Rio Grande do Norte, segunda-feira, 29 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 6 de junho de 2012

Mapas Potiguares: Má Gestão de Pessoas (Parte 3)

postado por Ivenio Hermes
A Morte Social do Policial

Introdução

O Brasil tem evoluído muito no campo da desburocratização e reforma de Estado. O trabalho conhecido como A Reforma Gerencial de 1995 – a reforma gerencial do Estado brasileiro – foi iniciada pelo MARE (Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado) que existiu entre 1995 e 1998, os primeiros quatro anos do governo Fernando Henrique, sob a batuta do Ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, trouxe um avanço fenomenal para a gestão pública que passou a ser tratada a partir de uma visão gerencial de produtividade e controle de qualidade.

Essa evolução tem sido acompanhada por muitos estados que usam as mais diversas ferramentas de acessibilidade do público-cliente e da administração de pessoal. Mas essa administração pessoal tem falhado nos últimos anos, criando insatisfação geral nos servidores públicos quanto ao seu ambiente de trabalho, equipamento e materiais para o bom desempenho de suas funções, tratamento desigual no ambiente laboral e ainda critérios de avaliação subjetivos e tanto o não acompanhamento do desgaste salarial quanto a falta de isonomia entre órgãos públicos que desempenham funções muito similares.

A Proteção do Protetor

Nesse novo modelo de gestão estratégica administrativa precisa estar atento à proteção dos protetores, onde nos referimos diretamente ao papel do gestor de segurança pública que tem como uma das suas ações o zelo aos encarregados de aplicar a lei sob sua subordinação.

No estado potiguar, ao qual estamos referendando esta série de estudos, há uma lacuna enorme na atribuição de proteger o protetor, e observamos políticas de favoritismo em alguns casos e de displicência em outros, causando uma celeuma entre entidades de segurança pública que se traduz perda de credibilidade de uma instituição e supervalorização de outras, piorando ainda mais esse quadro quando o gestor, em busca de soluções imediatas, obriga algumas instituições a usurparem as atribuições de outras, numa franca ação de falta de tato na gestão pessoal.

Cláudio Pinheiro Gomes [1] nos alerta que o policial tem sido usado como instrumento da garantia e manutenção do poder e dos privilégios nas mãos da elite.  Nessa política arcaica o gestor utiliza o policial como ferramenta para submeter qualquer um que esteja contra suas diretrizes.

Embora a figura policial tenha sido tratada assim, ele não é o repressor, ele é somente uma ferramenta do Estado, por isso, visto como mera ferramenta, que é colocada para trabalhar em atribuições que não são as suas, e quando, ao cometer erros por justamente estar fora de seu campo específico de trabalho, ele pode ser descartado, substituído, removido, punido, esquecido, envelhecendo física e socialmente ou perdendo sua utilidade.

O culpado disso tudo é o gestor que, por mau uso ou por defeito, estragou a ferramenta ou a tornou inconveniente e, portanto deve ser destruída.

O Caos da Insatisfação Profissional

O profissional da segurança pública é um dos mais sobrecarregados emocionalmente e psicologamente. Quando se fala que é uma profissão de alto risco poucas pessoas têm o discernimento que essa expressão acarreta.

Não há rotina para um agente da lei, cada dia aparecem situações novas e inusitadas paras as quais ele não estava preparado. Daí, a importância de uma academia de policia com disciplinas abrangentes que os retire das situações de improviso.

Muitas dessas situações resultam em responderem processos administrativos ou sindicâncias onde o policial, quando acusado sem a justa culpa, vê toda a máquina administrativa funcionar em seu desfavor e quando sai ileso, sobra ainda o estigma que o acompanha ou o receio de agir novamente.

A falta de gestão estratégica só busca a contabilização de números em uma planilha e nunca em resultados concretos. Onde se contabiliza o número de prisões não se leva em conta os processos instaurados e nem tampouco os crimes resolvidos. Os resultados dessa forma de gestão não visam à segurança e sim visa iludir os mais incautos que se deslumbram com falsos dados.

O policial continua trabalhando sem ter reconhecimento individual e o reconhecimento coletivo beneficia alguns pouco produtivos que pegam carona no esforço de outros. Não há como identificar quem realmente obtém bons resultados pois não há continuidade no serviço policial.

A instabilidade no que tange ao salário que para ser corrigido ou aumentado demanda lutas de classes, pedidos políticos e favores, amputam a liberdade de ação do agente que se vê cerceado para exercer sua função. Os próprios órgãos representativos de classe não conseguem impor a vontade de sua categoria sem precisar fazer pedidos políticos.

Sem meios de demandar melhores salários e condições de trabalho, o policial potiguar vive marginalizado pela exigência da gestão pública em contrapartida como o que lhe é oferecido para executar sua missão constitucional. O gestor de segurança pública que devia proteger seus subordinados se senta confortavelmente num escritório com ar condicionado e de lá espera construir uma segurança pública sólida.

Com a perda de perspectiva de melhorias profissionais, o policial antevê com mais antecipação o fim de sua carreira. A falta de renovação do efetivo cria no policial um sentimento de ostracismo e pessimismo quanto ao rumo de sua instituição. A ida para reserva ou aposentadoria passa a ser um sonho maior do que o de contribuir com sua profissão para uma sociedade mais segura. E a morte social do profissional da segurança pública muitas vezes ocorre antes de sua saída efetiva do serviço.

Considerações Finais

A reforma gerencial de 1995, mais de quinze anos depois, ainda não parece beneficiar o estado do Rio Grande do Norte, que não pratica uma gestão estratégica nem na segurança pública e nem tampouco em outras áreas. Há um contínuo disfarce da incompetência em discursos sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal, prioridades de investimento, inadequada coesão entre o argumento administrativo e a prática da gestão pública.

Os jornalistas empenhados em exigir melhores condições de segurança para seus municípios vivem à mercê de críticas e insinuações de apoio político.

A verdade é dura e precisa ser expressa: não há credibilidade da gestão pública quando se trata de diversas matérias e a segurança pública é desmerecida como assunto de prioridade e nem a aproximação de grandes eventos como a Copa do Mundo de 2014 motiva estratégias de investimento na área, pois não pode ser considerada como investimento a mera reposição do efetivo.

Se a gestão de segurança pública não começar a prever soluções para o estado do Rio Grande do Norte, não começar a usar os mecanismos administrativos adequados ao nosso tempo, ao modelo moderno de gestão de pessoas e de entidades governamentais, continuaremos sendo testemunhas de soluções e ações estapafúrdias que estão virando regra. A beleza natural do estado será cada vez mais mitigada na mídia nacional ao reportarem as tentativas de tapar o rombo que a insegurança vem abrindo na paz do cidadão potiguar.

Até o próximo estudo, onde abordaremos os caminhos que se abrem para o futuro da segurança do estado e como a continuação dessa gestão equivocada procurará resolver os problemas da Copa de 2014 e os atuais problemas já instalados no estado.

BIBLIOGRAFIA:

GOMES, Cláudio Pinheiro. Quem protege os protetores? A violação aos direitos dos promotores de direitos. 2011. 7 f. Artigo (Pós Graduação) – Curso de Direito, Departamento de Especialização, Unesa – Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, 2001.

ORGANIZAÇÃO CONTRA CORRUPÇÃO (Brasil) (Org.). O Brasil em Pauta: Corrupção. Disponível em http://www.educacional.com.br/reportagens/corrupcao/origemecusto.asp: . Acesso em: 01 fev. 2012.

FERNANDES, Arthur Mascarenhas. Conflito de Atribuições entre PM e PC: Corrupção. Disponível em http://abordagempolicial.com/2010/04/conflito-de-atribucoes-entre-policia-militar-e-civil/: . Acesso em: 01 fev. 2012.

SOARES, Luiz Eduardo. Segurança tem saída. Rio de Janeiro: Sextante, 2007.

 


[1] Bacharel em Direito com Especializações em Políticas e Gestão em Segurança Pública e em Docência no Ensino Superior, atuando como Inspetor de Polícia Civil (RJ) e como Tutor na SENASP e na Universidade Estácio de Sá.

 

 

 


Ivenio Hermes

Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Integrante do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial. Facebook | Twitter | E-mail: falecom@iveniohermes.com | Mais textos deste autor

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