Rio Grande do Norte, quinta-feira, 02 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 13 de abril de 2013

Para os bobos que sonham com o governo da técnica: Estado sem cargos de comissão é ditadura

postado por Daniel Menezes

Continua a discussão, que não ultrapassa a profundidade de uma lamina de barbear deitada, sobre o incremento de cargos de confiança pelos governos do PT e do PSDB. Ambos os lados se acusam do aumento desse tipo de contratação, ambos reproduzem preconceitos. O que se esquece – e esvazia a crítica moralista – é que o comissionado oxigena politicamente o Estado. Ele está encarregado de fazer com que a agenda que saiu vencedora das urnas seja, de fato, efetivada, que ela lubrifique a máquina.

imagesMas por trás desse senso comum está a noção de que o Estado deve se comportar como empresa. Como se uma organização privada tivesse de conversar com partidos políticos, dialogar com a comunidade e, na medida do possível, representar interesses coletivos. Entendam de uma vez por todas: a decisão tomada por uma empresa é monocrática. Ao contrário de uma prefeitura, por exemplo, que precisa pactuar suas decisões e legitimá-las, através da relação com os demais poderes e a sociedade.

Outra falsa questão que atravessa o debate é a ideia de que uma fábrica é mais eficiente do que uma repartição pública. Ora, se a empresa e o Estado apresentam modus operandi e modus operatum diversos, nada mais justo que se observe também às especificidades no que tange o aspecto da “eficácia”. Enquanto a primeira busca apenas o lucro, a última tem a função de atender aos anseios sociais. A primeira interage com clientes. A última com cidadãos. E aí, não é apenas o prefeito que deve responder pelo projeto a que se propôs implementar. É também o chefe de uma secretaria, de um setor, de uma repartição. O governo tem a obrigação de respeitar a eficácia democrática. Do contrário, enfrentará problemas. A necessidade, no entanto, não gravita na cabeça do lider de uma entidade privada.

Sabemos desde Max Weber que a administração sem política produz uma jaula de ferro da técnica, da burocracia com suas ações automatizadoras, engessadas. Não se trata de relegar a um segundo plano o papel do burocrata, este legitimado por concurso público. Pelo contrário. Ele cumpre a função importantíssima de executar tarefas, de produzir labor especializado. Mas é a sociedade quem vai dizer como deseja que aconteça. É o povo soberano representado pelos partidos que escolheu quem dará a linha, elencará objetivos. E são as agremiações representantes, através dos seus cargos de comissão, quem movimentará o Estado. Sonhar com um governo da técnica implica em defender uma gestão pública aonde os cidadãos não arbitram e seguem a reboque (lembrar da obra “O processo”, de Franz Kafka).

Alias, já vimos esse fenômeno por aqui. Ele veio com o golpe de 1964. É consenso na ciência política brasileira que os militares se caracterizaram por sufocar as demandas populares e canais de representação (partidos, sindicatos, representações estudantis e outros agrupamentos) e instauraram uma ditadura da técnica, uma tecnocracia dos déspotas supostamente mais honestos e esclarecidos (0 resultado desse engodo é conhecido).

E no Estado de exceção a gestão da escola era tecnicista. Não apenas, como se imagina erradamente, a sede principal do poder. No colégio da ditadura não era preciso enfrentar a desigualdade, incluir e conscientizar cidadãos historicamente apartados de direitos. Tanto é que os militares sempre enxergaram no método Paulo Freire um ato de pura subversão, já que o professor defendeu uma pedagogia voltada para o aprendizado integral enquanto ser educando autônomo, capaz de se relacionar criticamente com o seu meio, de forjar uma sociedade cada vez melhor e mais democrática. Para os militares ir a escola significava, simplesmente, aprender a ler, a escrever e apreender – acriticamente, como a máquina de fazer salsichas de Pink Floyd, ou  como a Matrix do filme – os ditos valores advindos da chamada (pelos seus defensores) “Revolução de 64”.

No final, a retórica não é confirmada por nenhum dos dois partidos, já que o PSDB, quando foi governo, e o PT, atualmente, aumentaram os cargos de comissão, até para acompanhar o necessário desenvolvimento das demandas advindas da sociedade.

ESQUIZOFRENIA

Há algo de esquizofrênico nesse debate. Pois que ele é capitaneado pela classe média tradicional brasileira, a mesma que ocupa os principais cargos públicos políticos que ela tanto critica. Enfim, um agrupamento social que não se olha no espelho.

Daniel Menezes

Cientista Político. Doutor em ciências sociais (UFRN). Professor substituto da UFRN. Diretor do Instituto Seta de Pesquisas de opinião e Eleitoral. Autor do Livro: pesquisa de opinião e eleitoral: teoria e prática. Editor da Revista Carta Potiguar. Twitter: @DanielMenezesCP Email: dmcartapotiguar@gmail.com

2 Responses

  1. O interresante é que antes do PT chegar ao poder isto era chamado de clientelismo em que os petistas era crítico dessa velha prática politica.Quando no poder fizeram igualzinhos aos outros.E os outros,que perderam as tetas da vaca gorda, agora chamam o clientelismo petista de aparelhamento de estado.Em relação ao clientelismo são farinha do mesmo saco.Particulamente eu acho que os cargos comissionados deveriam ser apenas para os cargos de cupúla do poder e não esse excesso que permeiam o estado brasileiro.Lembro que há poucos anos o apresentador de televisão afirmou que o vice-governador tinha 150 cargos comissionados e o governador 300 cargos.A nossa eficiente Câmara Municipal,dizem ter mais de 900 funcionários,ora quem conhece aquele espaço sabe que ali não cabe esse povo todo.Em relação as prefeituras do interior aí vamos encontrar casos escabrosos.Dia desses fique supreso ao ver a nomeação de uma pessoa para um cargo comissionado bastanto pomposo, e um bom salario para a realidade local, em Pedro Avelino.Até onde sei essa pessoa não tem nem segundo grau,mas é filho de uma ex-vereadora e faz parte de uma elite decadende que mantem seu status quo a custa do erário municipal.Nunes Leal numa importante obra sobre o coronelismo afirmou sobre:”para os amigos pão para os inimigos pau”.Atualizando essa frase poderiamos dizer para as elites aliados do poder,privillegios e bons cargos para a plebe aliada as migalhas, e para os outros só resta a choradeira o ter que ralar muito para ser funcionário público e se for da plebe só os cargos mais rasos do serviço público.Afinal para os cargos bem remunerados exigem muito estudo onde o poder economico é determinante.

  2. Lucas disse:

    Cargo comissionado oxigena politicamente o estado, voce so pode estar de brincadeira com essa declaração né Daniel. Me fala o nome de um, basta um país onde o estado consegue atender com qualidade aos anseios da sociedade e que o governo central tenha mais de 500 cargos comissionados. Cargo comissionado é um escarnio na maioria dos casos, e so serve pra dar emprego a vagabundo incompetente, e falo isso por conhecer varios ocupantes desses cargos e saber que eles nao tem capacidade nenhuma para estarem ali. Outra, vejo certa contradição nesse seu texto, levando em consideração que no post passado voce teceu loas ao movimento brasil competitivo, do jorge guerdau, que vai prestar consultoria para implementar na prefeitura de natal uma visao empresarial de gestao, alem da propria redução de cargos comissionados, que segundo voce vai levar a prefeitura a ser mais agil nas suas açoes, alem da reduçaõ de custos. Pois entao como funciona isso, voce é a favor ou contra os cargos comissionados?

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