Rio Grande do Norte, domingo, 28 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 30 de setembro de 2012

A cor do Brinquedo

postado por Tecelão

Da Teia Neuronial – A pequena Riley fez um sucesso instantâneo na internet ao demonstrar sua indignação para com o marketing, que manipula os desejos infantis por brinquedos de acordo com o sexo das crianças. Meninas devem querer princesas e brinquedos cor-de-rosa. Meninos devem desejar super-heróis de qualquer outra cor. Afinal, afirma ela, há meninos que querem princesas cor-de-rosa e há meninas que querem super-heróis de outras cores.

Há não muito tempo presenciei uma cena que se repete o tempo todo em nossa sociedade. O pai pede ao garoto que escolha qual a cor do brinquedo ele quer levar; o menino escolhe rosa; o pai responde enfático: “Rosa não, você é doido?! Você é homem! Escolha outra cor.” Há um desejo legítimo da parte de algumas pessoas por objetos que são socialmente proibidos ao seu gênero. Esse desejo é tolhido e moldado para se enquadrar num modelo de masculinidade ou feminilidade.

A princesa e o super-herói

A princesa e o super-herói

A menina que estrela o vídeo mostra uma compreensão incomum da estrutura que nos obriga à adequação de gênero, chegando inclusive a mencionar algo que muitas vezes fica implícito e da qual não nos damos conta: até a cor dos brinquedos é dividida por gênero; só as meninas podem ter brinquedos cor-de-rosa (ou algumas outras cores claras e tons pastéis), enquanto os meninos têm muito mais opções de cores para escolher, exceto o rosa (que pode transformar seu filho num gay).

O fato é que o indivíduo humano, seja do sexo feminino ou masculino, possui diversas facetas que compõem seu caráter único. A cultura, a educação e os diversos mecanismos de institucionalização cultivam certas tendências, excluem certos aspectos e introjetam certos outros, condizentes com aquilo que essa mesma cultura considera “feminino” e “masculino”.

Dessa forma, objetos que alguns indivíduos naturalmente desejariam são riscados da lista das possibilidades de realização. Pais não querem que sua filha tenha um comportamento violento, portanto não comprarão carrinhos nem super-heróis para elas. Tampouco querem que seus filhos sejam efeminados, e para evitar isso deixarão de comprar qualquer coisa rósea, bonecas e brinquedos que remetam a atividades domésticas. Essas crianças, forçadas sub-repticiamente a vestir a fantasia de gênero imposta pela sua cultura, reproduzirão os mesmos mecanismos que repetirão o processo sobre os indivíduos da geração seguinte.

Mas a atitude intolerante que espera um certo comportamento de homens e outro de mulheres, bem como uma conduta sexual estritamente hétero, não percebe que os brinquedos têm uma eficácia limitada (considerando inclusive que eles fazem parte de um inventário bem maior da parafernália mercadológico-pedagógica, como roupas, penteados, desenhos animados e atividades recreativo-esportivas, todos classificados por gênero). Muitos pais não conseguem evitar que de vez em quando meninos brinquem com bonecas (eu o fazia quando visitávamos a casa de tios meus e eu brincava com minha prima) ou meninas com super-heróis. Ademais, muitos homossexuais homens não gostam de “coisas de meninas”, e muitos heterossexuais gostam. O fato de eu ter gostado muito de assistir a desenhos animados da Moranguinho na infância não me transformou num adulto homossexual.

O mais interessante ao se refletir sobre tudo isso é que, embora a voz da revolta esteja sendo representada por uma menina, em alguns sentidos os meninos sofrem ainda mais repressão do que as meninas quando o assunto são mercadorias de consumo. Pergunte-se a si mesmo, ou aos seus amigos que são pais, o que é preferível: comprar um carrinho para uma filha ou uma boneca cor-de-rosa para um filho? Por outro lado, as meninas sofrem mais ao terem menos acesso a brinquedos considerados unissex: os pais preferem lhes comprar bonecas a quebra-cabeças e jogos de tabuleiro.

Extrapolando tudo isso, é importante reconhecer que, além do papel pedagógico de conformar identidades de gênero, os brinquedos ajudam a desenvolver habilidades, traços de personalidade úteis para o convívio social e o desenvolvimento pessoal. As bonecas são um simulacro das relações interpessoais, do contexto de socialização doméstico, do cuidado com os filhos (bonecas em forma de bebê). Os bonecos de heróis despertam a imaginação para aventuras e possibilidades diferentes da realidade, o que está relacionado a uma personalidade mais desbravadora. (É interessante notar, por exemplo, uma comparação entre duas crianças das tirinhas de quadrinhos, o menino Calvin e a menina Mafalda. Aquele tem uma imaginação fora do comum, enquanto esta encena histórias realistas e relacionadas à sociedade.)

Seria interessante possibilitar às crianças o cultivo de todas essas habilidades, independentemente de seu sexo. Além disso, valorizar os brinquedos que ajudam a desenvolver atributos mentais, como quebra-cabeças, jogos da memória, livros, que exigem o uso do cérebro. Muitas crianças só brincam com os produtos desenvolvidos para seu gênero, o que acaba empobrecendo a cabeça tanto de meninos quanto de meninas. Diversificar a experiência do indivíduo só o enriquece como ser humano.

Tecelão

Pseudoufólogo e temporariamente terráqueo. Escreve sobre racismo, gênero e sexualidade e outras questões antropológicas ligadas à Ficção Científica. Autor do blog Teia Neuronial.

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