Rio Grande do Norte, segunda-feira, 29 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 13 de setembro de 2014

Financiamento de campanhas eleitorais e reforma politica

postado por Carta Potiguar

Por Homero de O. Costa

(Cientista Político e Professor do Departamento de Ciências Sociais da UFRN.

fin iiEntre os dias 2 a 7 de setembro foi realizada a Semana Nacional de Luta pela Reforma Política Democrática, uma iniciativa de mais de 400 entidades da sociedade civil articuladas na Plataforma Nacional dos Movimentos Populares para uma Constituinte Exclusiva  e Reforma do Sistema Político Brasileiro. O objetivo da semana foi o de consultar a população para saber se ela é ou não favorável à convocação de um plebiscito para a realização de uma Constituinte Exclusiva e Soberana do sistema político e ao mesmo tempo, recolher assinaturas para um Projeto de Lei de Iniciativa Popular para uma “reforma política democrática” (desde 1988 apenas quatro projetos de Lei Iniciativa Popular foram aprovados, entre eles, o mais recente, o da Lei da Ficha Limpa).

                 A iniciativa é louvável porque se depender apenas do Congresso Nacional, não haverá nem plebiscito e muito menos uma reforma política. Por isso, a necessidade de mobilização da sociedade civil organizada. A Plataforma Nacional dos Movimentos Populares elaborou um conjunto de propostas para uma ampla reforma política e entre as mais importantes estão duas que também tem sido defendida pelas comissões especiais de reforma política do Congresso Nacional desde 1995, sem que sequer sejam votadas em plenário. Trata-se do fim das coligações em eleições proporcionais (se aprovado significaria o fim das legendas de aluguel  que negociam, em troca de cargos e benesses, o horário eleitoral de rádio e televisão) e, talvez a mais importante,  porque decisivo nas campanhas eleitorais, aprovar o financiamento público exclusivo de campanhas, proibindo o financiamento privado.

            Para saber o quanto o financiamento privado é decisivo nas eleições, é importante o acesso aos dados disponibilizados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) , que, com base no artigo 36 da resolução 23.406/2014, tornam públicas as informações das prestações de contas dos partidos, candidatos e comitês financeiros, com a discriminação dos recursos arrecadados para financiamento de campanhas eleitorais. E nesse sentido, as duas parciais divulgadas a primeira em agosto e a segunda no início de setembro (dia 6) revelam as distorções e desigualdades do processo eleitoral brasileiro no qual o poder econômico, com o financiamento privado de campanhas, é cada vez maior. As eleições tornam-se cada vez mais caras. Segundo dados do TSE relativo às eleições de 2010 os gastos para campanha de um deputado federal foi, em média, R$ 1,1 milhão e para as eleições de outubro de 2014 a projeção é de que sejam em torno  R$ 3,5 milhões (e R$5,6 milhões para senador). E quem financiam as campanhas? Basicamente as grandes empresas (construtoras, em particular) e os bancos. Em 2010, 91% do total arrecadados pelos partidos e candidatos foi de empresas e em 2014, a segunda parcial revela que chega a 95%, no qual apenas três empresas, sendo duas construtoras (OAS e Andrade Gutierrez) e o frigorífico JBS doaram 39% do total arrecadado.  Há, portanto, um seleto grupo de doadores. De 15.733 pessoas físicas e jurídicas que contribuíram com mais de R$ 100 reais na primeira prestação de contas feitas em agosto de 2014, apenas 32 empresas foram responsáveis por 50% do total arrecadado, tendo o frigorífico JBS se destacado como maior doador (qual será o interesse de um frigorífico em financiar campanhas eleitorais?) com R$ 59 milhões, seguida pela construtora OAS.  Na segunda parcial (divulgada no dia 6 de setembro de 2014), conforme levantamento da Transparência Brasil e Estadão Dados, a Construtora OAS, o frigorífico JBS e a Construtora Andrade Gutierrez, juntas, doaram quase R$ 64 milhões para os três principais candidatos a presidente da República. A OAS doou R$ 17 milhões, a Ambev (fabricante de bebidas) R$ 16,7 milhões e a Construtora Queiroz Galvão, R$ 11,3 milhões, além de bancos (Safra, Bradesco, BTG Pactual, Itaú Unibanco – e que doou mais dinheiro para o candidato do PSDB, Aécio Neves – R$ 2 milhões), empresas de telecomunicações como a telemont, hospitais (9 de julho, de São Paulo), planos de saúde (Amil Assistência Médica Internacional S/A – que doou R$ 4 milhões para a campanha da presidente Dilma Rousseff – e Bradesco Vida e Previdência, etc), além de construtoras como Norberto Odebrecht, UTC Engenharia S/A (doou  R$ 5 milhões para a campanha da presidente Dilma Rousseff e R$ 1 milhão para a de Aécio Neves), MRV Engenharia e participações S/A, entre outras que doaram para candidatos e partidos  e coligações distintas, que evidencia o pragmatismo dos doadores. A OAS é a líder no ranking de doações, com R$ 26,1 milhões repassados nos três primeiros meses de campanha. A principal beneficiária foi a presidenta Dilma Rousseff, que recebeu 77% do total. O JBS vem logo a seguir, com R$ 26 milhões (inclui doações da empresa Flora Produtos de Higiene e Limpeza, do grupo JBS) e a Andrade Gutierrez que doou R$ 11,8 milhões. No total, a maior beneficiada foi a presidente Dilma Rousseff que até o momento (segunda parcial) já arrecadou R$ 123,6 milhões (cerca de cinco vezes o valor declarado pelas contas da campanha presidencial do PSB, partido de Marina Silva), ou seja, mais da metade dos cerca de R$ 200 milhões declarados por todos os presidenciáveis nas duas parciais entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em segundo lugar vem Aécio Neves (PSDB), com R$ 44,5 milhões, e em terceiro, Marina Silva cujo partido (PSB) declarou ter arrecadado R$ 24 milhões.

                O que vemos é poder econômico sendo cada vez mais decisivo nas campanhas eleitorais. Pelos dados da segunda parcial, são as grandes empresas e bancos que financiam as campanhas eleitorais e, assim a composição do Congresso Nacional (deputados federais e senadores) a exemplo da atual legislatura, deverá ser eleita, majoritariamente, financiada por eles e através de coligações (uma minoria é eleita com votos próprios) e a possibilidade de uma reforma politica que tenha o financiamento público como um dos objetivos, certamente não será aprovada. Daí a importância de iniciativa como a da Plataforma dos Movimentos Populares pela reforma do sistema político, porque, sem pressão população, não haverá reforma política e as eleições, cada vez mais caras, dependerão de financiamento de empresas, com suas  consequências (danosas)  para a representação política e para o sistema politico brasileiro.

Carta Potiguar

Conselho Editorial

Comments are closed.

Política

Marina, Malafaia e os espantalhos

Política

Dilma e a falácia do inchaço curricular