Rio Grande do Norte, quarta-feira, 15 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 4 de novembro de 2012

Chegar atrasado no ENEM: até onde a culpa é do indivíduo?

postado por David Rêgo

Foram vários os alunos que não conseguiram chegar no horário de prova para o ENEM. Milhares foram desclassificados sem sequer fazer a prova.

Após este acontecimento, muitos nas redes sociais começaram a “reproduzir” uma série de afirmações querendo nos convencer que a culpa do “atraso” é do indivíduo, que ele é o completo culpado por tudo e que deve e merece ser penalizado por sua irresponsabilidade ou falta de interesse. A charge acima expressa bem o “ideal” repassado por milhares através de correntes nas redes sociais.

Porém, não há como concordar tais afirmações ou com este tipo de humor que tenta colocar toda culpa no indivíduo e, além de descontextualizar tudo, deixa livre a classe política de sua parcela de culpa. Na realidade estas correntes são um tipo de “falsa lógica”. Nos guiam por uma falsa lógica para chegar a resultados que são falsos, mas parecem verdadeiros, já que possuem um bom “raciocínio lógico”.

Tentemos analisar o quadrinho e seus devidos contextos:

Primeiramente é de se observar que qualquer pessoa pode dormir na fila de um show e no dia seguinte ir para o mesmo cansado e não tendo alimentado-se bem e ainda assim o show será muito bom.

Isto não é possível em provas de concurso como o ENEM. Nestes casos você tem que descansar e estar relaxado, é muito difícil fazer uma boa prova tendo uma noite sem dormir ou não alimentando-se devidamente.

Claro que existem aqueles que saíram de casa faltando pouco tempo para a prova e acabaram ficando de fora. Estes realmente merecem ficar de fora. Mas não podemos invisibilizar um problema “estrutural” em nome da irresponsabilidade de alguns poucos.

Colocar a culpa no aluno frente ao caos que são nossas cidades é simplesmente fazer vista grossa aos desmandes políticos que temos. Temos uma das maiores cargas tributárias do mundo, deveríamos ter os melhores serviços também, mas não temos. E isso não pode ser “invisibilizado” pelo humor colocando a culpa no indivíduo. Várias pessoas em Natal saíram de casa 9 horas da manhã e mesmo assim tiveram problemas para chegar no horário de prova (meio-dia). O humor serve tanto para fazer críticas como para “desvirtuar” o problema e nos fazer esquecer o que mais nos afeta. Não podemos “excluir” a classe política dos problemas que enfrentamos diariamente. Pagamos impostos e queremos resultados. E um dos resultados é um sistema de mobilidade urbana eficiente.

O Humor também serve para reproduzir preconceitos e invisibilizar desmandes.

David Rêgo

Sociólogo, antropólogo e cientista político (UFRN). Professor do ensino médio e superior. Áreas de interesse: Artes marciais, política, movimentos sociais, quadrinhos e tecnologia.

6 Responses

  1. Talvez possamos fazer mais, além de culpar e desculpar com humor.

    Por que não aproveitamos este triste episódio para procurarmos soluções que, além de evita-lo no próximo ano, tragam justas melhorias à nossa falida mobilidade, proporcionando uma Cidade melhor para o convívio de todos?

    Autoridades apressarão obras e licitações em resposta ao fatídico evento.

    Mas, sem um Plano de Mobilidade de nada adiantará investir pesadamente em obras que privilegiam apenas o transporte individual (insustentável e que deve ser encarado como exceção) como viadutos, túneis ou mesmo estacionamentos nas regiões centrais. Investimentos estes que deveriam ser direcionados exclusivamente para a melhoria do transporte coletivo.

    Qual a serventia das prometidas licitações das linhas de ônibus que não se originam do que é acordado e planejado pela sociedade em um Plano de Mobilidade para a toda a região Metropolitana? Continuar “transportando” em veículos que são nada mais que caminhões adaptados, com todo o conforto do pior dos caminhões e, em número suficiente apenas para rodar completamente carregados em horários e itinerários cada vez mais restritos.

    Porque não temos ar-condicionado nos coletivos desta Cidade, se até os veículos populares os tem hoje? No clima reinante em grande parte do ano na Cidade do Sol isto não pode ser considerado luxo. É uma necessidade básica, assim como oferecer o melhor serviço possível, até pela imperiosa necessidade de desestimular o transporte individual.

    Desconfio que o NatalCard deva ter muitas outras serventias além de patrocínio a programas televisivos a candidatos a vereador. Neste quesito o resultado da última eleição divulgado pelo TSE atesta o total sucesso desta organização. Não estou certo porém de que tal empresa esteja minimamente compromissada com os anseios por melhoria de nossa mobilidade. Acredito que seu foco seja outro como entidade privada que é.

    O País mudou, fruto do trabalho e luta dos que acreditam no Brasil. A pouco tempo seria impensável termos tantos ascendendo socialmente, buscando a melhoria de vida disputando tantas vagas na Universidade, bem como tantos brasileiros empregados, desfrutando de crédito a juros incomuns até então (impostos não se destinarão majoritariamente aos rentistas) o que lhes dá um poder de compra para motos, carros e combustível.

    E, cada vez exigindo mais, não desejam a enfrentar as agruras do martírio diário do transporte coletivo. Se cada um se dispor (que fique claro: tem direito a isso) ir trabalhar, fazer seus deslocamentos rotineiros através do transporte individual ninguém irá a lugar algum. Cada novo metro de pista asfaltada servirá apenas para passarmos o tempo em modernas e custosas obras de (i)mobilidade.

  2. Mirla guedes disse:

    Concordo quando é afirmado na matéria acima que a culpa toda não pode ser colocada no indivíduo. No entanto, acho que a leitura feita do quadrinho ao dizer que é possível dormir do lado de fora, com desconforto por dias até o show começar com a possibilidade de o aluno dormir do lado de fora para fazer a prova do ENEM, foi um tanto quanto equivocada. Primeiro que eu acho que a intenção do quadrinho não era fazer comparações fidedignas com a realidade e sim falar sobre prioridades. Aquilo que é prioridade na sua vida, você se esforça mais, presta mais atenção. Sim, é possível você sair de casa muito cedo para um
    compromisso e acontecer uma série de eventualidade e você não conseguir chegar a tempo. Veja bem, podem acontecer eventualidades, casos isolados. No entanto, deve-se levar em consideração o alto número de pessoas que chegaram atrasadas e seria impossível atribuir isso ao nosso péssimo (péssimo mesmo) sistema de transporte público. Outro exemplo, acho que um tanto quanto exagerado foi dizer que houve pessoas que saíram de casa as 9 da manhã e mesmo assim tiveram dificuldades de chegar ao meio dia ao local da prova aqui em Natal. Por mais que essas pessoas morem longe, e por pior que seja o nosso transporte público (e é) acho que seria um tanto inviável isso acontecer, levando-se em conta o tamanho da nossa pequena cidade.

    • Olá Mirla,

      Concordo com todos seus ponderamentos. Faço apenas uma observação: eu dei carona no Campus para pessoas que afirmaram isso. Além disso, eu precisei fazer o trajeto “Parque dos coqueiros – Natal Shopping e levei quase 2 horas. As 10:30 da manhã o trânsito já estava parado no túnel que dá acesso a ponte velha da Zona Norte. Pense então em uma pessoa que saiu de local semelhante, mas de ônibus. .. justamente o que me assusta é o “tamanho da nossa pequena cidade” e tanto tempo para ir de um local para outro.

  3. Tirinhas do Zé disse:

    Gostei muito dos comentários em relação a postagem e a inteligentíssima análise do sr. David…. parabéns!!!

  4. não foram poucas as pessoas que reclamaram da distância do local da prova. um bom exemplo é a inscrição do vestibular da Comperve/UFRN, nele você escolhe o lugar mais próximo da sua residência, tem gente que consegue até fazer a prova numa escola do lado da sua rua! um dos inúmeros problemas do ENEM é que o local da prova é baseado unicamente no critério de ordem alfabética. então pouco importa pra essa galera se você mora no Pajuçara e seu nome começa com a letra Z, porque quem se chama Zuleide vai ter que se virar pra chegar na Vila de Ponta Negra a tempo. ainda mais tendo que fazer prova num domingão delícia, onde esperar por um ônibus é quase um castigo, porque a frota (que já é reduzida) se torna quase nula. isso ninguém quer ver…

  5. Bruno Galiza disse:

    Bem, eu escolhi ir fazer o ENEM de transporte público saindo de casa 1 hora e meia antes do início, dentro do ônibus o trajeto não demora mais que 20 minutos. Cheguei a tempo 5 minutos antes de fecharem os portões e deposito a culpa 100% no trasporte público sim!

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