Rio Grande do Norte, domingo, 19 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 6 de junho de 2013

O humor de hiena do jornalismo brasileiro

postado por Carta Potiguar

Do ocafezinho.com

 

Wanderley Guilherme faz uma crítica duríssima ao jornalismo de catástrofe conduzido pela principal empresa de mídia no país, um jornalismo que não esconde a satisfação com cada fato negativo que encontra, mesmo que para isso tenha que distorcer a realidade para pintá-los, aos fatos, como piores que são.

A imprensa atravessando o samba

Por Wanderley Guilherme dos Santos*

Em 1963, a Acadêmicos do Salgueiro adentrou a avenida Presidente Vargas para ganhar o carnaval e revolucionar o desfile das escolas. Seu samba-enredo narrava a história de uma escrava e, para espanto de todos, começava assim: “Apesar de não ter grande beleza”. Como? Onde já se viu um samba começar com “apesar”? Bem, tratava-se da famosa Chica da Silva que, mesmo sem dispor de excelência física, “encantou a mais alta nobreza”. O samba? Maravilhoso.

Os autores da ousadia, Anescarzinho e Noel Rosa de Oliveira, transgrediram criativamente a rotina das letras e utilizaram com perfeição um recurso estilístico. Lamentaram o que seria de lamentar – a ausência de perfeição estética da mulher – para melhor exaltar um grande feito: a conquista do coração do contratador João Francisco de Oliveira, “que a tomou para ser a sua companheira”.

Pois 50 depois, o jornal O Globo estampou em sua primeira página de domingo, 2/6/13, matéria sobre trabalho infantil que começava assim: “Apesar dos avanços no combate ao trabalho infantil desde os anos 90…” ao que se seguia informação sobre o possível número de crianças e adolescentes ainda trabalhando em atividades perigosas, e terminando com o registro de que “Para os especialistas, o país não deve cumprir a meta de erradicar esse tipo de trabalho até 2015”. A Organização Internacional do Trabalho acabava de publicar relatório sobre eliminação do trabalho infantil apontando que o programa bolsa família foi responsável por parte da significativa redução de 13,4% no contingente de trabalho infantil no Brasil, entre 2000 e 2010. Especificamente, segundo o IBGE, o número de crianças e adolescentes trabalhadores decresceu de 5,3 para 4,3 milhões, entre 2004 e 2009. Um milhão a menos em cinco anos. O jornal O Globo, ao contrário dos criativos compositores do Salgueiro, transformou uma comemoração em velório, apresentou pêsames aos resgatados de um desastre e exaltou um evento que, segundo especialistas, não acontecerá daqui a dois anos. Tudo em primeira página garrafal. Que jornalismo é esse?

Mais do que engajado partidariamente, trata-se de um jornalismo de péssima qualidade profissional, não bastasse o estilo chulamente cafajeste de seus colunistas. Os redatores são incompetentes ou corrompidos. Inúteis até para formar a opinião dos leitores de oposição ao atual governo, pois a que serve a disseminação da idéia de que, não importando o esforço da sociedade brasileira, ela não será capaz de superar seus problemas? Instilando desalento e baixa estima no segmento que o lê, o jornal busca a erosão das expectativas positivas sobre o futuro de bem sucedido projeto de transformação econômica e social, em curso desde 2003. Derrotismo de derrotados faz mal a seus seguidores.

E a confusa manipulação estatística na apresentação dos resultados da pesquisa do IBGE sobre desempenho industrial no primeiro trimestre de 2013, divulgados terça-feira, dia 4/6, reitera o padrão negativista do jornalão carioca, que leva seus profissionais a atingirem o orgasmo ao anunciar alguma catástrofe, mesmo quando o anunciado não o é. Em relação a abril de 2012, a indústria cresceu 8,4%, com indicadores positivos em 23 das 27 atividades, 58 dos 76 subsetores e 63,4% dos produtos pesquisados. Obscurecendo o disseminado impulso positivo da indústria, em texto ininteligível, o jornal ressaltou o hiato que resta recuperar em relação aos níveis de 2011 (O Globo, 5/6/13, p.19). Humor de hiena.

Já em início de campanha eleitoral, o momento é oportuno para balanços críticos do governo e de suas políticas – e aqui faremos alguns. Faltam jornais capazes de identificar, divulgar e analisar os problemas reais, pois contam com recursos materiais para percorrer estados e municípios, registrando negligências e omissões. Postular dogmaticamente que o feito poderia ser feito melhor, é a forma mais leviana de um jornalão confessar que, apesar do que foi ou venha a ser feito, continuará contra, atravessando, além do samba, a caminhada.

* WG assina, às quinta-feiras, a coluna Cafezinho com Wanderley.

Carta Potiguar

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