Rio Grande do Norte, sábado, 27 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 9 de maio de 2012

O uso de psicotrópicos na UFRN: espaços conquistados e os seus usos

postado por David Rêgo

Imagem: Mickey Angels

Ao ingressar no chamado “ensino superior” escutamos algumas frases que, a princípio, podem pareceu banais. Uma delas, muito difundida, afirma: “liberdades conquistadas são liberdades conquistadas”.

Parece algo “bobo”, mas quer dizer muito. Faz com que nos lembremos que até mesmo o poder de falar o que se pensa foi conquistado à ferro, fogo e sangue, literalmente. Nossos direitos e liberdades foram esculpidos aos poucos, na luta contra uma herança absolutista que aqui chegou na forma de Estado com as caravelas.

O reflexo do pensamento absolutista, que ordena uma única visão de mundo para a sociedade, ainda pode ser visto. Em todos os lugares e principalmente no meio acadêmico. A “briga” entre Karl Marx e Max Weber é um bom exemplo. Muitos tentam criar uma separação entre a teoria de tais autores, fato que só expõe a fragilidade do pensamento unilateral. A ciência é tal como uma caixa de ferramentas. Para cada serviço, uma ferramenta específica. Marx e Weber não se opõem, complementam-se. Cada um faz uma análise da realidade a partir de um ponto de vista específico e cria ferramentas para “trabalhar neste mundo que criou (teórico)”. Acontece que tem muita gente tentando tirar porca de parafuso com martelo. É de se utilizar as ferramentas corretas para cada atividade. Bourdieu e Giddens compreendem bem a ideia da ciência como uma caixa de ferramentas e unificaram teorias que para muitos pareciam divergentes.

Mas não é disto que quero falar. Os dois pontos citados (liberdades conquistadas e pensamento unilateral) são fundamentais para compreender um incômodo que existe no “Setor II” da UFRN há tempos: o uso de psicotrópicos.

O primeiro ponto que se deve chamar atenção é que a “liberdade e maior tolerância” para o consumo de “psicotrópicos” (de acordo com o Houaiss: “que ou o que atua quimicamente sobre o psiquismo, a atividade mental, o comportamento, a percepção etc. – diz-se de medicamento, droga, substância etc. – [Alguns psicotrópicos têm efeito sedativo, calmante ou antidepressivo; outros, esp. se us. indevidamente, podem causar perturbações psíquicas) no Setor II do que nos demais setores foi uma conquista após muitos debates e lutas. O fato não ocorreu “como num passe de mágica”. Durante toda primeira década do ano 2 mil foram vários os debates de movimentos estudantis, CA’s etc.  com “autoridades”, que iam desde palestras à reuniões  com os “big boss”. O resultado do amplo diálogo foi a garantia de uma maior tolerância no uso de determinadas substâncias, o que de fato ocorreu com a diminuição de “intervenções” dos seguranças da UFRN em relação aos usuários de psicotrópicos. “Antes” era “relativamente comum” alunos serem levados pelos seguranças ou mesmo a apreensão de substâncias ilegais na UFRN. Depois de amplo diálogo a situação mudou. A prática passou a ser “tolerada” (lembrando sempre que a “tolerância” é também intolerante, já que ela não aceita, ela “suporta”). A partir de então parece ter surgido basicamente “dois grupos” que se distinguem dentro do Setor II (talvez mais, porém, “de forma grosseira”, pode-se dividir em dois).

1º grupo- daqueles que levam a sério o debate. Que entendem os psicotrópicos como forma de ampliar a visão de mundo e usam tais substâncias aliadas à amplas horas de estudo, pesquisa, engajamento no meio intelectual etc. Neste caso os psicotrópicos agem como uma “enzima” do conhecimento, deixando mais fácil a comunicação, a interação, a troca de ideias e uma série de outras coisas.

2º grupo – dos “porra loca”. Que não tem produção acadêmica, que não estudam, que estão na UFRN unicamente por serem filhos de uma classe média que permite coloca-los em instituições particulares de ensino que, “por difusão fcilitada”, conseguem adquirir mais conhecimento que aqueles que esforçam-se nas escolas públicas e que acham-se no direito legítimo que usar um espaço que foi criado para outros fins, não para a diarreia mental. Nestes espaços, se você falar de livro (dentro de uma universidade!) será tachado de “metido a cult”. Só para se ter ideia da “porra-louquice”.

O segundo grupo, especificamente, tem gerado uma série de questionamentos por parte dos demais estudantes da UFRN devido seu pensamento intolerante. Suas práticas sem limites, ao invadirem todos os espaços deixam os demais sufocados.

É de se compreender que uma universidade é um espaço para o diálogo, aceitação e difusão de novas ideias e modos de vida, porém, o que dizer do “excesso de liberdade”.

Ao falar “excesso de liberdade” muitos podem automaticamente imaginar: “lá vem o fascismo”. Mas não se trata disto. A liberdade, quando levada ao seu último nível, torna-se tirania. Pois se sou livre, sou livre para tudo, inclusive para tirar de outrem a liberdade. Alguns tem tirado a liberdade de outros. A liberdade de uma sala de aula limpa, por exemplo, já que alguns invadem as salas para uso de psicotrópicos e deixam lá seus vestígios. A liberdade da concentração, do silêncio necessário para se compreender questões complexas e nem tão simples para todos (claro que existem os Einsteins que dizem compreender tudo mesmo no barulho, mas não seria tirania achar que todos são assim? Muitos precisam de silêncio para concentração).

Ainda é esta a realidade de “alguns” usuários de psicotrópicos no Setor II da UFRN.  Insatisfeitos em terem a liberdade para “psicotropiar” por vários lugares, invadiram as salas de aula, deixando dentro delas restos, lixos e odores. Não só isto, a inconveniência “acústica” é recorrente pelo barulho excessivo exercido nas atividades “pós-psicotrópicos”.

O mais curioso? As aulas mais afetadas são as de filosofia.  Logo este conhecimento que é tido como crítico, que auxilia a nos retirar do chamado “senso comum” e pensar a realidade de uma forma mais complexa. Não existiria aí uma contradição das práticas dos estudantes e seus objetivos para com o uso de tais substâncias?

Puro delírio psicotrópico ou um excesso de liberdade, pouco importa. A grande questão, dentro das universidades, ao se pensar o uso de psicotrópicos é: Que uso se quer? O de Durkheim, Foucault etc.? Ou o uso sem fins e por puro niilismo?

Deixando claro o questionamento: “Que uso queremos no espaço público”? Nos demais países onde muitos psicotrópicos são liberados, pode-se fazer uso deles em todo lugar e em qualquer momento?

 

David Rêgo

Sociólogo, antropólogo e cientista político (UFRN). Professor do ensino médio e superior. Áreas de interesse: Artes marciais, política, movimentos sociais, quadrinhos e tecnologia.

16 Responses

  1. Igara Dantas disse:

    Muito bom o texto. Mas esqueceu de abordar o terceiro grupo existente nesse processo: “os que toleram os usuários de psicotrópicos”. Daria um lindo parágrafo.

  2. Em cada caso, existe um fardo. O texto é um tratado a liberdade do uso de psicotrópicos como um enorme benefício social a sociedade acadêmica. Sim, alguns psicotrópicos devem ter sua legalização discutida, mas colocar o uso como um fator que pode implicar em avanço científico no meio acadêmico, embelezar a história, a qual é uma atitude normal, é, no entanto e em suma, ridículo.

  3. Daniel Menezes disse:

    Renan, 

    acho que o que David quis mostrar é que há pessoas na universidade que mantêm relação reflexiva com as drogas (maconha, álcool, etc). Que são capazes de usar para relaxamento, para suportar a cansaço do dia-a-dia, etc e não atrapalha nas suas atividades acadêmicas.
    E há, além disso, um segundo grupo de pessoas que usam pela mais pura porra-louquice. A droga atrapalha atividade acadêmica do indivíduo, além, muitas vezes, de atrapalhar as dos demais.
    E esse grupo usa de uma retórica aparentemente crítica, falando que usam do exercício de sua “liberdade”, para, na verdade, impor a sua porra-louquice para os demais, que têm a liberdade, isso sim, para não desejarem ser submetidos a piração dos outros.

  4. Daniel Menezes disse:

    Ia escrever algo parecido, mas como David já externou como eu também penso a questão, vou abortar a minha iniciativa.

  5. Tiago Cantalice disse:

    Texto muito bom David, parabéns! Lembrei de uma dessas discussões a que você se referiu no Setor II. Um dos palestrantes, salvo engano, o professor Alípio, listou uma série de intelectuais que fazem ou fizeram uso de psicoativos como Foucault, Freud, Sergio Buarque de Hollanda, etc., mas ponderou: “A sua inteligência e produção não vinham do uso deles, mas de horas de estudo e muita disciplina.” Tem gente que acha que ao fumar um beck se torna mais interessante, perspicaz ou sábio mesmo, mas na verdade se entregam a um nadismo sem fim, a um comodismo intelectual (que nada produz), político (reclama de todos e acha que votar nulo é solução) e cultural (perda de senso estético e crítico – já vi coisas na UFRN que pareciam saídas de aulas de artes de jardim de infância). Enfim, o uso de substâncias psicoativas abrem as portas da percepção realmente, mas não para mera contemplação, e sim para aplicação efetiva na realidade social. Parabéns novamente!

  6. Alguém? disse:

    “A Liberdade do outro estende a minha ao infinito.” 

  7. Paulo Emílio disse:

    Seu fascista!! Conservador!! REACIONÁRIO!! MORRA, CRIA DE MILITARES!! ;P

  8. Aluno do Setor II disse:

    Os alunos maconheiros da UFRN são um bando de preguiçosos, não estudam, não assistem aula, não entram em sala de aula e ainda ficam criticando quem estuda, como se estudar na UNIVERSIDADE!!! fosse defeito. Vocês srs maconheiros só fazem é bagunçar e entraram numa vaga que poderia ser de uma pessoa interessadas. São uns pseudo-revolucionários de m….

    • so disse:

      você é um tremendo de um babaca preconceituoso! Fumo com professores, faço doutorado e isso não me faz preguiçoso. você sim é um tremendo de um preguiçoso mental que certamente está em busca de um diploma o mais rapido possivel. Saia da fumaça e vá viver na porcaria das redes sociais, ver bbb e assistir novela.

      • Daniel Menezes disse:

        O aluno do setor II pegou pesado. Nada a ver. Tenho amigos, caro, que fumam maconha e são produtivos.

        Acho até que a maconha deles atrapalha menos do que a minha cerveja, rs.

        Minha cerveja me deixa bem improdutivo… Quando vou para a cachaça… já viu.

        Vamos nos basear em fatos e não em suposições.

  9. C. disse:

    Acho que o uso de drogas na UFRN deveria ser aceito, porém controlado, assim como acontece com o cigarro em espaços públicos. 

  10. Daniel Menezes disse:

    C.,

    assino embaixo também. Acho que é isso.

  11. Leon K. Nunes disse:

    Pontos bons foram levantados. Também acho que deve haver certa complacência com o uso de drogas, não estabelecendo limites desnecessários. Só discordo dessa divisão dos usuários entre dois grupos. Claro que entendo que o autor pretendeu fazer uma divisão genérica, em linhas gerais, mas ainda assim não consigo ver uma necessária conexão entre o uso de drogas e o rendimento acadêmico – talvez veja no caso de alguns que realmente se estimulem a partir do uso desses psicotrópicos mas fora desse grupo, o uso é indiscriminado. Claro que os inconvenientes se sobressaem, mas há uma gama de usuários – que talvez façam mais número que os ‘porra-loucas’ – que usam tais psicoativos sem uma postura de incoveniência pública, bem como sem extrair delas algum estímulo intelectual destacado. Aliás, acho até nociva essa ideia de querer ligar as drogas a qualquer “libertação”, “emancipação intelectual ou perceptiva”, porque o uso das drogas é individual, e a experiência subjetiva, ou seja, o que para uns é libertação, para outros é uma prisão psicológica. É claro que há um grau de emancipação, mas não destaco uma assepção positiva nessa emancipação, já que ela parte muito da procedência do usuário, da forma como ele vai se relacionar com aquela droga, etc e tal. No mais, concordo com as linhas gerais do texto, e acho que ele ajuda a desmistificar preconceitos.

  12. Daniel Menezes disse:

    Leon,

    gostei do teu comentário. Como diria Weber, a relação entre drogas e rendimento intelectual é uma “relação possível”, mas não uma “relação necessária”.

  13. Bagadão disse:

    Tudo muito bonito, tudo muito normal…

    Pena que é ilegal.

    Isto por sí só derruba todo e qualquer argumento.

    Não vou nem entrar no mérito das drogas acabarem com o cidadão e a pobre família dele.

    Ô saudade do tempo em que para aprender na faculdade, você não precisava estar chapado. Que geração fuleira e fraca esta atual.

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