Rio Grande do Norte, segunda-feira, 29 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 29 de setembro de 2012

A “Crise” e a incompetência da Elite do Poder em Natal

postado por Alyson Freire

Há alguns anos vige em Natal uma inquietação partilhada. Muito embora, ela seja ainda pouco articulada.  Sobretudo nas redes sociais, em estratos mais jovens e educados da classe média, cresce um sentimento de injustiça e indignação frente aos poderes locais – governo, imprensa, empresários.

A indignação crescente dos natalenses contra os poderosos opõe de uma maneira cada vez mais clara e acirrada, uma oligarquia de políticos, empresários e seus bajuladores, por um lado, e um conjunto diferenciado e amplo de pessoas comuns, trabalhadores, profissionais liberais, estudantes e militantes, de outro.

Os desastres e a incompetência administrativos da prefeitura extrapolaram até a paciência dos mais conformistas dos cidadãos natalenses. Em certas camadas sociais, a oficiosa imprensa natalina é vista cada vez mais com maior desconfiança por seu parcialismo disfarçado, que a faz distorcer e enviesar a realidade com a mesma naturalidade com que se respira. Por último, a ganância e o abuso dos empresários-coronéis da cidade, que, em face de seus interesses e paixão pelo lucro rápido, tentam passar por cima de todo tipo de legislação, bom senso e, até mesmo, da vontade popular.

Esses três círculos – líderes políticos,  dirigentes empresários e imprensa – formam, em Natal, uma comunidade de interesses intimamente ligada entre si, e cuja ação, muitas vezes em bloco, visa de uma maneira ativa, direta ou indiretamente, influir decisivamente nos rumos da sociedade. Constituem, digamos, o que sociólogo Wright Mills em sua análise sobre a organização social – e a extrema concentração do poder – dos EUA, chamou de “elite do poder”. Na defesa e consecução de seus interesses, prestígio e riqueza, esta elite lança mão de seus instrumentos efetivos de poder e influência para preservar uma política de manutenção do status quo e de controle da sociedade. Não à toa que a emergência de novas  forças sociais, atores e movimentos sofra, de início, com fortes ataques de desqualificação e repressão – vide #ForaMicarla e a #RevoltadoBusão.

É lição básica de toda Sociologia do poder de que a dominação e a autoridade obtêm a obediência e a subordinação dos outros por meio de algo mais do que o temor e a coerção.

Somado aos meios externos que apoiam a dominação, Max Weber falava no papel das justificações internas para a legitimação e aceitação das imposições da autoridade e do poder. Pierre Bourdieu, sociólogo francês, escrevia sobre como o vigor da dominação dependia de uma espécie de alquimia simbólica que transformava a primeira, no coração e mente dos dominados, numa outra coisa; o poder em carisma, a submissão em afeto, a dívida em reciprocidade, etc..

O fundamento da dominação não se dá, portanto, apenas pela desigualdade de recursos de força e poder material. Conforme a interessantíssima investigação do sociólogo Barrington Moore sobre as bases sociais da revolta e indignação coletivas; senhores e servos, governantes e súditos, dominador e dominado estão unidos por um pacto de cumplicidades e tácitas obrigações mútuas, altamente envolvido em fatores emocionais e sociológicos responsáveis por equilibrar em alguma medida a relação. Para manter os subordinados como tais, a ação dos poderosos deve obedecer alguns limites e obrigações para com o bem-estar físico e moral dos primeiros. O desmantelamento dos serviços públicos básicos, por exemplo, afrontam tanto a um como a outro, causando forte indignação, ainda que de maneira seletiva e circunstancial.

Evidentemente, esses limites são renegociados e se tornam bastante contingentes e frágeis em sociedades cuja ação dos poderes é acompanhada, fiscalizada e avaliada com mais interesse, quer por instituições voltadas para tal fim, pela sociedade civil ou por indivíduos empunhando smartfones e tablets interruptamente conectados à internet e às redes sociais. Na verdade, em tais contextos, a aceitação e legitimação do poder se torna uma tarefa cada vez mais difícil.

Parece ser, em parte, diga-se, esses novos limites que a elite do poder da cidade excedeu inadvertidamente ou não soube se adaptar; as velhas estratégias de legitimação do poder não servem mais como antes ou não são suficientes. Daí a indignação, contida em alguns, explícita e praticada em outros, que parece ter tomado conta da cidade. O argumento pode aparentar ser conservador na medida em que coloca em tela a ideia segunda qual a atual “crise” dos poderes locais em se legitimar e os comportamentos revoltosos recentes são fruto do fracasso, inaptidão e abuso dos próprios dominadores em manter a dominação social; melhor seria proclamar a tomada de consciência dos subordinados acerca de sua condição.

Não, não se trata de excluir ou minimizar o protagonismo, a força social e a energia política rebelde dos movimentos e pessoas insurgentes. Trata-se tão somente de mostrar que os pretensiosos “Donos do poder” em Natal tem se mostrado incompetentes até para manter o seu próprio status quo. Entretanto, convém não subestimar sua capacidade de reagir por conta de tal constatação. A diminuição ou crise de poder de uma classe ou grupo não implica necessariamente no crescimento do poder de outras classes e grupos. Por isso, é prudente manter-se alerta, e agir para aproveitar as fraquezas momentâneas dos “de cima” para, assim, trazer à luz as contradições e conflitos que tal elite do poder tenta, à todo custo, encobrir, mesmo quando debilitada.

Alyson Freire

Sociólogo e Professor de Sociologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN).

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