Rio Grande do Norte, domingo, 28 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 17 de agosto de 2012

Greve UFRN: Fechar bibliotecas é ação política?

postado por Alyson Freire

A justiça de uma causa não faz, por conseguinte, “justos” ou “corretos” os meios empregados para atingir essa causa. Nem a concordância ou apoio a um movimento, blinda-o de críticas e questionamentos. À bem da verdade, em muitas poucas situações valem os tais “fins justificam os meios” ou “por causa do santo, beija-se o altar”.  A greve é, por exemplo, um instrumento vital à serviço dos trabalhadores e de suas reivindicações, assim como importantíssimo para o próprio desenvolvimento social de uma sociedade rumo a uma maior e melhor situação de igualdade e dignidade compartilhadas. Porém, é preciso não perder de vista, quanto a sua razoabilidade, a pertinência das modalidades de ação e protesto político de que, por vezes, se valem os movimentos como estratégia de repercussão e radicalização.

Se é verdade que, por um lado, professores e alunos precisam ouvir as razões dos grevistas para sua ação radicalizada, por outro, é verdadeiro, também, que estes precisam ouvir os que se opõem a esse tipo de ação. Dialogar e negociar. Que se feche, pra debater e divulgar, a biblioteca central por um par de horas ou turno, vá lá, mas prolongar por um dia inteiro ou mais não parece sensato nem produtivo para o próprio movimento.

Por mais que se defende o direito à greve e a legitimidade das reivindicações colocadas pelo movimento dos servidores técnico-administrativos da UFRN, fechar uma biblioteca, numa cidade já carente de espaços públicos como esses, é, no mínimo, uma atitude infeliz. Que se diga logo para aqueles que, por pressa ou malícia interpretativa, que criticar um aspecto do movimento não significa desqualificá-lo em sua totalidade. A esperança, aqui, sincera, pretensiosa ou iludida, à depender de quem a compre ou rejeite, consiste apenas em contribuir para a uma postura de reflexão sobre o que fazemos.

Não se trata de ponderar quais direitos ou questões estão acima de quais outros, ou o que é, de fato, prioridade: se o direito de greve ou direito à educação, se a  luta dos trabalhadores por melhorias ou o acesso à cultura/conhecimento, se o interesse coletivo ou interesse individual. Aliás, enveredar por justificativas do tipo que pressupõe, para todos os casos e situações, a superioridade do coletivo sobre o individual é algo bastante perigoso, penso; é flertar de perto com o poder cego diante de toda espécie de coletivo, e esta é uma das condições essenciais da barbárie, tal qual Theodor Adorno a entende.

Além do mais, ao obstruir o acesso a biblioteca Zila Mamede não se estar, em nome de interesses mais dignos, sociais e urgentes, apenas impedindo que alunos individualistas estudem para obter seus diplomas, passar num concurso público ou realizarem suas pesquisas – interesses, todos, diga-se, legítimos – mas impedindo a própria razão de ser de uma instituição, criada e sustentada para o livre acesso e dedicação ao estudo, ao conhecimento e seus produtos – livros, aulas, palestras etc..

Que isso aconteça por meio dum movimento interno e essencial à própria Universidade, numa instituição formada por trabalhadores à serviço da educação, torna a “estratégia radicalizada” ainda mais lamentável. Há outras estratégias de pressão mais eficazes e mais certeiras para atingir o verdadeiro alvo – o governo federal.

Afinal, creio, não é contra a educação contra o que se está lutando, nem é a cultura o inimigo. Se a educação deve, como pensava Adorno, evitar a barbárie e buscar a emancipação humana, ao se fechar uma biblioteca se está, muito mais do que chamar a atenção para as causas ou esclarecendo, na prática, a importância da ação política, contribuindo para a barbárie.

Não se trata de sustentar uma visão idealizada e romântica de livros e bibliotecas como coisas sagradas, improfanáveis, nem de afirmar que a educação restringe-se a uma questão de livros e leitura. Não, muito longe disso, pois o engajamento em movimentos políticos e sociais, a luta contra aquilo que se considera injusto, é, também, profundamente formador e emancipatório; muitas vezes bem mais do que uma dezena de livros lidos ou aulas. A questão não é essa, e a barbárie diz respeito a uma outra coisa, a um modo de agir irrefletido, insensato e insensível, que se fecha na própria identidade das ordens ou visão de mundo.

A luta dos servidores técnico-administrativos da UFRN é legítima, e a paralisação de suas atividades, além de pressionar o poder público no atendimento de suas reivindicações, produz debates e discussões que agitam as opiniões e as inteligências. É, por isso mesmo, uma experiência política educativa para os que a acompanham ou são por ela afetados de alguma forma, ainda que a contragosto. Seria leviano jogar todo o foco da crítica sobre grevistas, pois uma das raízes da greve e das ações radicalizadas é a intransigência do próprio governo que se nega a negociar. Por outro lado, seria igualmente equivocado retirar a parcela de responsabilidade que cabe aos grevistas no sentido da escolha por este tipo método de ação em vez de outro.

Portanto, quando este mesmo movimento age de modo irrefletido, automático, conduzido e movido por qualquer “razão”, “crença” ou “causa” que acredita estar acima do diferente, do contraditório, do divergente, e, por isso, sem se importar com as consequências de sua ação sobre aqueles, que por seus motivos ou indiferença, não enchem suas fileiras ou não compartilham de sua identidade, ele perde algo de essencial a toda ação política; a capacidade de autorreflexão, o agir ciente e sensível às próprias responsabilidades e consequências da ação. É nisso em que o movimento grevista, quer queira ou aceita ou não, ajuda a produzir a barbárie no seio do lugar onde se deveria, em tese, formar as principais armas contra esta.

Alyson Freire

Sociólogo e Professor de Sociologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN).

One Response

  1. Jodinaldo disse:

    Ninguém está obrigado a trabalhar sem condições adequadas. Querer obrigar os servidores a abrir a BCZM quando o governo se fecha para o movimento grevista é, no mínimo, cinismo. Numa situação dessas deveria ser fechado era o RU ou as entradas do Campus como fizeram em outras universidades. O único autoritarismo é o do governo Dilma/PT

    Jodinaldo de Lucena
    Aluno da UFRN

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