Rio Grande do Norte, sábado, 27 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 26 de março de 2024

As mudanças na Reforma do Ensino Médio é uma vitória para aqueles que encaram a educação como uma mercadoria

Cristiano das Neves Bodart é professor (UFAL) e doutor em sociologia (USP)

É consenso entre especialistas, educadores e estudantes que o ensino médio precisa ser reformado. No entanto, não há consenso sobre a direção das mudanças a serem implementadas. Contudo, há um consenso formado entre as grandes fundações educacionais empresariais de que é preciso tornar o ensino médio uma mercadoria lucrativa, assim como já ocorre com o ensino superior brasileiro.

O Projeto de Lei nº 5.230, de 2023, que altera a Reforma do Ensino Médio e foi aprovado na Câmara dos Deputados, é considerado uma grande vitória. No entanto, essa vitória não é compartilhada pela classe trabalhadora, pois representa principalmente os interesses dos empresários que buscam transformar a educação em uma mercadoria lucrativa. Desde os anos 1990, essas fundações têm buscado influenciar o currículo e a estrutura educacional brasileira para favorecer seus projetos econômicos. Em 2016, com o afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff, essas fundações conseguiram maior espaço nas decisões curriculares. Os anos seguintes foram cruciais para a implementação de uma reforma neoliberal e para analisar o que ainda precisava ser modificado para alcançar seus objetivos de forma mais eficiente e eficaz. O Projeto de Lei nº 5.230, de 2023, representa o ápice desse processo; é a cereja do bolo!

O projeto está repleto de aspectos que permitem às fundações educacionais empresariais aumentarem seus lucros com a educação, tudo de forma muito sutil, para que os desavisados o comemorem como se fosse uma vitória da classe trabalhadora. As 2400 horas são o chamariz principal.

Vale lembrar que 2400 horas era a carga horária das disciplinas básicas antes da Reforma do Ensino Médio, em 2017. A luta social pela ampliação da carga horária, garantida no Plano Nacional de Educação, converteu-se em uma ampliação de componentes curriculares com função questionável na formação dos jovens.

O projeto, no art. 35-B, § 3º, ao manter a possibilidade de “ensino mediado por tecnologia” (modalidade à distância), garante a redução de custos na oferta privada do ensino, além de abrir espaço para a comercialização dos chamados pacotes de “soluções educacionais”, um meio muito utilizado para transferir recursos públicos para o setor privado. Ao manter a figura do “notório saber”, mesmo que limitado aos cursos técnicos, o projeto cria possibilidades de contratar profissionais com custos menores, o que também leva à redução dos salários dos profissionais licenciados. Isso representa uma disputa no mercado: aumenta-se o exército de reserva para precarizar as condições de trabalho e reduzir os salários dos professores.

Também buscando a redução de custos e visando tornar a mercadoria educação mais lucrativa, o projeto mantém, em seu art. 36, os itinerários formativos. Por meio deles, é possível contratar professores não especializados ou aproveitar aqueles que já estão na escola privada, o que reduz os custos com contratações e direitos trabalhistas e amplia o lucro.

Ao abrir a possibilidade de aproveitamento de atividades extracurriculares para computar a carga horária, o projeto permite “vender” o ensino médio como um produto mais atrativo. Imagino as escolas privadas anunciando nos carros de som: “Matricule-se em nossa escola, aceitamos seus certificados e experiências como parte da carga horária!” Nada de novo, já que algo semelhante ocorre no ensino superior privado. Matrícula e certificado integrais, mas oferta parcial; o que também gera menos custos para as escolas privadas. Além disso, trata-se de um dispositivo antiescola, sobretudo por não limitar a carga horária a ser aproveitada a partir dessas atividades extracurriculares, que, inclusive, certamente serão quase sempre em condições precarizadas, sobretudo no que tange aos direitos trabalhistas.

O documento aprovado pelo Congresso Federal garante que a formação técnica e profissional, somada à formação geral básica, não ultrapasse 3000 horas, tornando o “produto” mais atrativo e evitando a contratação de mais professores, a demanda por ampliação da estrutura das escolas e custos maiores com a manutenção pelo uso prolongado, entre outros aspectos. Por isso, optaram por reduzir a formação geral básica ao invés de somá-la e oferecê-la de forma conjunta, como ocorre nos Institutos Federais. Trata-se de uma estratégia lucrativa para o setor privado que mercantiliza a educação.

O novo texto permite que os estudantes façam a seleção para o ensino superior em áreas de itinerários que não cursaram. Um olhar desatento entenderá isso como um espaço de liberdade de escolha. No entanto, de que adianta poder escolher se não tiveram formação para concorrer a uma vaga na universidade? Essa mudança tornará os cursos preparatórios pós-médio um mercado ainda mais lucrativo, já que os filhos das classes sociais privilegiadas buscarão se qualificar em várias áreas para serem mais competitivos. Para dissimular essa intenção, inseriram a possibilidade de os estudantes, ao fim do ensino médio, se rematricularem em outro itinerário formativo. Isso é feito como se a classe trabalhadora tivesse condições objetivas de prolongar sua permanência na escola.

O projeto, conforme aprovado, garante a manutenção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como diretriz orientadora da prática educativa, assegurando a formação de sujeitos neoliberais precários, ou seja, aqueles que sustentam e defendem a lógica do capital, mesmo que sejam suas vítimas. Assim, há a garantia de que esses sujeitos irão acreditar que o sucesso e o fracasso dependem apenas deles, de suas capacidades de empreender e de planejar seu projeto de vida.

Por fim, o projeto mantém o estabelecido pelo Plano Nacional da Educação no que diz respeito à ampliação gradativa da carga horária do ensino médio para 1400 horas. Contudo, não atrela essa ampliação à formação geral básica, permitindo que tenhamos mais aulas de “brigadeiros caseiros”, o que garantirá condições para não ampliar a contratação de professores, inclusive na rede pública, não gerando a necessidade de novos concursos, o que garante a redução dos custos do ensino médio público, permitindo a manutenção do superávit primário e maiores investimentos no setor produtivo – já que a educação é, para os defensores do neoliberalismo, vista como um gasto e uma atividade improdutiva.

Está mais que claro que o “Lemann”, ops, o “lema” é: “Dane-se a classe trabalhadora! O importante é ser lucrativo!” – dizem eles.

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