Rio Grande do Norte, sábado, 27 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 24 de outubro de 2012

Hermano Moraes e a instrumentalização da homofobia

postado por Alyson Freire

As últimas campanhas políticas, seja nacional ou municipal, veem se destacando por um nefasto hábito político-eleitoral; a instrumentalização da homofobia e outros temas da pauta conservadora-moralista para angariar supostos votos das camadas mais fundamentalistas dos setores religiosos. Atualmente na eleição para prefeito de São Paulo, José Serra, já reincidente em tal prática, usa e abusa do “famigerado” “kit gay” – nome absurdo para designar uma política pública, diga-se – para desqualificar e deslegitimar Fernando Haddad. Espera-se, com isso, erguer sobre o candidato do PT o ódio, o medo e suspeita do eleitorado mais conservador e religioso. Não à toa, o candidato tucano abriu bastante espaço, ainda que com a cautela política para não se ver ligado diretamente, ao cruzado-mor contra as lutas do movimento LGBT; o pastor Silas Malafaia. Eis que essa busca para atrair o voto fundamentalista chegou às terras potiguares nas vigentes eleições de Natal pela mão de Hermano Moraes.

O candidato do PMDB não apenas trouxe Silas Malafaia, como também, supostamente, distribuiu panfletos em que acusa o programa político de Carlos Eduardo de possuir itens que afrontam às “leis de Deus” e à “família evangélica e católica” – veja o panfleto http://bitly.com/RXMSsq. O recurso a tal estratégia significa mais do que simplesmente ceder a um programa ou pauta moralistas, o que, aliás, por si só, é bastante preocupante e nocivo à política, ao jogo eleitoral e à própria esfera pública. Há nisso, também, algo mais do que oportunismo político, hipocrisia e baixeza.

As consequências políticas e sociais de tal conduta e estratégia eleitoral são diversas, afinal, qualquer entendimento de democracia atual passa, inevitavelmente, pela ideia de que esta última implica reconhecimento, defesa e valorização da diversidade e da diferença em seus mais diversos níveis – étnico, social, sexual, gênero, religioso, etc.. Nesse sentido, o uso político-eleitoral da homofobia é, portanto, um claro, flagrante e perigoso retrocesso. Pois, enquanto, no Brasil e na maior parte do mundo, ocorre uma crescente conscientização institucional e social da existência do problema e da necessidade urgente de combatê-lo, políticos de direita, desesperados, irresponsáveis e sedentos pelo poder instrumentalizam e manipulam o ódio contra homossexuais para tentar ganhar as eleições.

Mais ainda. O uso político-eleitoral da pauta moralista em geral e da homofobia em particular, recheada com a agressividade da competição eleitoral, funciona como um verdadeiro subsídio e insumo aos ódios e intolerâncias sociais na medida em que alimenta os sentimentos fundamentalistas e os preconceitos existentes. Ao reconhecer na esfera pública a relevância de tais “preocupações e pânicos morais” – na verdade, ódios e preconceitos – enquanto critérios válidos para distinguir candidatos, portanto, distinguir pessoas, os prefeitáveis, aqui e em São Paulo, fazem mais do que deseducar. Eles alçam, na esfera pública, a legitimidade da defesa do discurso do preconceito, quer dizer, de que se pode sim classificar, julgar e distinguir pessoas e seu valor a partir de preconceitos morais e religiosos estigmatizantes. Dessa forma, contribuem para fortalecer ainda mais as barreiras do reconhecimento para as minorias sexuais.

Em outras palavras, Serra, Hermano e todos os demais que instrumentalizam o preconceito como alavanca no jogo eleitoral, num falso proselitismo religioso, ensinam uma horrenda lição à sociedade, qual seja:

a de que é legítimo impor seu quadro de valores, uma classificação inferiorizadora e uma descrição preconceituosa e estigmatizante do outro. Ora, se políticos podem valer-se do preconceito e dos “bons valores e costumes” para distinguir-se como mais íntegro e digno do que outros candidatos, por que não podem fazer o mesmo, em seu cotidiano, as outras pessoas?

Será que para obter 2, 3 ou 4% dos votos justifica insuflar e alimentar ainda mais o sentimento homofóbico num país onde, segundo dados da Secretária de Direitos Humanos, em 2011 se matou 250 pessoas unicamente por conta dessa vil motivação? Com a palavra, Hermano Moraes e José Serra.

Alyson Freire

Sociólogo e Professor de Sociologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN).

One Response

  1. Ewerton Alípio disse:

    “Atualmente na eleição para prefeito de São Paulo, José Serra, já reincidente em tal prática, usa e abusa do ‘famigerado’ ‘kit gay’ – nome absurdo para designar uma política pública, diga-se – para desqualificar e deslegitimar Fernando Haddad. Espera-se, com isso, erguer sobre o candidato do PT o ódio, o medo e suspeita do eleitorado mais conservador e religioso.”

    Primeiramente, o tal kit gay é indisfarçadamente apologético. E o social-democrata José Serra já aprovou uma cartilha anti-“preconceito” — bastante pró-homossexualista — quando era governador de São Paulo em 2009. Com o surgimento da polêmica, a Secretaria de Educação do Governo do Estado de São Paulo achou por bem remover a cartilha do link. Porém, o cachê do Google mantém uma cópia (aqui: https://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:iRj1WAWsLdwJ:file.fde.sp.gov.br/portalfde/Arquivo/B_Prevensao_07.02.11.pdf+&hl=en&pid=bl&srcid=ADGEEShQfDYibAtbJAwpwSr96nSZWzEGO3jBImzvVv0egRxDr05bZvaVTOTos4rl_di_G7W1CtaKVBPINFbQIY-jork4nuGXJPFnlRTvo1iuiup8AX21dSnxxh2ZcAl2B0q1aneYWIcw&sig=AHIEtbSWU-aqdRGsPbIxUDhEs-ET_Zz9_Q). Outra coisa: é bem sui generis o laicismo do “progreçista” — grafo esta melodiosa palavra ao gosto dos burocratas do MEC — Haddad, que prometeu alteração na legislação de ruídos para agradar… aos religiosos. É o que informa o jornal Destak: http://www.destakjornal.com.br/noticias/sao-paulo/pt-promete-alterar-lei-do-psiu-por-apoio-de-igrejas-165769/.

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