Rio Grande do Norte, segunda-feira, 29 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 11 de maio de 2013

Teto furado

postado por Jules Queiroz

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado requereu abertura de procedimento de controle externo para apurar a obediência dos órgãos do Poder Executivo Estadual, da Assembleia Legislativa, do Ministério Público e do Tribunal de Justiça ao teto remuneratório constitucional do serviço público.

O teto constitucional envolve diversos degraus e ponderações na forma delimitada pelo artigo 37, inciso XI, da Constituição. A remuneração[1] e o subsídio[2] dos servidores públicos em geral não pode ultrapassar o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, hoje fixado em R$ 28.059,29.

Ocorre que existem os chamados “subtetos”: para os servidores dos Municípios, o subsídio do Prefeito; para os servidores do Poder Executivo Estadual, o limite é o subsídio do Governador; para os do Poder Legislativo (Estadual ou Distrital), o dos Deputados Estaduais; para o Judiciário, o dos Desembargadores, estes limitados a 90,25% do subsídio dos Ministros do STF, totalizando hoje R$ 25.323,51.

Mas há várias formas de “furar” o teto e os subtetos.

images (3)A primeira é que os membros do Ministério Público, defensores públicos e os procuradores (advogados que defendem o Estado) estão vinculados não ao subsídio do Poder Executivo, mas ao do Judiciário. Isso explica a existência de promotores que percebem mais de R$ 20.000,00, enquanto a própria Governadora do Estado percebe menos de R$ 12.000,00. Em Natal, recentemente, o Ministério Público buscou judicialmente a redução dos subsídios dos Procuradores da Câmara Municipal ao valor recebido pelo Prefeito. O Judiciário local, por enquanto, vem entendendo que esse limite não se aplica aos procuradores municipais, ainda que legislativos, estando eles vinculados ao subsídio dos Desembargadores.

Outra forma é a quebra da paridade das funções administrativas. O inciso XII do artigo 37 da Constituição prevê que os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo. Isso se aplica na existência de cargos análogos na estrutura dos três poderes, como contadores, motoristas, secretários e assessores. Mas essa regra nunca é obedecida na prática. Algumas vezes ela é completamente ignorada. Em outras, é afastada pela atribuição de gratificações esdrúxulas.

No Judiciário Potiguar, por exemplo, existe a polêmica Gratificação de Técnico Nível Superior (GTNS), implantada através da Lei 6.719/1994 e que garante ao servidor do Judiciário receber 100% sobre o salário base quando alcança um nível universitário de instrução. Por isso técnicos administrativos do TJ recebem valores acima de R$ 10.000,00 para exercer funções que, na Secretaria de Saúde do Estado, não superam R$ 4.000,00.

Há situações em que se ignora sumariamente o teto constitucional e se fixam remunerações a servidores públicos, mediante lei, sem qualquer limite identificável. Observe-se por exemplo o caso dos Auditores Fiscais da Secretaria de Tributação. Apesar de serem servidores do Executivo, limitados ao subsídio da Governadora, o exame da folha de pagamento da SET é assustador. Em junho de 2012, havia Auditores recebendo remuneração bruta entre R$ 20.000,00 e R$ 35.000,00[3]. Muitas vezes esses salários são garantidos por decisões judiciais.

Observe-se uma amostra dos referidos salários, disponíveis no site da Secretaria de Administração:

CARGO / FUNÇÃO

CARGA

HORÁRIA

REMUNERAÇÃO

(BRUTA)

PREVIDÊNCIA

IRPF

OUTROS

DESCONTO

VALOR

LÍQUIDO

AUDITOR FISCAL TESOURO ESTADUAL

40 H

16.125,53*

1.716,59

3.017,62

3.304,80

8.086,52

AUDITOR FISCAL TESOURO ESTADUAL

40 H

35.709,18*

2.946,00

7.315,79

5.430,78

20.016,61

AUDITOR FISCAL TESOURO ESTADUAL

40 H

15.688,23

1.725,70

2.947,40

71,31

10.943,82

AUDITOR FISCAL TESOURO ESTADUAL

40 H

25.751,82

2.832,70

5.455,72

184,30

17.279,10

AUDITOR FISCAL TESOURO ESTADUAL

40 H

22.471,40

2.471,85

4.607,58

4.164,66

11.227,31

AUDITOR FISCAL TESOURO ESTADUAL

40 H

25.751,82

2.832,70

2.866,48

10.756,51

9.296,13

AUXILIAR DE ESCRITURARIO C – BANDERN

40 H

1.193,97

112,49

0,00

269,68

811,80

AUDITOR FISCAL TESOURO ESTADUAL

40 H

16.480,28

1.812,83

3.231,76

3.429,95

8.005,74

AUDITOR FISCAL TESOURO ESTADUAL

40 H

14.758,65

1.623,45

2.855,65

70,28

10.209,27

AUDITOR FISCAL TESOURO ESTADUAL/COORDENADOR

40 H

17.638,23

1.725,70

3.574,16

3.290,02

9.048,35

AUDITOR FISCAL TESOURO ESTADUAL

40 H

15.688,23

1.725,70

3.083,16

1.268,13

9.611,24

AUDITOR FISCAL TESOURO ESTADUAL

40 H

25.751,82

2.832,70

5.455,72

184,30

17.279,10

AUDITOR FISCAL TESOURO ESTADUAL

40 H

19.580,98

2.153,90

3.557,56

5.432,77

8.436,75

AUDITOR FISCAL TESOURO ESTADUAL

40 H

25.856,91

2.844,26

5.436,18

2.695,22

14.881,25

AUDITOR FISCAL TESOURO ESTADUAL

40 H

16.314,69

1.794,61

3.191,23

70,93

11.257,92

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

* Servidores que receberam atrasados ou férias

 

Há, reconheça-se, um movimento para moralização das situações ilegais. Além do próprio TCE, os Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público têm atuado para aplicação do teto. Em âmbito federal já se observa um maior respeito às normas limitadoras de salários.

Certo que os servidores públicos devem ser bem remunerados para exercer suas atividades com qualidade e dignidade. Em especial porque a iniciativa privada tem oferecido salários bem superiores a profissionais capacitados. Contudo, citando Cassiano Arruda Câmara, a situação não pode cair para transformar o Governador do Estado em um gestor de folha de salários.

 


[1] “Remuneração” é a forma de salário da maioria dos servidores públicos.  É composta pelo “vencimento”, que é sua base, e as “vantagens pessoais”, que são gratificações variadas.

[2] O subsídio é o salário devido a juízes, promotores, procuradores, defensores públicos, Chefes do Poder Executivo, parlamentares e outras carreiras de Estado, fixados em parcela única, proibidos acréscimos em gratificação. Trata-se de tentativa da Emenda Constitucional 41/2003 de vedar os “penduricalhos” recebidos pelas autoridades públicas.

[3]http://www.searh.rn.gov.br/ergoninfo/Rel_Servidor_Remunera_Orgao.asp?MesAno=06/2012&id=710273

Jules Queiroz

Procurador da Fazenda Nacional em Brasília/DF - @julesqueiroz

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