Rio Grande do Norte, domingo, 28 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 9 de abril de 2014

Infância roubada e a sociedade hipersexualizada

postado por Anderson Soares

imagesA sociedade contemporânea parece não se preocupar com os aspectos éticos e morais relativos à formação de nossas crianças, pois o desleixo é evidente quando assistimos as mesmas sendo expostas a estímulos nocivos e comprometedores ao processo de construção de identidade. Principalmente, no que se refere à sexualidade, em que meninas e meninos são bombardeados com estímulos que não são capazes de corresponder psíquica e emocionalmente.

Sociedade hipersexualizada é aquela que concebe , sem escrúpulos, violentos estímulos pornográficos através da grande mídia, com exposição de corpos idealizados e mensagens que estimulam o desejo. Principalmente, o corpo feminino sendo posto como objeto descartável e de satisfação machista.

A família contemporânea (com seus inúmeros arranjos), caracterizada por ausência de autoridades afetivas, permissividade e descumprimento de funções (com conivência da sociedade), não apresenta condições de proteger a infância de nossas crianças dos permanentes e doentios bombardeios sexistas e consumistas. Assistimos atônitos, meninas que se vestem como mulher e se projetam para o universo machista como “fêmeas” fatais.

São inúmeros casos de meninas (na faixa dos 8 anos) que já introjetaram a preocupação excessiva com a magreza e com roupas que valorizem o corpo. Gestos, músicas e poses sexuais fazem parte do cotidiano de crianças logo aprendem a banalizar a própria sexualidade. Numa vivência precoce de um mundo imaginário e de necessidades artificiais, em que as “celebridades” das capas de revistas são a referência máxima.

E os meninos? Estes logo são afastados do afeto da mãe para logo provarem que são “homens de verdade”. Aprendem a demonstrar seus ímpetos machistas a todo instante para se afirmarem dentro de seus grupos (quantidade de meninas e tamanho do pênis ajudam a afirmar seu “valor”). Como não aprendem a lidar com as emoções, comumente estão envolvidos em atos de agressividade e consumo de drogas.

A gravidez precoce (http://www.youtube.com/watch?v=FZg3MTvbHDU) é um problema de saúde pública cada vez mais comum, que “interrompe” a etapa de transição entre infância e vida adulta, como todas as suas particularidades psíquicas e emocionais. Um imenso número de filhos indesejados que são cuspidos para o mundo e serão “criados” por desorientados que mal sabem cuidar de si.

Crianças e pré-adolescentes recebem estímulos para o exercício de uma erotização precoce, mas emocional, física e psiquicamente não tem condições de vivenciar e assumir as responsabilidades e consequências de seus atos. Exatamente no momento primordial de suas vidas não receberam o que tanto necessitam para a construção de identidade sólida e consistente: acolhimento, afeto, interdições e principalmente exemplos e referenciais éticos e morais de suas autoridades afetivas (ou cuidadores).

Por conta da falta de orientação e acolhimento de seus cuidadores, crianças e adolescentes expõem-se nas redes sociais com pouco cuidado e são vulneráveis à banalização de suas imagens e ao assédio de pedófilos. Curiosamente, parte grande de pais e mães não tem interesse em monitorar seus filhos nas inserções no mundo digital.

Meninas, que aos 13 anos não tiveram sua primeira experiência sexual ( e ainda brincam de boneca), são tidas como estranhas e logo ridicularizadas. A situação dos meninos é muito pior, pois precisam logo se afirmar como machos em seus grupos, sendo fundamental a execução e principalmente a EXIBIÇÃO de seus feitos sexuais como troféus.

Por conta da permissividade de seus cuidadores e da falência das funções paternas/maternas, crianças perambulam vulneráveis aos apelos para serem “mulheres de verdade” e “gente chique”. E por este motivo, sem condições de desenvolver o importante senso de preservação pessoal e noções de autocuidado. Banalização e busca por visibilidade estão na ordem do dia, mesmo entre crianças e adolescentes.

Mãe e pais contemporâneos também receberam formação sexual precária e por este motivo são conseguem lidar com o despertar da sexualidade de seus filhos. Mesmo com toda hipersexualização de nossa sociedade, parte significativa dos adultos se constrange ao falar da própria sexualidade. O mesmo pode ser dito para o ambiente escolar em que educadores (parte significativa) também são meros reprodutores do silenciamento e hipocrisia no que diz respeito à educação sexual de nossas crianças e adolescentes.

Parece que mãe e pais contemporâneos têm pouco a ensinar, são incapazes de reconhecer que ser responsável pela formação e educação de uma criança é uma das tarefas mais difíceis do mundo. São incapazes de exercerem autoridade afetiva e fazer as importantes interdições dos ímpetos narcisistas de crianças e adolescentes que a todo instante vivenciam dificuldades em lidar com as diferenças e frustrações comuns.

O perfil destas mães e pais mencionados independe de suas condições estéticas e econômicas (como apontam os preconceituosos: forma e conteúdo), são brancos, negros, pobres, ricos, heteros e homossexuais, que vivenciam a precariedade emocional cada qual em seu contexto, mas que essencialmente estão no mesmo patamar. Independente de embalagem.

O exercício de uma parceria entre escola e família seria a mais importante ferramenta para proteger a infância de nossas crianças, ajudando-as a processar e discernir os estímulos diários, no que tange consumismo e sexismo. Mas estas duas importantes referências estão alquebradas e parecem impotentes diante da ausência de limites e das práticas narcísicas (sem as necessárias interdições) de nossos adolescentes.

A sociedade (individual e coletivamente) precisa refletir sobre qual o projeto de vida oferecer para nossas crianças e adolescentes, pois se nada for feito, os grandes referenciais ( e exemplos a serem seguidos) dos mesmos, continuaram à ser Valeska Popozuda, Mr. Catra e os participantes do BBB.

Para enriquecer o tema, sugerimos os documentários “Criança: a alma do negócio” (produzido pelo Instituto Alana -2008: http://www.youtube.com/watch?v=49UXEog2fI8) e “Meninas: gravidez na adolescência” (produzido por Sandra Werneck: http://www.youtube.com/watch?v=KaVDBiZ-bdM   )

Anderson Soares

Escritor.

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