Rio Grande do Norte, domingo, 28 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 16 de fevereiro de 2012

#Foramicarla, sentimento de rebanho e uma nota sobre seu enfraquecimento político

postado por Daniel Menezes

O #Foramicarla se reuniu em frente à Câmara Municipal do Natal no dia de ontem, mais uma vez, para protestar contra a péssima administração de Micarla de Sousa e contra os vereadores que dão sustentação à gestão verde. O momento era propício: a prefeita abriria os trabalhos na casa legislativa com um discurso.

A “metodologia” empregada para mobilizar todos aqueles que estão insatisfeitos com os desmandos da borboleta foi a mesma utilizada nas bem sucedidas manifestações anteriores. Os interessados diretos e simpáticos ao movimento fizeram uso do twitter, facebook e contataram suas redes pessoais e institucionais.

No entanto, o que se viu, seguindo a tendência dos últimos protestos, foi uma manifestação esvaziada. Segundo as pessoas que lá estiveram, cerca de 30 a 50 pessoas se faziam presentes. Quorum bastante distante dos milhares de sujeitos que engrossaram as fileiras das primeiras contestações.

O que tornou possível tamanha mudança de percurso no desenvolvimento do #Foramicarla em relativo pequeno espaço de tempo? Porque os cidadãos se desmotivaram e deixaram de participar deste movimento? A insatisfação popular não diminuiu, pois pesquisas de opinião apontam para um crescimento da reprovação da prefeita, principal alvo das críticas. Os vereadores, que poderiam apaziguar a situação, na verdade e seguindo a total falta de traquejo de alguns parlamentares com os movimentos sociais, apagaram o protesto com gasolina: a bancada de Micarla de Sousa organizou uma “operação abafa” da #Ceidoscontratos, principal reivindicação dos manifestantes junto a CMN. Ainda assim, ao invés de inflamar o sentimento de revolta, o movimento #Foramicarla seguiu murchando, se esvaindo.

Qual a razão? É possível, ao meu ver, apontar o modo como alguns grupos políticos tentaram se apropriar do movimento como UM (não O único) dos aspectos importantes para a perda de musculatura do #Foramicarla.

Ainda que seja crível apontar alguns integrantes e instituições, que desde o início contribuíram para a organização dos protestos, parte significativa dos manifestantes participaram das contestações sem nenhuma motivação partidária direta. Não existia o sentimento da grande maioria de substituir Micarla de Sousa por um outro nome específico. A luta era contra, pura e simplesmente, o status quo.

A alegria das passeatas era o resultado de um cansaço generalizado com as estruturas sociais e políticas, aliada a um novo formato, que conseguiu congregar os mais variados interesses, os mais variados pontos de vista e anseios. Não existia uma orientação partidária clara, ainda que alguns partidos desde o início se fizessem presentes. Não era necessário adorar um líder (os manifestantes acordaram que ninguém falaria como líder e/ou representante do #Foramicarla). Uma camisa transada politicamente ou uma bandeira não trazia prestígio para ninguém. Bastava ir, pular, gritar ou apenas se divertir e encontrar os amigos. Afinal, quem disse que o ato de protestar tem a ver com tristeza, com chatice?

O formato foi extremamente produtivo no sentido de juntar diferentes modos de ser e de fazer. Ainda que fosse possível encontrar a predominância de um determinado perfil de classe e uma filiação a determinadas instituições (universidade, colégios, etc), o pluralismo, o não-fechamento em um partido, num nome ou numa bandeira funcionaram como um verdadeiro guarda chuva. A densidade política foi questão de tempo.

O #foramicarla começou a enfraquecer quando a instrumentalização partidária e eleitoral matou a possibilidade da aventura, que vinha movendo os manifestantes. A pulsão crítica foi civilizada, controlada. Com isso, o espontaneísmo, nada espontâneo, saiu de cena.

Líderes políticos (profissionais), mas sobretudo, líderes estudantis quiseram tomar a frente e ditar os rumos que o #Foramicarla deveria tomar. Pior. Começaram a criar hierarquias com falas do tipo: “eu acampei e você não acampou na CMN. Portanto, eu posso falar sobre o movimento e você não pode”. Ao invés de incentivar qualquer iniciativa de apoio, uma simples twittada que fosse, essas lideranças queriam normatizar a prática politicamente correta de contestar. Se não seguisse a cartilha do que significa ser manifestante na concepção deles, o cidadão não era engajado, não entendia o processo político, ou mesmo era um alienado. A tentativa de lucrar politicamente com os protestos afugentou quem não queria empunhar uma bandeira partidária, ou seja, a grande maioria. Ficou claro que a grande maioria não queria um porta-voz, um líder, alguém que falasse pelos demais.

Neste sentido, o modelo de instrumentalização partidária dos movimentos sociais apresentou rápido esgotamento. Não bastou, pura e simplesmente, municiar os manifestantes com carro de som, bandeira, introduzir e/ou cooptar as lideranças, apoiar e pedir votos para a próxima eleição. No caso do #Foramicarla, talvez em decorrência da especificidade social do público estudantil – talvez não –, quando a tradicional fórmula entrou em cena, a motivação dos integrantes desapareceu. No seu lugar só desconfiança.

Os partidos precisam aprender com a experiência. Investigar como se relacionar com as novas fórmulas de mobilização via internet, com as novas formas de protesto. Até porque, do ponto de vista social, não é todo mundo que pode comparecer numa passeata. As pessoas trabalham, têm filhos e carregam responsabilidades. O processo de atomização dos indivíduos na sociedade é irreversível. Assim, ao invés de recriminar quem apenas twitta em favor de uma causa, é fundamental aceitar de bom grado qualquer manifestação de solidariedade positiva.

A sociedade mudou, os movimentos sociais mudaram e os partidos precisam se refazerem, até para conseguir atrair (tornando novamente atraentes) aqueles que se professam “apartidários”, pois do jeito que a coisa anda está claro que a cartilha tradicional não está funcionando mais.

MOVIMENTO ESTUDANTIL

É impressionante a desconfiança quase que generalizada com que os estudantes olham para os partidos e grupos partidários. Talvez tenha a ver com as fórmulas utilizadas. É possível criar o diferente, fazendo uso das mesmas estratégias que são combatidas no imaginado e projetado adversário “de direita”? Menos sentimento de rebanho e mais auto-crítica ajudaria.

ANTIACADEMICISMO

Impera no movimento estudantil uma bandeira perigosa – o ressentimento direcionado contra aqueles que gostam de estudar e conseguem sucesso acadêmico. A defesa da “prática”, bastante presente desde o tempo em que eu era estudante de graduação na UFRN, em detrimento da “teoria”, traz um esvaziamento das atividades educacionais e acadêmicas. Um jeito burro de menosprezar a reflexão e a crítica e de se afirmar, dizendo que prefere o rasteiro.

Nesta lógica, quem defende a prática de estudo e o rigor nas discussões universitárias é enquadrado como “elitista”. “Democrático” é aquele que fala em “abertura” da universidade (só não diz para quem e para quê) e luta pelo respeito daquilo que é chamado cinicamente de “sabedoria popular”.

Estudantes do DCE e alguns professores andam ganhando eleições internas na UFRN com esse discurso. Numa teodiceia medíocre, daí a sua força, quem abraça o populismo científico/burocrático é vendido como um “Lula”, ou seja, uma pessoa simples, que veio de baixo e venceu. Quem critica a tentativa de rebaixamento da universidade é, na verdade, um “FHC”, portanto, elitista e que não aceita a abertura da universidade para a prática “democrática” e “dialógica”, coitado de Paulo Freire, dos saberes populares.

Daniel Menezes

Cientista Político. Doutor em ciências sociais (UFRN). Professor substituto da UFRN. Diretor do Instituto Seta de Pesquisas de opinião e Eleitoral. Autor do Livro: pesquisa de opinião e eleitoral: teoria e prática. Editor da Revista Carta Potiguar. Twitter: @DanielMenezesCP Email: dmcartapotiguar@gmail.com

4 Responses

  1. No anonimato disse:

    Os partidos não tem que “pensar” novas formas de cooptar um movimento, como novas formas de “doutrinar” um rebanho sob o poder de um cajado – é notável, é perceptível, o que trouxe muitas pessoas a cobrir-se de bandeiras de partido, de chapas de entidades estudantis e sindicais como aparelhos partidários; esses grupos, essas frações de um todo tangido pela “cúpula”, não raras as vezes, junto ao monopólio do discurso e a prática mentida. Sem querer apontar, muito menos discriminar aqueles recém filiados a partidos, que são arregimentados dentro dos inúmeros movimentos sociais;  apercebe-se,e não é mentidaos os motivos, que é mais a afinidade relacional de indivíduos, do que mesmo identidade com o projeto partidário, abstraindo-se dentro de uma estrutura frágil, que não é capaz de suustentar a si própria, como o sistema social que vem sabotando a própria sociedade. Os partidos têm que entenderem a universalidade das lutas sociais, não a apropriação por bandeiras partidárias e projetos de qualquer partido, é importante o diálogo entre pontos de vistas, não a conspiração pela conquista de hegemonia – muitos estão abandonando as bandeiras, e o ilusionismo, talvez o delírio, partidário pela unidade real – mais consciências críticas, menos eleitores e idólatras – é um longo trabalho fazermo-nos entender, como pessoas apartidárias e coletivos autonomos, que podemos nos organizar, e somos a grande maioria, que os governos jamais irão conseguir resistir a um povo consciente, que arrebanhado. Muito menos a ideia de que há linha teórica hegemônica ou melhor, a solução de todos os problema; a direção somos todos nós, sem líderes, sem personalismos, decidimos o futuro caminhando no agora; querem nos apresentar algo pronto, querem nos dizer quem somos e o que devemos fazer. Quer uma dica? Faça o que sempre os grandes exemplos da humanidade fizeram, questione! Mais que o discurso (falsa ideia de que a teoria é separada da prática – se ela é vivência) a atitude: “o povo unido, jamais será partido!”

  2. DennysLucas disse:

    Daniel,

    O #ForaMicarla e como o discurso dominante constrói algozes!

    Alguns pontos:

    1- No #foramicarla não acredito em instrumentalização partidária-eleitoral, pelo contrário vejo é uma exaustão de práticas voluntaristas e autonomistas – mesmo entre os filiados a partidos políticos e outras organizações sempre presentes. O que vem dificultando a organização dos atos, principalmente, qndo os fatos políticos não colaboram e a organicidade desses sujeitos em articulações mais sólidas é muito pouca, e seu imaginário não tem uma pauta bem clara do que se quer;
    2 – As hierarquias podem ser confundidas com atitudes e escolhas de lideranças políticas e estudantil, mais especificamente, entretanto, quando muitas vezes não são, simplesmente, e sim organograma estruturado formativamente dos sujeitos, aleatoriamente. Não sendo particular a um grupo, os dos filiados. Inclusive, quando muitos desses organizados que panfletam estas estruturas mais horizontais nos atos. Portanto, acredito, que esteja tornando sua análise bastante seletiva, com certa tendência a reafirmar preconceito com viés ideológico a deslegitimar os sujeitos organizados e cumprir tarefa panfletária a desorganização.
    3 – Também acho um rebaixamento analítico – além de reafirmação ideológica – afirmar que o esvaziamento tem se dado por atos de pessoas presentes atos, que estariam distanciado ou excluindo, mesmo sem a pretensão calculada, pessoas não-partidárias ou mesmo apartidárias. Não acho. As pessoas tem o seu dia-dia, tem em seu imaginário que terminará em pizza, ou que não terminará por seu ato, nem agora, nem no lugar marcado, logo o fato político não está feito na dimensão do que estava naqueles grandes atos, e no que se tornou a ocupação primavera sem borboleta, onde inclusive se precisou de muito jogo de cintura para esperar e construir fatos mobilizadores. Inclusive pensadas, organizadas por pessoas livres, entre elas sujeitos com vastas experiências em situações semelhantes (hierarquização), mas não meramente com trampolim político eleitoral, e sim como ferramenta, instrumento, conhecimento… sensibilidade alcançada na prática e no estudo enviezado para situação semelhantes. Profissionalização, talvez, mas não excludente, o que vi foi, inclusive, as pessoas presentes, no fazer coletivo, começarem a respeitar estas especificidades, mesmos os temerosos com os mais organizados partidariamente ou de organizações semelhantes.
    4 – O processo de atomização não é uma especifidade da nossa era, não acredito, mas que pode está sendo acentuado em determinadas sociedades, enquanto em outras vem sofrendo questionamentos ou paralelismos devido a necessidade imperiosa das lutas, reivindicações, contrapontos ou organização e ajuda mútua: o sapo não pula por boniteza, mas por precisão.
    5 – Com certeza temos necessidade de lidar melhor com as solidariedades positivas, até em mensurá-las também, mas não só os partidários, e sim boa parte da humanidade. Olhamos o mundo com nossas lentes e muitas vezes desprezamos a especifidade da lente, da balança do próximo ou distante. A centrífuga nos distanciam do ponto central.
    6 – Para concluir, acredito que se utiliza de um descarte imenso do debate executado por vários desses atores – Paulo Freire, por exemplo, no PT – organizados que não agem só por voluntarismo, mas por acúmulo de debates e construção de crenças para o melhor agir. Logo, percebo uma tentativa de imputar grandeza negativa no resultado insatisfatório na mobilização dos atos a setores organizados, quando, muitas vezes, são justamente estes que se mantem militantemente prostrados em atividades para panfletar os desmandos da prefeitura de Natal. Ou conseguimos lidar melhor com isto, ou desmotivaremos estes de continuarem a lutar enquanto, por motivos outros que nos impedem de se fazer presente, e digo isto, da mesma maneira, como espero podermos lidar melhor com a “solidariedade positiva” que recebemos e muitas vezes não percebemos.

    à luta,

    Dennys Lucas

  3. Daniel Menezes disse:

    Anonimo, critiquei justamente o sentimento de rebanho de alguns membros do movimento foramicarla.
    Quanto aos partidos, tentei mostrar que esta organização vem se mostrando incapaz de de se relacionar com os novos movimentos sociais que surgem e solidificar uma discussão política que também passe pela via partidária.

  4. Daniel Menezes disse:

    Dennys,

    vou publicar o seu comentário.

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