Rio Grande do Norte, sexta-feira, 26 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 6 de maio de 2013

Cachorrinho – breves considerações sobre um desempregado natalense.

postado por David Rêgo

Cachorrinho – O lendário

“Faço versos pro palhaço que na vida já foi tudo, Foi soldado, carpinteiro, seresteiro e vagabundo, Sem juízo e sem juízo fez feliz a todo mundo” (Nara Leão, O Circo).

240No seriado Chaves, o famoso “Seu Madruga” é o típico protótipo do desempregado. Propõe-se a fazer tudo aquilo que pode ser feito nos limites de suas habilidades. Está constantemente procurando emprego e ainda assim é visto por muitos como um vagabundo vida mansa.

“Cachorrinho” é o apelido de um famoso trabalhador natalense que possui características bem semelhantes ao personagem “Seu Madruga”. Há quase 20 anos ele sempre pode ser visto nas imediações do shopping Cidade Jardim. Caracterizando-se como o típico desempregado brasileiro, ele faz o que aparece.

Já foi de tudo um pouco. Engraxate, lavador de carros, vigia, menino de recado etc. etc. etc. Cachorrinho já atuou até mesmo como comerciante de fichas de fliperama. Em uma determinada loja de games, uma ficha de fliperama custava, à época,  R$ 0,50 centavos. Quando alguém perdia todas as fichas e não tinha mais dinheiro para comprar mais, Cachorrinho “emprestava” uma ficha para ser paga no outro dia por R$ 0,75 centavos. A relação estabelecida com seus clientes em seu comércio informal era puramente de confiança. Só emprestava moedas para aqueles que estavam no fliperama todos os dias.

Porém, como manda a norma do preconceito de classe, Cachorrinho foi impedido de continuar a exercer suas atividades comerciais pelos “administradores do estabelecimento”. O argumento de sempre. Por andar maltrapilho e ser visto por alguns como um “menino de rua”, ele (dizem) oferecia um risco constante aos jovens, cheirosos e bem vestidos filhos das classes mais abastardas que frequentavam o local (o preconceito não existia nos jovens, que o aceitavam, mas estava impregnado nos adultos que sempre  olhavam com desconfiança para o jovem investidor).

Devido a isso, Cachorrinho foi obrigado a voltar para sua profissão habitual, aquela que ninguém iria reclamar ao exercê-la: engraxate. Como comerciante “Cachorrinho” oferecia um risco. Como engraxate não. Como manda a norma social, existem tipos de empregos para tipos de gente.

Mas a vida, esta sim é uma caixinha de surpresas. “Cachorrinho” teve seu tempo de glórias quando trabalhou como garçom na famosa e extinta “UTI do Caldo”.  Durante este período, ‘”Cachorrinho” tornou-se uma moda entre os frequentadores do local. Todos queriam uma foto com ele para postar nas redes sociais. Desquitado da disciplina (leia-se sobriedade) do trabalho imposta pela revolução industrial, “Cachorrinho” tinha como função maior a de humorista. Sempre bebendo durante o trabalho com seus clientes e divertindo a todos.  Porém, como toda moda, após certo tempo foi abandonado e tido como inconveniente pelos mesmos que algum tempo atrás utilizaram-se de seus serviços. O mainstream Natalense o abandonou.

Ainda é possível ver “Cachorrinho” com sua maleta de engraxate pelas mesmas imediações de sempre, com as mesmas características de sempre: disposto a trabalhar em qualquer coisa, topa qualquer trabalho, não raro, inclusive, é possível vê-lo dormindo em pé ou mesmo tomando a sua velha e boa cervejinha…

David Rêgo

Sociólogo, antropólogo e cientista político (UFRN). Professor do ensino médio e superior. Áreas de interesse: Artes marciais, política, movimentos sociais, quadrinhos e tecnologia.

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