Rio Grande do Norte, sábado, 27 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 21 de maio de 2020

Frente Ampla em defesa da democracia e contra o fascismo

postado por Gustavo Vilella Whately

Por Homero Costa

 

No dia 15 de maio de 2020, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) numa entrevista ao jornal O Globo, comunicou sua desistência da candidatura à Prefeitura do Rio de Janeiro, e o fez num momento  em que as pesquisas apontavam suas chances de ir para o segundo turno.

Na entrevista  afirmou que desistiu de concorrer por não conseguir uma unidade no campo da esquerda para uma aliança que aumentasse as possibilidades de vitória mas pensava também na importância de uma Frente Nacional para o enfrentamento de um governo com um presidente “tosco, violento e autoritário”.

E para derrotar o que ele representa  é preciso mais que responder as crises que provoca: “Tem que ir além. Temos que vencê-lo com um projeto que seja melhor que o dele. Qual é o nosso projeto? E aí acho que o desafio que está colocado é construir uma proposta calcada no combate às desigualdades e na garantia de direitos. Temos que retomar a Constituição de 1988. Precisamos de um projeto que não seja meu, do (Fernando) Haddad, do Ciro (Gomes), de quem for. Estou pedindo uma unidade tanto no Rio quanto em outros lugares”.

Considera, como muitos, que o governo Bolsonaro é uma ameaça à democracia. E  indaga: “Por que tanta gente competente está assistindo a um incompetente no poder? Algum erro todos nós cometemos e estou me incluindo. Estou tendo um gesto de chamar para a unidade. Não é possível que o tamanho dessas diferenças sejam maiores do que a ameaça do fascismo”.

A questão relevante é chamar à atenção para que não se repita o que ocorreu nas eleições de 2016, na qual a esquerda estava dividida e fragilizada, mas se articular agora, em outro contexto, “diante de uma ameaça fascista e de um governo autoritário”.

Trata-se para ele da possibilidade de ganhar no Rio de Janeiro, mas “perder o Brasil e a própria democracia que está ameaçada” e  especialmente, com suas brigas e divisões possa contribuir para isso, ou seja, “com o campo democrático se enfrentando e se engolindo, correndo o risco de não ter eleição em 2022”.

Como ocorre em formação de Frentes Amplas, há diferenças entre os partidos mas como ele diz, o tamanho das diferenças não devem ser maiores do que a ameaça do fascismo:  “Todos deveriam estar juntos no projeto para derrotar o Bolsonaro. Não tem cabimento nesse momento ataque entre nós. Não tem nenhum sentido, diante do risco à democracia, um conflito nesse ponto”.

Um aspecto relevante para os partidos de esquerda e de oposição ao atual governo  é exatamente saber a possibilidade de se construir uma frente ampla em defesa da democracia e contra o fascismo.

Tem de ser mais ampla do que a tática  para disputar uma eleição e mais do que uma Frente Única de Esquerda. É isso que o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B) tem defendido. Para ele “ou fazemos uma Frente Ampla ou perderemos de novo”, ou seja, “ou nós fazemos uma  Frente Ampla do nosso lado ou o outro lado faz e nos ganha”.

Para isso, é preciso ter clareza dos caminhos táticos e estratégicos. Uma Frente deve ter  como objetivo construir as condições para sucessão, mas também tem de ter um programa que seja alternativo, consensual e viável.  O problema é:  Qual programa?

É possível  construir uma unidade num contexto de retrocessos sociais e políticos, de destruição de direitos, ameaças às liberdades democráticas e  à soberania do país? Sim, possível e necessário. Mas, quem fará parte dessa Frente Ampla e com que programa?

E mais: como fazer isso sem mobilização social? Certamente uma Frente Ampla não terá êxito se for limitada  às articulações das cúpulas partidárias.

Já houve várias  tentativas de constituição de Frentes Amplas na história política brasileira. Da Aliança Nacional Libertadora (ANL) em 1935, uma Frente Ampla Antifascista  e Anti-imperialista, num contexto, como hoje,  de crescimento do fascismo no  país. Criada em março de 1935 cresceu rapidamente mas foi colocada na ilegalidade pouco depois, no dia 11 de julho, com base na Lei de Segurança Nacional (portanto, antes da ditadura do Estado Novo, iniciada com o golpe de  7 de novembro de 1937).

Outra experiência foi a Frente Ampla formada em 1966, em plena ditadura militar. O lançamento da Frente  foi oficializado  depois da edição do Ato Institucional n. 2 (27 de outubro de 1965) que, entre outras medidas, acabou com  eleições diretas para a presidência da República. Um ano depois, no dia 28 de outubro de 1966,  o jornal  Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, publicou um manifesto, assinado apenas por ele, no qual exigia restauração do regime democrático, ele que foi um dos articuladores na Guanabara do golpe em março de 1964. No entanto,  o Ato Institucional,  acabou com suas pretensões de se candidatar à presidência da República e o levou a se articular com dois de seus adversários, Juscelino Kubitschek e João Goulart.

Primeiro com Juscelino, que estava exilado em Portugal.  No dia 19 de novembro de 1966,  publicaram a Declaração de Lisboa,  na qual afirmavam  estarem dispostos a trabalharem juntos numa frente ampla de oposição ao regime militar e só no final de setembro de 1967, foi publicada uma nota assinada pelos três,  caracterizando a Frente Ampla como um “instrumento capaz de atender ao anseio popular pela restauração das liberdades públicas e individuais”.

Mas não durou muito. No dia 5 de abril de 1968, através da Portaria nº 177 do Ministério da Justiça, foi proibida todas as atividades da Frente Ampla (manifestações, reuniões, comícios, passeatas), com ordens para detenção dos que violassem a proibição.

Outra Frente, mas de partidos conservadores e de direita foi a que garantiu a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral em 1985,  resultado de um acordo entre o PMDB, a chamada Frente Liberal, uma dissidência do PDS  e que mais tarde fundaria o PFL.  Ficou conhecido como Aliança Democrática. Com amplo processo de negociações, que incluiu os militares, houve uma transição sob controle, sem participação da esquerda e sem ruptura mais profunda com a ditadura, diferente do que  ocorreu em outros países, como Argentina, Chile e Uruguai.

 

Com o retorno aos governos civis e a democracia, as tentativas de frentes por parte da esquerda  visavam eleições presidenciais, como a primeira pós ditadura, em 1989. Mas, enquanto a direita se uniu em torno de Fernando Collor, a esquerda se dividiu e perdeu. O mesmo ocorreu nas eleições de 2018, com a vitória da extrema direita e a esquerda  mais uma vez, dividida e derrotada.

As vitórias nas eleições presidenciais de 2002, 2006, 2010 e 2014  foi, entre outros fatores, porque o PT conseguiu construir uma aliança mais ampla.

No entanto,  essas alianças não se repetiram nas eleições de 2018. Nas discussões que a antecederam,  quando Lula liderava as pesquisas de intenção de voto e ainda não havia sido julgado, condenado e preso,  não havia consenso em torno do apoio a ele. Com a impossibilidade de Lula se candidatar, o PT lançou Fernando Haddad e só teve apoio no primeiro turno do PC do B e do Pros.  O PSOL se aliou ao  PCB  e o PDT com o Avante e mantiveram suas candidaturas, enquanto o PSB decidiu que não faria coligação formal com nenhum partido.

Uma das questões da época era a crítica por parte de alguns setores da esquerda de saber  se Lula governaria com as alianças que o PT fez nas eleições de 2002 a 2014. Numa entrevista a Folha de S. Paulo no dia 29 de dezembro de 2017  Marcelo Freixo (Psol) , indagava “como imaginar que depois de tudo que passou, dos ataques sistemáticos da direita, na mídia, no Judiciário e no Congresso Nacional, Lula ainda vá se recompor com esses  setores ‘em nome da governabilidade’? Tem de haver um programa e  compromissos que vão além de  uma tática eleitoral”.

A questão é: quais as chances eleitorais, e de viabilizar um governo de esquerda, sem construir alianças?

Nesse sentido, talvez a experiência de Portugal possa servir de referência e/ou reflexão porque  tem hoje o único  governo de esquerda na Europa. A articulação de esquerda a partir de 2016 mostrou que, apesar das diferenças que dividem os partidos,  foi possível se unir, ganhar as eleições  e  construir um programa de governo partilhado.

O que ocorreu em Portugal foi a formação de uma  coligação chamada de Geringonça.  E não foi fácil. Exigiu muitas negociações, havia muitas divergências, no entanto, o importante é  que chegaram a um acordo, com concessões mútuas e governam o país.

E esta parece ser uma lição importante para o Brasil.  A esquerda em Portugal, fez algo que  a esquerda no Brasil precisa fazer:  entender-se entre si para um projeto comum. A experiência histórica no país mostra o quanto é difícil, mas este deve ser o  caminho.

Os partidos têm todo  direito de lançar candidaturas, disputar os espaços, mas  há momentos, como o que o Brasil vive, com um governo de extrema direita,  que é fundamental  construir uma frente mais ampla,  impedir que a direita  se beneficie com a divisão da esquerda como ocorreu em 2018,  e  garantir as condições não apenas para ganhar a eleição, mas de governar, daí a necessidade de ir além das disputas internas e se unir no essencial, como faz a direita.

E nesse momento, faz sentido o apelo do antropólogo e cientista político Luiz Eduardo Soares. No artigo Apelo à unidade antifascista  faz uma defesa da formação de uma ampla frente antifascista. Afirma que  com  o país  está à beira do abismo, com ameaças seguidas de golpe por parte do que ele chamou de “garimpeiro genocida do Planalto”,  e que  se “o que nos resta de democracia e de respeito constitucional está se esvaindo a cada dia, ante o avanço do fascismo, é porque, além de um vasto conjunto de fatores que não controlamos, alguns erros nós cometemos, entre eles subestimar o potencial de contaminação e de letalidade do fascismo no Brasil” e propõe, como “imperioso e inadiável,  uma grande concertação de todas as forças antifascistas, as quais não se esgotam nas esquerdas”.

Num momento que “as milícias estão a postos, segmentos policiais estão a postos, grupos se armam, setores das Forças Armadas aquecem os músculos e unificam o discurso ameaçador. E o que fazemos? Vamos continuar com as disputas miúdas de egos, carreiras, doutrinarismos sectários, calculando quantas cadeiras faremos nas Câmaras municipais, como ultrapassaremos a cláusula de barreira em 2022, como fortaleceremos nossos pré-candidatos à presidência?”

E defende o gesto de Marcelo Freixo, concluindo afirmando que “Ninguém mais se erguerá ao lado de Freixo, mostrando estar à altura de seu gesto e se somando a ele na convocação para um pacto antifascista?”.

Temo que poucos.  O gesto não teve consenso nem no seu partido.

Mas, o que fazer num momento de ameaças à democracia no país, com o avanço dos retrocessos e em defesa da democracia e contra o fascismo, se não à construção de um Frente Ampla, com um projeto alternativo que não se esgote em tática eleitoral?

A questão é: será possível a construção de uma Frente com tais propósitos? Em 2018 houve uma tentativa, antes das eleições de outubro:  no dia 18 de abril de 2018 foi publicado um manifesto assinado por sete partidos: PT, PDT, PCO, PSOL, PC do B, PSB e PCB convocando todos os setores sociais comprometidos com os valores democráticos para a formação de uma ampla frente social, formalizando a  Frente Nacional pela Democracia, Soberania e Direitos do Povo.

Naquele momento ela se formou com o objetivo de defender a democracia e a manutenção dos direitos que  estavam sendo violentados no governo golpista de Michel Temer.  Mas e agora? É mais do que necessária do que antes, com a violência, o ódio,  a intolerância e os atentados sistemáticos ao Estado Democrático de Direito.

Quando foi proposta e constituída em 2018 a Frente não visava apenas às eleições, mas  “estimular um amplo debate nacional contra o avanço do ódio, da intolerância e da violência”. Como ficou amplamente demonstrado, antes, durante e depois das eleições de outubro de 2018, não conseguiu e sequer no segundo turno da eleição,  formar uma ampla aliança dos partidos de oposição e de esquerda.

A lição que ficou é que a Frente, como outras antes dela,  não passou de (boas) intenções. No entanto, se torna cada vez mais imprescindível num momento em que há a necessidade de se enfrentar uma agenda antipopular e antinacional, de retirada de direitos, de desmonte das políticas públicas, dos atentados à soberania nacional e do fascismo que nos espreita.

Conseguirá fazer isso agora?

Gustavo Vilella Whately

Professor. Politólogo. Doutor em Ciências Sociais pela UFRN.

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