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Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 1 de setembro de 2012

A Antidemocracia do Aumento das Passagens em Natal

postado por Alyson Freire

Entre as características mais essenciais da democracia consta, sem dúvida alguma, o princípio segundo o qual todas as decisões e atos dos governantes devem ser conhecidos pelo povo – salvo algumas poucas exceções e situações envolvendo a segurança nacional. Por “conhecidos”, quer dizer públicos, transparentes e abertos aos olhos e às opiniões de todos. Sem essa transparência e abertura do poder e de suas decisões, dificilmente pode-se falar em democracia como o governo do povo, ou, mais precisamente, como o governo controlado pelo povo.

No entanto, parece que tal regra democrática não diz muita coisa para a prefeita Micarla de Sousa. Ao aumentar o valor das passagens, de uma hora para outra, descumprindo, inclusive, sumariamente o Termo de Ajustamento de Conduta, assinado por ela, o SETURN e o Ministério Público, a prefeita agiu como um soberano autocrático.

A súbita elevação da tarifa dos transportes revela algo mais hediondo do que a indiferença e o descompromisso, já amplamente conhecidos, da prefeitura de Natal em relação à população da cidade. Micarla de Sousa fechou os ouvidos para as opiniões dos mais afetados – que custeiam o serviço –, impedindo-os de participar da decisão, cedendo assim, como de costume, aos interesses dos empresários do setor. Com isso, a prefeitura atestou, mais uma vez, não só a incompetência e irresponsabilidade habituais mas, também, um modus operandi extremamente corruptor e nocivo aos regimes democráticos.

Nada pode ser mais antidemocrático, avesso a uma democracia, do que o segredo, o agir em secreto. A surdina dos bastidores é o lugar dos conluios, das traições, das tramas desleais e de todo tipo de perfídias interesseiras e covardes. Opta-se por esta via oculta das portas fechadas quando se sabe que não se poderia, ou se conseguiria, concretizar o desejado e o interesse visado se estes fossem tornados públicos, ou seja, se fossem colocados diante dos olhos e ouvidos dos outros.

Por isso, o segredo, a reunião secreta na calada da noite, é o modus operandi do poder em regimes despóticos, autocráticos e ditaduras. A democracia, ao contrário, como diria o estudioso italiano Norberto Bobbio, é o regime do poder visível, isto é, cujo exercício do poder e de suas decisões tem caráter público, portanto, não secreto, aberto ao conhecimento do “público”.

Nesse sentido, na medida em que a prefeitura e o SETURN ocultam do conhecimento e debate público os critérios, as justificativas e requisitos para o aumento da passagem – por que  este valor de 2,40 em particular, e não outro? -, ambos os órgãos agem de maneira arbitrária e avessa ao que deve ser o comportamento das instituições numa democracia.

Em estados constitucionais democráticos, o caráter público é sempre a regra e o critério básico para a validade e legitimidade de qualquer ação e decisão, enquanto o segredo é a exceção. Este último desponta mais as incongruências e as falhas da democracia do que seus objetivos e princípios fundantes pelos quais esta se define e se orienta.

Numa democracia não faz sentido “caixas pretas”, sobretudo quando envolvem o interesse público. É preciso abrir a “caixa preta” do SETURN, e, nesse sentido, trazer à luz as tabelas de custos e as taxas de lucro das empresas ligadas aos transportes públicos. Afinal, o aumento da tarifa é uma discussão que ocorre dentro de um marco público, de um “contrato com o município” – concessão pública – cujos efeitos implicam a vida e as atividades da coletividade na cidade. Os protestos e levantes que tomam as ruas da cidade não podem perder de vista esta exigência de transparência e visibilidade que foi, gritantemente, violada e abusada.

Quando o segredo se impõe sobre a visibilidade e a transparência significa que os interesses privados se sobrepuseram sobre o interesse público e à participação. É deste modo, que Micarla de Sousa, mais uma vez, pisoteiam os verdadeiros compromissos e interesses que ela deveria representar; os da população e da cidade.

Alyson Freire

Sociólogo e Professor de Sociologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN).

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