Rio Grande do Norte, segunda-feira, 29 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 13 de julho de 2013

O Homem de Aço

postado por Mario Rasec

man_of_steel_ver8_xxlgMesmo que Superman não seja seu super-herói favorito ou que nem mesmo você se interesse por essa coisa de super-herói, o homem de aço está no imaginário coletivo por gerações, desde a nossa infância até a vida adulta, como o modelo do super-humano indestrutível e protetor da humanidade, com sua roupa colorida, sua capa esvoaçante e sua cueca sobre as calças. Isso não é à toa se levarmos em conta que Superman é o precursor de tudo que surgiu no gênero quadrinhos de super-heróis.

Desde a era do talentoso e saudoso Christopher Reeve não se fez um filme à altura do ícone dos quadrinhos que reativasse uma boa franquia para o cinema da mesma forma que Christopher Nolan fez com Batman. Pensando nisto, na bem sucedida franquia do Cavaleiro das Trevas (e no fracasso do filme-homenagem de Bryan Singer), os executivos da Warner convidaram Nolan para “supervisionar” e roteirizar o Homem de Aço, e Zack Snyder (responsável pela adaptação da “inadaptável” e aclamada série de quadrinhos Watchmen) para a direção.

O Homem de Aço traz um esperado amadurecimento, uma nova roupagem ao Superman. Não me refiro a ausência da cueca sobre as calças no seu característico traje, mas a uma forma mais “realista” trazida por Christopher Nolan e muito bem vinda para os dias atuais onde os quadrinhos e os filmes que os adaptam não são mais os mesmos de antigamente. O herói perdeu finalmente sua inocência assim como muitos super-heróis clássicos perderam desde que Frank Miller refez o mito do homem morcego.

O tom do novo filme do herói está muito mais sério do que jamais esteve. Muita coisa mudou nesse reboot. Nem mesmo Krypton é aquele planeta com aquele tedioso branco e nem Jor-El é um cientista pacato. Este, interpretado talentosamente por Russell Crowe, tem muito mais destaque, principalmente no inicio quando demonstra a mesma determinação e força de vontade que seu filho herdará. O general Zod também mudou bastante, e para melhor. Suas motivações são bem exploradas e a ótima interpretação de Michael Shannon derrubam aquele velho estigma de super-vilões rasos em que a ganância e a busca de poder era a única motivação para antagonizar o herói. O extremismo de Zod e sua inflexível vontade são justificados pela ótima abordagem do personagem que o roteiro de Christopher Nolan e David S. Goyer lhe deu e pelo ator que o interpreta. Por outro lado, Amy Adams desenvolve uma Lois Lane tão determinada quanto as suas antecessoras, mas me pareceu mais centrada e responsável (e que não tem aquele problema, dos filmes anteriores, em não saber como se escreve certas palavras). Embora que, talvez como referência ao clássico filme de Richard Donner, ela sempre esteja despencando de algo para, no último momento, ser salva pelo seu herói.

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Esqueça o humor característico da filmografia passada do herói. O Homem de Aço não abre muito espaço para alívios cômicos (a não ser uma cena que provavelmente faz referência ao personagem do caminhoneiro no filme de 1980, Superman II).  Ele segue uma seriedade que não esquece uma boa pancadaria digna dos gibis com épicas destruições, mas que lança mão de uma poética que remete ao belo A Árvore da Vida de Terrence Malick, principalmente nos inúmeros flashbacks que, espalhados em toda projeção, ajudam na construção da personalidade desse novo Superman/Kal-El (Henry Cavill). Logo após a nave do pequeno Kal-El chegar a Terra, há uma brusca e radical elipse que corta anos daquilo que conhecemos tão bem, permitindo apenas que parte dessa história seja contada por flashbacks bem encaixados na narrativa.

Nolan e Goyer desenvolvem um universo que, assim como no Cavaleiro das Trevas, torna o Superman um personagem palpável, possível na medida em que foi construído o peculiar realismo do filme. A recusa do diretor do Planeta Diário (Lawrence Fishburne) de publicar uma matéria da sua premiada repórter Lois Lane, por conter elementos fantásticos demais para o jornal, mostra o quanto pesa sobre a realidade dos seres humanos o repentino surgimento de um universo que permita a existência de extraterrestres poderosos e de um super-herói com poderes quase divinos como o Superman.

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Entretanto, particularmente acho dispensável a insistência em fazer referencias da mitologia do personagem à mitologia cristã. Explorado bastante no filme anterior de Bryan Singer, aqui também há abordagens mais sutis, embora neste o herói também abra os braços em cruz diante do planeta. Embora eu não seja cristão e não veja nenhuma ofensa a tal religião, e que o Superman seja quase um deus dentro da própria mitologia que abrange os super-heróis da DC (e como o próprio Jor-El diz, num momento do filme, de que seu filho será considerado um deus no planeta Terra), é, acima de tudo, uma mitologia claramente politeísta. Assim, embora se espelhe no mundo real com suas religiões monoteístas dominantes, não deviria, a meu ver, usar o personagem do homem de aço como símbolo de valores cristãos. Pois isso faz parecer que essa bondade e sentimento de justiça que Kal-El carrega consigo fosse monopólio de uma crença cristã, e não da bondade oriunda do seu próprio caráter e da criação dos pais terráqueos. Neste ponto, porém, o filme traz nas entrelinhas justamente certa discussão sobre a origem dessas características ao colocar o herói diante do seu antagonista, o general Zod, mostrando, contraditoriamente, um discurso que não se limita ao um simplório maniqueísmo típico da dualidade de uma mitologia como a cristã ou dos primeiros gibis de super-heróis. E isto reforça mais ainda a ideia do quanto foi desnecessário incluir as breves comparações entre Kal-El e Cristo.

As referências a mitologia cristã, porém, por serem mais sutis, não atrapalham o desenvolvimento do excelente enredo do filme. A forma como foi construído o universo do herói kryptoniano e sua excelente direção tornam O Homem de Aço uma porta promissora que se abre para uma bem sucedida (e lucrativa) franquia, e, assim, abrir espaço para finalmente agregar o universo DC nos cinemas.

Ps: Minha maior queixa em relação ao filme foi o seu 3D que aqui serve apenas para engordar os lucros da bilheteria, já que se mostra, além de totalmente dispensável, um elemento praticamente inexistente e que não facilita quase nenhuma imersão durante a projeção. E também me incomodou a forma como ele foi distribuído nos cinemas da cidade (Natal), deixando para o tradicional 2D apenas cópias dubladas.

 

Ficha técnica

Título original/país/ano: Man of Steel (EUA , 2013)

Direção: Zack Snyder

Roteiro: Christopher Nolan, David S. Goyer

Elenco: Henry Cavill, Diane Lane, Amy Adams, Michael Shannon, Kevin Costner, Ayelet Zurer, Russell Crowe, Harry Lennix, Lawrence Fishburne, Christopher Meloni, Antje Traue, Richard Schiff

 

Mario Rasec

Designer gráfico, artista visual, ilustrador e roteirista de HQs. Autor de Os Black (quadrinho de humor) e de outras publicações.

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