar em áreas cujo uso do uniforme (símbolo equivocado de militarização) não seja necessário ou até sem propósito.

A militarização policial nada tem a ver com a utilização do poder de polícia pelo Estado para ações desrespeitosas aos seus cidadãos. Na historia policial brasileira não foi somente a polícia militar que foi usada desta forma, as próprias forças armadas, polícias civis e federais foram usadas como massa de manobra para executar mandos e desmandos de um governo ditatorial.

É um equívoco culpar a Polícia Militar pelo histórico de tortura e de impunidade que é apontado ao Brasil.

2.3 A Solicitação dos Países da ONU

Em maio deste ano foram aprovadas 170 recomendações que os membros do Conselho de Direitos Humanos. Elas fazem parte do relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho sobre o Exame Periódico Universal (EPU) do Brasil, uma avaliação à qual se submetem todos os países. Contudo, nenhuma delas causou mais impacto do que a que gerou manchetes no Brasil e no mundo:

O Conselho de Direitos Humanos da ONU pediu nesta quarta-feira ao Brasil maiores esforços para combater a atividade dos “esquadrões da morte” e que trabalhe para suprimir a Polícia Militar, acusada de assassinatos.

Dentre as mais notórias recomendações destaca-se a da Dinamarca que sugeriu a supressão da PM, pedindo a abolição do “sistema separado de Polícia Militar, aplicando medidas mais eficazes (…) para reduzir a incidência de execuções extrajudiciais”. A solicitação dinamarquesa reacende o debate sobre a unificação das polícias brasileira como forma de criar um sistema mais transparente de organização e estrutura policial.

Mas apesar da Polícia Militar ter ficado no centro das críticas, o relatório evidenciou que todos os crimes cometidos por agentes da ordem sejam investigados de maneira independente e que se combata a impunidade dos crimes cometidos contra juízes e ativistas de direitos humanos.

E finalmente, o que pareceu ser de senso comum entre muitas das delegações participantes do exame, que deve haver uma melhoria das condições penitenciárias, principalmente nas carceragens femininas, onde as mulheres ainda são vítimas de novos inquilinas do sistema penal. Inclusive recomendaram uma reforma para reduzir a superlotação e melhorar as condições das pessoas privadas de liberdade.

2.4 Recomendações Pontuais

Outros países também se manifestaram contra a estrutura brasileira sugerindo que ela seria responsável pela manutenção de crimes de tortura, extermínio, cárcere desumano e outros.

  • Coreia do Sul: direcionou seu argumento contra os “esquadrões da morte”, numa verbalização clara contra os crimes cometidos por policiais militares;
  • Austrália: demonstrando não conhecer o que está acontecendo realmente no Rio de Janeiro, sugeriu a aplicação de programas similares aos da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) criada no Rio de Janeiro;
  • Espanha: apresentou uma das solicitações mais coerentes, uma revisão dos programas de formação em direitos humanos para as forças de segurança. Com uma ênfase no uso da força de acordo com os critérios de necessidade e de proporcionalidade, com vistas a uma disciplina interior e ao fim às execuções extrajudiciais;
  • França: demanda garantias para que “a Comissão da Verdade criada em novembro de 2011 seja provida dos recursos necessários para reconhecer o direito das vítimas à justiça”;
  • Paraguai: recomendou ao país “seguir trabalhando no fortalecimento do processo de busca da verdade”;
  • Argentina: pediu que houvesse novos “esforços para garantir o direito à verdade às vítimas de graves violações dos direitos humanos e a suas famílias”;
  • Canadá: único país a se preocupar com a problemática da reestruturação urbana visando à Copa do Mundo de 2014 e aos Jogos Olímpicos de 2016 pediu ações e políticas públicas que objetivem evitar deslocamentos e despejos.

3 Considerações

O relatório da visita dos países da comissão de direitos humanos não reúne dados suficientes para solicitar do Brasil o fim de uma instituição policial com uma história de serviços prestados a sociedade brasileira. No máximo, ela pode e deve incentivar a reabertura de um debate amplo envolvendo segmentos da sociedade e da segurança pública sobre a estrutura das policias brasileiras, tendo em vista, que no Brasil nenhuma entidade policial realiza o ciclo completo da atividade policial.

O aumento da ação violenta por parte das polícias militares também se deve à falta de uma corregedoria independente, de um sistema de treinamento contínuo voltado para assegurar os direitos humanos, e uma série de outras ações profiláticas a serem tomadas antes de uma atitude severa demais com a extinção de uma entidade policial tão antiga.

Nosso paradigma de polícia e de segurança pública apresenta fortes evidências de seu fracasso. A polícia ostensiva não consegue impedir que crimes costumeiros e em áreas costumeiras venham a ocorrer e a polícia investigativa não dá conta de investigar os crimes de seus estados, precisando recorrer à Força Nacional que já passam a investigar os crimes que estão ocorrendo agora enquanto deveriam estar investigando apenas aqueles sem solução (Alagoas).

Os dados do relatório do Subcomitê de Prevenção à Tortura (SPT) ainda carecem de um olhar mais cuidadoso, e é isso que será feito oportunamente aqui, pois muitas informações precisam ser relacionadas com nossa realidade para um melhor entendimento.

 4 Fontes

SUBCOMITÊ DE PREVENÇÃO DA TORTURA. Relatório sobre a visita ao Brasil do Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes: Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Brasília: Organização Das Nações Unidas, 2012.

SOUZA, Fátima. Como funciona a Polícia Militar: A história da Polícia Militar começou no Império. Disponível em: <http://pessoas.hsw.uol.com.br/policia-militar1.htm>. Acesso em: 23 jun. 2012.

FOLHA.COM. FOLHA DE SÃO PAULO (Brasil). Países da ONU recomendam fim da Polícia Militar no Brasil. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1097828-paises-da-onu-recomendam-fim-da-policia-militar-no-brasil.shtml>. Acesso em: 30 maio 2012.

 

 

 

Ivenio Hermes

Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Integrante do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial. Facebook | Twitter | E-mail: falecom@iveniohermes.com | Mais textos deste autor

2 Responses

  1. Alisonspp disse:

    Como O Capitão nascimento falou: A Polícia Militar necessita ser extinta! Precisamos urgentemente iniciarmos uma grande mudança e só vejo isso desmilitarizando a PM.

  2. Ozanino disse:

    Gente o militarismo ainda existe nas polícias do Brasil
    devido a sua conveniência para os políticos (que em sua maioria não querem
    investir com eficácia na segurança pública, pois têm outros interesses mais
    urgentes como desvio de verbas para investimento pessoal e em campanhas
    políticas) e para a cúpula das polícias (autos oficiais) que recebe o aval do
    poder político para conseguir seus benefícios (dinheiro). Funciona assim:
    político não quer investir e nem quer receber pressão das classes policiais (geralmente
    as praças) e isso se torna mais fácil (não receber pressão) quando se tem um
    regulamento que o ajude a dissipar a pressão exercida pela classe policial em
    suas reivindicações. E para o uso desse regulamento ele utiliza as cúpulas
    dessas polícias ( autos oficiais). Ou seja, o famoso “TOMA LÁ DA CÁ”
    entre políticos e auto oficiais. Por isso são militares (porque desse modo, se
    torna  mais fácil governar, não investir
    e desviar dinheiro). Obs. isso não acontece só na polícia (TOMA LÁ DA CÁ) nos
    outros setores (saúde, educação) eles usam os famosos cargos políticos
    (secretariado,diretores, cargo comissionado) para manter esse sistema de falta
    de investimento e furto.  

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