Rio Grande do Norte, sábado, 27 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 30 de janeiro de 2012

Um Elefante universal

postado por Arthur Dutra

Quem tem a paciência de ler meus artigos já percebeu o quanto eu adoro malhar com o Elefante, o nosso RN, e seus costumes um tanto quanto peculiares. Não sou maldoso e não alimento ódio ou qualquer outro sentimento mesquinho no meu coração na hora de me postar diante do teclado para escrever essas coisas. Ao contrário! Para mim é uma grande diversão fazer tais anotações sobre a vida potiguar, a nossa vida.

Porém, não raro me perguntam por que deixo meu olhar sempre direcionado para as pequenas coisas da terrinha, ao invés de me ocupar de assuntos maiores e universais. Respondo dizendo que as pequenas coisas têm lá sua dimensão metafísica, bastante evidente ao leitor atento às entrelinhas, mesmo àquelas entrelinhas que o próprio autor não tencionou esconder no meio do texto.

Confio nos leitores, mesmo nos malcriados, e sei que dos meus pobres textos eles são capazes de extrair coisas grandiosas, dignas de uma reflexão, apesar da simplicidade franciscana que permeia o espírito e as palavras do escriba.

Pois muito bem, meus prezados. Faço esta introdução para dizer com satisfação que descobri que o Elefante e suas questiúnculas de manchete de jornal em nada diferem das grandes batalhas que a humanidade já viu serem travadas em todas as épocas e lugares. Cito um exemplo.

William Shakespeare, sim, ele mesmo, o grande dramaturgo de todos os tempos, nos legou uma tetralogia de tragédias históricas ambientadas na Inglaterra dos séculos XIV e XV, tratando das disputas pelo trono inglês entre famílias rivais, os York e os Lancaster, ambas, porém, da dinastia Plantageneta; ou seja, farinha do mesmo saco. Vejam que a semelhança é total com o Elefante já na introdução. Mas vamos adiante.

A série começa com a peça Ricardo II, um rei de caráter vacilante, influenciável e com inclinações tirânicas que vê dois dos seus principais aliados envolvidos em uma disputa por mais poder, movidos, claro, só por baixos interesses. São eles: Henrique Bolingbroke, o Duque de Hereford, que mais tarde viria a ser o rei Henrique IV, protagonista da continuação; e Tomaz Mumbray, o Duque de Norfolk. A arenga entre os dois duques resultou no exílio de ambos, determinado por Ricardo II, com um detalhe: Bolingbroke foi exilado por seis anos, enquanto Norfolk o foi por toda a vida. Por quê? Bolingbroke era primo de Ricardo II.

Agora digam se o Elefante está ou não de acordo com Shakespeare?

A segunda peça da série é Henrique IV, dividida em duas partes.

Na primeira, Bolingbroke, já coroado Henrique IV por usurpação do trono de Ricardo II, pede que seu primo Henry Percy, o Hotspur, lhe entregue alguns revoltosos aprisionados, só que este, também querendo algo em troca, condiciona a entrega dos prisioneiros ao pagamento de um resgate para libertação do seu cunhado Mortimer, o Conde de March, aprisionado por outro fidalgo rival. Ocorre que o Conde de March era o primeiro na linha sucessória do rei Ricardo II, deposto e assassinado por Henrique IV, cuja popularidade está em baixa. O que faz Henrique IV? Nega o pagamento do resgate por temor de que Mortimer venha a reclamar o trono usurpado por ele. Daí há o rompimento de Henry Percy, seu fiel colaborador na tomada da coroa, e dá-se inicio a uma rebelião, capitaneada por este e outros insatisfeitos com o rei.

Alguma semelhança com a cambiante politicagem paquidérmica?

Um detalhe interessante nesta primeira parte é que o Príncipe de Gales, herdeiro da coroa, Henrique Monmouth, tem por costume andar com sujeitos de reputação duvidosa em tabernas, festas e outros locais, se embebedando e cometendo desatinos os mais variados, dentre eles um tabefe em um juiz, valendo-se da sua condição de Príncipe para se safar.

Entendeu ou quer que eu desenhe?

Mas ainda temos mais.

Na segunda parte do Henrique IV temos mais uma rebelião liderada pelos sobreviventes da derrota narrada na primeira parte, dentre eles o bispo de York e o lorde Northumberland, pai de Henry Percy, morto em batalha pelo Príncipe de Gales.

Os exércitos do rei e dos rebeldes se postam frente a frente no campo de batalha. Como é praxe nas leis da guerra, há a oportunidade para parlamentar a fim de evitar o combate. Uma formalidade apenas, vez que as exigências de cada parte geralmente são inaceitáveis pela outra, de modo que sempre há combate. Assim o fazem. Surpreendentemente os combatentes selam a paz, com o rei prometendo atender a todos os reclamos dos revoltosos. A paz é festejada com viva alegria pelos revoltosos que, precipitadamente, liberam os soldados que aguardavam no acampamento a ordem para atacar. O Príncipe João de Lancaster, entretanto, não faz o mesmo e espera que o exército rebelde se dissipe com a notícia do acordo de paz para, logo em seguida, no próprio campo de batalha deserto, prender os líderes da revolta e executar a todos, traindo sua própria palavra empenhada.

Já viram algo semelhante por aqui ou mesmo no Brasil brazuquinha?

Depois, com a morte do rei Henrique IV, sobe ao trono Henrique V, o Príncipe devasso. Seus antigos companheiros, animados com a coroação do amigo de farras e presepadas, apressam-se em solicitar honrarias ao soberano, no que recebem um majestoso “não”, acompanhado da ordem para exilá-los a fim de não vexarem a real reputação de Sua Alteza.

Nada novo aqui também, hein?

Fechando a série temos a peça Henrique V, mas nesta, e apenas nesta, infelizmente não encontrei nada digno da grandeza dos acontecimentos atemporais ocorridos diariamente no Elefante. Ao contrário! Lá ele narra a história da famosa Batalha de Azincourt (25 de outubro de 1415), onde um exército menor, o do Rei Henrique V, derrota um maior, o do rei francês Carlos VI, coisa que nestas paragens nunca aconteceu, a não ser no Campeonato Estadual de Futebol, onde os pequenos clubes do interior aqui acolá beliscam um título em cima dos grandes América e ABC.

Vejam, portanto, amigos meus, que devem ter paciência comigo quando estiver me ocupando demais com os assuntos do Elefante, pois eles podem ter correspondência com outras histórias ocorridas em tempos passados, de modo a nos dar uma visão universal da própria humanidade, assim como fez Shakespeare nas peças acima referidas.

 

 

Fotos: Banco de imagens Google

 .

Arthur Dutra

Advogado. Editor, proprietário, patrocinador e único escritor do blog "Escritos Improvisados" (http://escritosimprovisados.blogspot.com). Twitter: @ArthurDutra_

One Response

  1. Paulina disse:

    Excelente comparaçâo com nossa terrinha, continue assim, pois tu és muito talentoso na escritaTorço muito pelo seu sucesso como escritor, pois és inteligente, corajoso e independente, pois a maioria dos noossos escritos na midia são de  amestrados.Parabéns que Deus lhe abençoe e olhe para ti.

Cidades

Depois de romper com Robinson Faria, governo do RN afirma que não irá mais implementar o “Ronda do quarteirão”

Cidades

Circo da folia de Pirangi: arena de verão ou arena romana?