Rio Grande do Norte, sábado, 27 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 28 de dezembro de 2015

Ítalo, Jádson, Batista, Fabinho e Mateus

postado por Rafael Morais
Imagem extraída do curta Meninos do Sal

Imagem extraída do curta Meninos do Sal

Uma vila de pescadores, três meninos e uma prancha. Foi dessa maneira que a documentarista Lorena Montenegro simbolizou a realidade dos pequenos surfistas Batista, Fabinho e Mateus, da bela península de Galinhos, no litoral potiguar.

Tomei ciência da estória dos pequenos surfistas de gentílico curioso – os Galinhenses – através de uma entrevista veiculada na Intertv Cabugi, com apresentação de Murilo Meirelles e do amigo Thiago César. Lorena, diretora de “Meninos do Sal”, que também é praticante do surf, contou como surgiu a ideia de gravar o curta-metragem, que na verdade extrapola os limites de uma produção audiovisual e alcança o patamar de um gesto de carinho e amor extremamente sentimental.

Tanto que, exatamente aos três minutos e doze segundos de vídeo, Lorena esclarece em caracteres que na verdade aquilo se trata de “um projeto social, dez meninos e dez pranchas”.

Eu explico. Aliás, a sinopse do curta nos explica bem. Vejamos. Batista é um desses meninos que o mar ajuda a sonhar. Ele divide uma prancha quebrada com mais dois amigos – Fabinho e Mateus – e eles se revezam para poder surfar. O curta-metragem-projeto-social Meninos de Sal além de contar a história dos três personagens protagonistas, reuniu uma turma de amigos e propiciou a doação de pranchas, acessórios, brinquedos e roupas para uma molecada de Galinhos apaixonada pelas ondas.

O fato é que o esporte sempre influenciou a vida das pessoas e é um poderoso mecanismo de ascensão social. Como escreveu o redator-chefe da Carta Capital, Sérgio Lírio, “a maioria dos nossos craques, negros ou pardos, foi salva pela bola. Seu destino natural, em um país profundamente desigual e autoritário, seria engrossar as estatísticas das chacinas, a violência policial e urbana ou do subemprego”.

Definitivamente, o esporte salva, seja ele qual for, nos gramados do futebol ou nas ondas do surf. Quantos e quantos, por aí à fora, já foram salvos por uma prancha?! Além de formar campeões, a pratica esportiva possibilita desenvolver e aprimorar forças físicas, morais, cívicas e psíquicas dos educandos, e promover os princípios éticos da autonomia, responsabilidade, solidariedade, respeito ao bem comum, princípios políticos dos direitos e deveres da cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática.

A entrevista com Lorena finaliza com comentários eufóricos dos apresentadores, alimentando as esperanças de que a ação promovida pelo curta Meninos do Sal possa, um dia, ser o pontapé necessário para que surjam novos surfistas profissionais, quem sabe, com uma dose exagerada de otimismo, feita uma ventania de agosto, do gabarito de Ítalo Ferreira e Jadson André, potiguares na elite do surf mundial.

Mas eu pergunto, o que falta para Galinhos formar surfistas profissionais? Os Galinhenses já possuem o campo perfeito para a prática, as ondas do vilarejo de pescadores que cresceu entre as dunas, privilegiado pela beleza e desprovido de recursos, e já ganharam as chuteiras, as pranchas doadas por Lorena e seus amigos. Então o que realmente falta?

Sócrates Brasileiro nos ajuda a entender: “o esporte é fundamental para a socialização e é o mais barato meio e ferramenta para tal. Com um educador e uma bola eu transformo trezentas crianças em pouco mais de um mês. Eu as socializo só com a bola, mas tem que ter um educador”.

Com uma prancha também é possível transformar realidades, mas não é só isso. É preciso que o projeto Meninos do Sal cresça enquanto projeto social para uma intervenção contínua, bem maior que “apenas” doar – mesmo reconhecendo o ato de solidariedade humanizado e essencial que ela representou – os equipamentos para a prática da modalidade.

Falta o professor, o educador, aquele que educa, cuida, transmite valores, enfim, pratica a arte de ensinar e, principalmente, o mais importante, o financiador, seja ele do poder público ou privado, que faça isso tudo acontecer.

Para formar profissionais é preciso que se amplie a oferta de infraestrutura de equipamento público esportivo qualificado e que hajam políticas públicas que incentivem a iniciação esportiva em territórios como o de Galinhos, de vulnerabilidade social. Pode ser na escola, em praça pública ou até mesmo nas ondas onde os meninos Galinhenses passam boa parte dos seus dias.

E tem mais. É necessário também o investimento em competições de alto rendimento para que esses jovens ganhem visibilidade de mídia e captem patrocinadores. É preciso dinheiro para fazer acontecer.

Caminhos existem. As Prefeituras devem fomentar a prática esportiva. Existem diversos projetos federais que podem ser implementados em nível municipal. É preciso buscar esses investimentos.

É necessário também que entidades organizadas da sociedade civil submetam seus projetos nos diversos editais públicos e privados de captação de recursos, como a Lei de Incentivo ao Esporte – Lei 11.438/2006 – que permite que empresas e pessoas físicas invistam parte do que pagariam de Imposto de Renda em projetos esportivos aprovados pelo Ministério do Esporte.

É vital que se crie uma estrutura física e organizacional para que esses pequenos surfistas possam, um dia, se tornarem campeões.

É primordial fomentar o esporte como um meio transformador de realidades.

É indispensável que projetos como o Meninos do Sal tenham continuidade e apoio financeiro. Não acaba aqui.

É fundamental que tudo isso seja levado a sério, para que exemplos de amor ao surf como esse possam, enfim, se materializar na formação de novos talentos.

Talentos como Ítalo, Jádson, Batista, Fabinho, Mateus e os meninos do sal.

 

Rafael Morais

Comunicador Social pela UFRN. Experiência em assessoria de imprensa esportiva e atuação em televisão. Áreas de interesse: literatura e esportes em geral, com ênfase no futebol como a "teatrialização das relações humanas".

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