Rio Grande do Norte, segunda-feira, 29 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 7 de abril de 2024

Migrações Internacionais: entre a crueldade da indiferença e a esperança da integração

postado por Miguel Dias

Miguel Dias, professor de Relações Internacionais da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira.

Num mundo, cada vez mais global, os fluxos migratórios internacionais emergem como fenômenos complexos e desafiadores. Diariamente, milhões de indivíduos atravessam fronteiras em busca de melhores perspectivas, tranquilidade e proteção. Movidos por uma variedade de motivos, todos convergem para um desejo comum: o anseio por uma existência digna.

Os migrantes buscam melhores oportunidades, paz e segurança, impulsionados por uma miríade de fatores que convergem para um anseio universal: a sobrevivência.

Para compreender a verdadeira magnitude desses movimentos, é necessário observar alguns números reveladores. Segundo dados da ONU, em 2019, o total de migrantes internacionais no mundo alcançou a marca de 272 milhões, representando um aumento de 51 milhões desde 2010. Esse contingente significativo constitui cerca de 3,5% da população global, evidenciando uma crescente interconexão entre países e povos em todo o planeta.

Os Estados Unidos despontam como o principal destino dos migrantes internacionais, com 51 milhões de pessoas em 2019, seguidos pela Alemanha e Arábia Saudita, cada uma com 13 milhões de migrantes. Em termos regionais, a Europa emergiu como o principal receptor, acolhendo 82 milhões de migrantes em 2019, seguida pela América do Norte e pelo Norte da África e Ásia Ocidental.

O Brasil, com sua rica história multicultural e tradição de hospitalidade, emerge como um destino vital para migrantes. Em 2023, o país já abrigava mais de 710 mil indivíduos deslocados à força, com os principais fluxos migratórios originados da Venezuela, Haiti, Bolívia e Paraguai. Esses movimentos são motivados por uma complexa interseção de fatores, incluindo crises socioeconômicas e políticas, violência, desastres naturais, reunificação familiar e atração por oportunidades socioculturais e econômicas no Brasil.

Os fluxos migratórios representam tanto desafios quanto oportunidades para o Brasil. Enquanto o país enfrenta a necessidade de expandir sua infraestrutura para atender às demandas dos migrantes, promover a integração social e cultural, combater a discriminação e gerar oportunidades de emprego, também tem a oportunidade de enriquecer sua diversidade cultural, impulsionar o crescimento econômico e fortalecer laços internacionais. Com políticas públicas adequadas e esforços colaborativos da sociedade civil, o Brasil pode se posicionar como um exemplo internacional de acolhimento e integração, construindo um futuro mais inclusivo e próspero para todos.

Além desses números e iniciativas, é alarmante notar que, somente em 2020, aproximadamente 40,5 milhões de pessoas foram forçadas a se deslocar dentro de seus próprios países devido a conflitos, violência e desastres naturais. Esse dado angustiante expõe a face cruel da guerra e da instabilidade em diversas regiões do mundo, evidenciando a necessidade urgente de abordar as causas subjacentes desses movimentos.

Essas estatísticas não apenas revelam a magnitude dos movimentos migratórios, mas também destacam a urgência de se adotar uma abordagem reflexiva e crítica para lidar com essa questão global. É essencial compreender a complexidade e a gravidade dos desafios enfrentados pelos migrantes e refugiados, bem como reconhecer a necessidade de solidariedade internacional e cooperação para enfrentar esses problemas de maneira eficaz.

As causas dos movimentos migratórios globais são profundamente entrelaçadas e multifacetadas, refletindo uma teia complexa de injustiças sociais, políticas e econômicas. Entre os principais impulsionadores desses fluxos populacionais, destacam-se diversos fatores:

(i) As guerras e conflitos armados emergem como uma das forças motrizes mais devastadoras da migração. Um exemplo é a Síria, mergulhada em uma guerra civil desde 2011, que resultou em mais de 6 milhões de refugiados, testemunhando-se assim uma das maiores crises migratórias da história recente.

(ii) Perseguições étnicas e religiosas também desempenham um papel significativo, forçando grupos minoritários como os Rohingya em Mianmar e os Uigures na China a buscarem refúgio em outros países, fugindo de violências e opressões sistemáticas.

(iii)  A extrema pobreza, especialmente em nações como o Haiti e a Somália, impulsiona indivíduos a procurarem melhores condições de vida além de suas fronteiras, tornando-os migrantes econômicos em busca de oportunidades mais promissoras.

(iv) Por fim, desastres naturais e mudanças climáticas, como furacões, inundações e secas extremas, também desempenham um papel significativo ao forçar o deslocamento de milhares de pessoas, como visto nos países do Sahel, na África.

Importa ainda compreender que as consequências dessas migrações são vastas e complexas. Para os países de origem, elas podem resultar na perda de mão de obra qualificada e no fenômeno da fuga de cérebros, representando obstáculos significativos ao desenvolvimento. Enquanto isso, para os países receptores, o desafio reside na integração dos migrantes, na garantia de seus direitos fundamentais e na promoção da coesão social para garantir uma convivência pacífica e inclusiva.

É de suma importância recordar que a migração é um direito humano fundamental, respaldado por uma série de instrumentos internacionais, incluindo a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção das Nações Unidas sobre o Refúgio. O acolhimento e a integração dos migrantes não apenas representam obrigações legais, mas também oferecem uma oportunidade valiosa para a construção de sociedades mais justas, inclusivas e dinâmicas.

Apesar de tudo, encontramos exemplos inspiradores quanto ao acolhimento de migrantes internacionais. A política de acolhimento de refugiados implementada pela Alemanha em 2015, apesar dos desafios, serve como um exemplo de como a integração pode ser bem-sucedida. O país oferece programas de apoio à aprendizagem da língua alemã, à inserção no mercado de trabalho e à integração social dos refugiados. No caso da Costa Rica, pequeno país da América Central se destaca por sua política de acolhimento de refugiados da Nicarágua, fugindo da repressão do regime de Daniel Ortega. O governo costa-riquenho oferece refúgio, acesso à saúde, educação e trabalho aos refugiados, demonstrando um compromisso com a proteção dos direitos humanos.

As políticas antimigratórias e a hostilidade da sociedade civil têm consequências devastadoras para os migrantes. Famílias são separadas, sonhos são destruídos e vidas são colocadas em risco. Em casos extremos, a negação de um refúgio seguro leva à morte de milhares de pessoas em travessias marítimas perigosas ou em conflitos armados em suas terras de origem.

Aos que se opõem à migração, dirijo uma mensagem de esperança: a diversidade e a inclusão são as chaves para um futuro mais justo e próspero. Abrir as portas para os migrantes não significa abrir mão de nossa identidade, mas sim enriquecer nossa cultura e fortalecer nossa comunidade.

Aos que lutam por um mundo mais acolhedor e tolerante, digo: continuemos resistindo à desumanização e defendendo os direitos dos migrantes. Juntos, podemos construir pontes de esperança em um mundo marcado por fronteiras.

Lembremos que, por trás de cada migrante, existe uma história, um sonho e a busca por uma vida melhor. Acolher e integrar esses indivíduos é um dever moral e um compromisso com a construção de um futuro mais humano e solidário para todos.

Nesse sentido, é importante promover a educação e sensibilização sobre a migração para combater os estereótipos negativos acerca dos migrantes, reforçar campanhas de conscientização e programas educativos que abordem tanto as causas quanto os desafios inerentes a esse fenômeno.

Para concluir, uma mensagem: governos, governantes, grupos populistas e cidadãos contrários aos fluxos migratórios são cúmplices de uma narrativa intolerante e desumana, que perpetua a marginalização e a exclusão de indivíduos em busca de dignidade e oportunidades, em detrimento dos valores fundamentais de humanidade e solidariedade.

Juntos, podemos construir um mundo onde a diversidade seja celebrada e a inclusão seja a regra, garantindo que todos os indivíduos, independentemente de sua origem ou situação migratória, tenham a oportunidade de viver com dignidade e respeito.

Miguel Dias

Professor de Relações Internacionais da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB)
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