Rio Grande do Norte, sexta-feira, 26 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 11 de janeiro de 2013

Neto Maranhão: morte, vulnerabilidade e desigualdade no Futebol

postado por Alyson Freire

O mundo do futebol é cercado de imagens e cenas que remetem esta tão adorada e lucrativa atividade à alegria, ao glamour e ao espetáculo. Imaginamos jogadores de futebol como astros milionários, e que desfrutam de tudo aquilo de bom que o dinheiro pode comprar. Em certo sentido, o mundo midiático do futebol e dos jogadores de futebol encena muitas das aspirações socialmente mais desejadas pelos jovens brasileiros; fama, carros luxuosos, muito dinheiro, mulheres bonitas, festas, etc.. De fato, poucos universos sociais esforçam-se tanto em exibir tanta ostentação quanto o futebol profissional. As estrelas do futebol são tratadas pelos empresários como grandes máquinas de fazer dinheiro, pela imprensa como grandes artistas e pelo público como ídolos. Dinheiro, fama e adoração parecem constituir os pilares do futebol profissional contemporâneo.

Se o mundo das estrelas do futebol é marcado pela movimentação de cifras milionárias, e tudo o que daí decorre como brinde e recompensa em sociedades midiáticas como a nossa, a infraestrutura do futebol segue, como padrão de aparição na mídia, similar extravagância; patrocínios e cotas televisivas milionárias, salários astronômicos, estádios e arenas modernos e suntuosos. Entretanto, esse mundo suntuoso e milionário é extremamente restrito e concentrado se comparado com a realidade do que é de fato o futebol vivenciado pela maior parte de seus profissionais.

Infelizmente, o contraste entre a realidade vivida e a realidade midiática do futebol somente emerge, em toda sua crueza, quando tragédias ocorrem. A morte do jogador do Potiguar de Mossoró durante o treinamento é reveladora da discrepância marcante entre o mundo das estrelas e jogadores de elite do futebol e a realidade precária e vulnerável que os outros profissionais enfrentam cotidianamente para desempenhar sua atividade. Num universo de 10 a 20 mil trabalhadores, uma parcela ínfima de profissionais gozam de salários elevadíssimos, de contratos longos e milionários, de infraestruturas privilegiadas em centros de treinamento modernos e de todos os mimos da atenção midiática, enquanto a maior parte dessa massa de jogadores, a “ralé” do futebol, tem de enfrentar baixos salários, contratos curtos e sazonais, condições precárias de treinamento e a invisibilidade social – além de muitos terem de, para preencher sua renda e sustentar suas famílias, intercalar a profissão de jogador com um segundo emprego.

O mis-en-scène das estrelas e dos grandes clubes-empresas do futebol acaba por escamotear a verdadeira realidade social deste esporte, qual seja: a desigualdade e a vulnerabilidade. O glamour das premiações e dos grandes campeonatos, os carros luxuosos, as roupas e acessórios caros, os sorrisos brancos e cabelos estilosos dos poucos astros e ídolos que formam a elite do futebol mascaram o outro lado da moeda, a mais profunda situação de vulnerabilidade, precariedade e esquecimento da grande massa de trabalhadores profissionais de futebol, que vivem a perambular sazonalmente entre um clube e outro pelos interiores do país, morando em alojamentos ou em “república de jogadores” – casas residenciais alugadas ou adquiridas pelos clubes.

Conforme dados da CBF, a esmagadora maioria dos jogadores, mais de 80% para ser mais preciso, recebe entre um e dois salários mínimos. Somente 13% dos jogadores alcançam um patamar salarial entre 1000 e 9000 e, finalmente, apenas 3% recebem acima de 9000 reais por mês.

O caso do jogador Neto Maranhão é um contundente e triste retrato da desigualdade do futebol profissional no Brasil, e, de como esta, reflete as desigualdades sociais e regionais mais amplas que assolam o país. As ausências de uma equipe médica e de equipamentos de urgência necessários à reanimação expõem, de uma só vez, e de maneira visceral, a situação de vulnerabilidade que a maioria dos profissionais de futebol de tem arcar pra manter-se na carreira e a discrepância em relação à infraestrutura proporcionada pelos grandes clubes aos seus jogadores.

A razão de tão gritantes diferenças e distâncias não pode ser reduzida a uma simples questão de gestão e profissionalismo por parte de dirigentes. As respostas devem de ser buscadas nas desigualdades de tratamento – e de apoio financeiro –  entre os clubes e de redistribuição do dinheiro movimentado no futebol – cuja grande fatia do bolo são abocanhada pela CBF, empresários e um punhado de clubes de futebol.

A concentração de renda e a desigualdade do futebol são assustadoras. E estas se tornam particularmente violentas quando são reiteradamente ofuscadas pela mis-em-scèna milionária e espetacular do mundo do futebol midiático, que encena e dramatiza a exceção. Na verdade, o futebol é um empreendimento lucrativo para alguns poucos e, com efeito, uma alternativa de mobilidade social para outros poucos felizardos e abastados talentosos e bem assessorados. A regra do futebol como empreendimento, profissão e esporte é a concentração, a desigualdade e a vulnerabilidade. A tudo isso soma-se, ainda, a baixa escolarização dos indivíduos, a frustração recorrente pelas altas expectativas iniciais não-logradas com o decorrer da carreira e as poucas alternativas viáveis de continuar no futebol após o encerramento da carreira de jogador, fechando, assim, uma conta cruel e sintomática bastante próxima da realidade social do mercado de trabalho no Brasil.

Após mais essa morte entre jogadores profissionais, que a sociedade em geral e as instituições de proteção social e trabalhista em particular não se deixem seduzir pela encenação da exceção do futebol, produzida pelas indústrias do espetáculo midiático.

Alyson Freire

Sociólogo e Professor de Sociologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN).

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