Rio Grande do Norte, quarta-feira, 15 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 12 de dezembro de 2013

A Aceitação da Realidade Como Etapa Essencial no Combate à Violência Contra a Mulher

postado por Ivenio Hermes

Ativismo Diuturno em Busca de Soluções

Por Ivenio Hermes

As novidades legislativas brasileira nem sempre possuem capacidade de perdurar no tempo e no espaço territorial nacional, assim como o brilho dos fogos comemorativos rapidamente desaparece, assim também some a esperança da plena efetividade de uma nova lei cujo teor não foi respaldado por políticas de segurança pública bem fundamentadas.

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(Publicado em parceria com Cezar Alves via Jornal De Fato/Retratos do Oeste)

Assim é a Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, que sem dúvida representa um avanço legislativo, mas que não teve contrapartida nas políticas públicas de segurança, resultando na perda de sua ação redutora nas taxas de feminicídio, que permanecem com índices estabilizados após seu impacto inicial em 2007, ano em que entrou em vigência.

Em sete anos de vigência, a Lei Maria da Penha esbarra na falta de conscientização de policiais e na própria qualificação do efetivo que lida no combate à violência contra a mulher, além de fatores culturais, do rescaldo machista da sociedade e em diversos outros fatores que deveriam ter sido trabalhados paralelamente. Nesse aporte Garcia et al. (2013) destaca:

As diferenças regionais observadas podem representar padrões diferentes dos feminicídios, relacionados com a aceitação cultural da violência contra a mulher e sua ocorrência. (GARCIA et al., 2013, pág. 04)

E embora as associações de defesa de mulheres insistam em afirmar que a legislação tem sido efetiva na redução do feminicídio, Leila Posenato Garcia, técnica do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), destacou no lançamento da pesquisa sobre violência contra a mulher que, mesmo sendo a legislação mais avançada do mundo no combate à violência contra a mulher, a LMP não reduziu os assassinatos de mulheres no país.

O Estudo do Ipea estapeia os que afirmam que a redução do feminicídio se deu por conta da LMP, pois conforme relatório final, de 2009 a 2011, “ocorreram mais de 50 mil mortes de mulheres por causas violentas, o que equivale a uma morte a cada hora e meia”.

No estudo constatou-se que não houve redução das taxas anuais de feminicídio, pois foram analisados de forma comparativa os períodos imediatamente antes e depois da vigência da Lei.

O gráfico abaixo ilustra como as taxas de mortalidade por 100 mil mulheres se mantiveram na média, sendo no período 2001-2006 (antes) uma média de 5,28 e no período de 2007-2011, portanto depois, a taxa ficou 5,22. Note ainda que no início do interstício analisado, no ano de 2001, a taxa era de 5,41 e em 2007 já se chegou a 5,43, isto é, uma redução muito diminuta para o objetivo da Lei.

Pesquisa IPEA 1

Esse retorno aos índices registrados cinco anos antes da principal legislação aplicada no combate à violência contra a mulher, é a prova da lentidão evolutiva de nossa sociedade no tangente aos costumes, à permissividade machista, ao induto velado à misoginia e a falta de percepção dos gestores públicos brasileiros que se preocupam muito em legislar e pouco em garantir a eficácia da legislação.

O Poder Judiciário também continua muito devagar em contraste com a letra evoluída dessa legislação.

Outro avanço muito alardeado é o número de denúncias, realizadas em sua maioria através do número 180, mas a consubstanciação das investigações e da persecução penal não tem como seguir as denúncias, seja pela falta de efetivo policial ou pelo medo que as vítimas continuam sentindo da falta de proteção estatal.

A falta de políticas públicas de segurança fundamentadas é outro fator que contribui para que o trabalho realizado pelas entidades de proteção à mulher não tenham o eco que a legislação quis produzir. Além disso, a qualidade de informação obtidas, que são sempre as principais preocupações dos pesquisadores porque refletem diretamente na análise dos dados obtidos, podem servir para entendermos a falta de relatos, a discrepância entre valores regionais e outros, como o próprio estudo do Ipea menciona:

São reconhecidas as diferenças na qualidade da informação do registro de mortalidade entre as regiões do país. Deficiências na cobertura e qualidade do sistema podem explicar a observação de que alguns estados localizados nas regiões Nordeste e Norte, como Piauí, Maranhão e Amazonas, apresentaram taxas inferiores aos demais estados destas regiões. (GARCIA et al., 2013, pág. 04)

Numa pesquisa que abrangeu o período entre 2009-2011, foram estimadas com base nos registros do SIM – Sistema de Informação sobre Mortalidade, 16.993 mortes, resultando em uma taxa corrigida de mortalidade anual de 5,82 óbitos por 100.000 mulheres, sendo que o destaque foi para a Região Nordeste, cujo índice foi para 6,90 assassinatos.

Media Feminicida nos EstadosA violência contra a mulher não compreende somente assassinatos, existem agressões diárias que fatores culturais e a permissividade machista encara como se fossem meras piadas e que podem ser fatores iniciais que alavancam o processo criminoso.

Como relatamos nos outros artigos dessa série, violências verbais, assédio, a pornografia da vingança, a misoginia desenfreada, a agressão doméstica, o estupro e outros crimes fazem parte do espectro dessa faceta vergonhosa do gênero masculino, que insiste em impor sua falsa supremacia sobre a mulher. A morte, o assassinato são as consequências extremadas dessa violência que muitas vezes nasce dentro da própria casa.

O ativismo no combate a essa modalidade de crime deve ser o mais acirrado possível, assim como se deve fazer em nome de todos os crimes.

Lembrando da fotógrafa Noah Kalina, cujo ensaio transformado em vídeo usava imagens de seu rosto mostrando a evolução do abuso e da violência doméstica, o ativismo no combate a essa modalidade de crime deve ser o mais acirrado possível, assim como se deve fazer em todos os crimes.

Portanto o combate deve ser cultural, legal e policial, promovendo ações que explorem adequadamente a legislação, pois não adianta aprovarmos mais leis sem criarmos os meios de efetivá-las através de agentes encarregados de aplicar a lei que tenham capacidade de fazer o trabalho.

Precisamos lembrar que os feminicídios são crimes que podem ser evitados, e que os 16 dias de ativismo no combate à violência contra a mulher, deve ser um evento diuturno em 365 dias por ano, numa integração total de forças para reduzir ou quiçá banir essa prática de nossa sociedade.

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REFERÊNCIA:

GARCIA, Leila Posenato et al. Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil (Sum). São Paulo: Ipea, 2013. 5 p.

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SOBRE O AUTOR:

Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Colaborador e Associado Pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Integrante do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.

Ivenio Hermes

Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Integrante do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial. Facebook | Twitter | E-mail: falecom@iveniohermes.com | Mais textos deste autor

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