Rio Grande do Norte, segunda-feira, 29 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 9 de dezembro de 2012

A verdade sobre Aluízio Alves

postado por Gustavo Barbosa

“O que Aluízio Alves teve daquele processo revolucionário foi uma violenta cassação, mas graças a Deus e a força dele, eu e Garibaldi Filho pudemos continuar a sua luta e os seus ideais”, disse o deputado Henrique Eduardo Alves em sessão solene realizada no dia 06 de dezembro na Câmara dos Deputados que simbolicamente devolveu o mandato de 173 parlamentares que tiveram seus direitos políticos cassados durante o regime militar que durou de 1964 a 1985.

A historiografia costuma colocar o ex-governador Aluízio Alves como opositor à ditadura militar, vez que, principalmente, foi membro do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), agremiação que representava o contraponto à Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido de sustentação do regime. Sua perseguição pelos militares seria, portanto, a inconteste prova da sua luta. Pura falácia.

Primeiro, pelo fato de com o passar dos anos o ímpeto ditatorial ter perdido o controle quase que por completo, chegando a cassar inclusive mandatos de tradicionais apoiadores do golpe. Udenistas representantes da fina flor do conservadorismo – a exemplo de Carlos Lacerda e Seixas Dória – foram vitimados pelo monstro que solenemente ajudaram a criar. Aliados de outrora chegaram ao ponto de fazer publicamente mea culpa pelos seus antigos posicionamentos. Dom Paulo Evaristo Arns, por exemplo, entusiasta da “revolução”, não demorou a perceber a magnitude da repressão que cairia sobre a sociedade e seus direitos e liberdades civis . Semelhante coisa aconteceu com o General Golbery de Couto e Silva, criador do temido Serviço Nacional de Informações (SNI), que lamentou em alto e bom som o recrudescimento das ações da sua cria.

Segundo, Aluízio não só deu suporte ao golpe de 1964, como, em uma emblemática atitude de vassalagem, publicou na edição de 2 de abril do Diário de Natal nota na qual afirmou o seguinte: “O governador do Rio Grande do Norte, agora informado das razões e objetivos do movimento ontem deflagrado sob a liderança do governador Magalhães Pinto, quer manifestar o seu apoio aos ideais dessa oposição que vista a autêntica legalidade democrática realmente ameaçada por atitudes fatos que não eram ainda de conhecimento público”.

A deliberada subserviência de Aluízio ao regime, todavia, não se resumiu a uma nota de jornal. Adotou o oligarca uma postura ativa no auxílio à mccartista paranoia verde-oliva de perseguição indiscriminada aos ditos subversivos e a potenciais opositores da ditadura, chegando a criar uma Comissão de Investigação paralela à dos militares. Tal fato é relatado com riqueza de detalhes por Mailde Pinto Galvão no ótimo “1964. Aconteceu em Abril”, obra na qual esmiúça com propriedade os impactos locais do golpe: “O governador formou também sua Comissão de Investigações e contratou, no Estado de Pernambuco, dois policiais especializados, a quem concedeu poderes absolutos e excepcionais, com toda a mordomia oferecida aos hóspedes oficiais do governo do Estado. Não se tem notícia de outro governador que constituísse uma Comissão de Investigação paralela, com poderes especiais para processar, prender e encarcerar os supostos subversivos, como aconteceu no Rio Grande do Norte.” Mais à frente, conclui: “Com a Comissão Geral de Investigações instaladas pelos militares, mais duas comissões ditas de “alto nível” criadas pelo governador, e as outras implantadas em cada repartição pública estadual, municipal e federal, armou-se a maior rede de investigação policial militar de toda a história política do Rio Grande do Norte”.

Situações como esta evidenciam a importância da criação de comissões da verdade e memória que atuem nos âmbitos local e regional em suas mais diversas instâncias (poderes legislativos, universidades, seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, etc), pesquisando e reverberando acontecimentos históricos peculiares de cada localidade. Iniciativas assim são imprescindíveis para que sejam escancaradas as verdades sobre quem de fato foi perseguido e perseguidor, algoz e vítima, capacho e opositor do regime militar de 1964, impedindo que oportunistas se arvorem no esquecimento e no desconhecimento para se apresentar como algo que definitivamente nunca foram. Henrique Alves, com sua vasta e abusiva influência política e econômica, pode ser capaz de muita coisa, mas não de apagar o passado.

 

Gustavo Barbosa

Advogado.

3 Responses

  1. Um detalhe passou desapercebido em seu bom texto xará: o fato de que, com a imposição do bipartidarismo pelo AI-3, tanto Aluízio Alves como o grupo de seu principal adversário, Dinarte Mariz filiaram-se a ARENA, e a política do RN apresentou a bizarra situação de 2 facções rivais vivendo sob o mesmo teto: era os tempos da “ARENA Vermelha” (Dinarte) versus “ARENA Verde (Aluízio)”.

    Entre 66 e 69 houve uma guerra entre os 2 líderes e o Dinarte – apoiado por Costa e Silva, o ditador de plantão – levou a melhor e forçou a cassação de Aluízio.

    Cassado Aluízio, não restou ao seu grupo outra alternativa a não ser aderir o MDB.

    Se Aluízio tivesse levado a melhor, quem iria pro MDB seria o grupo de Dinarte Mariz.

  2. Daniel Menezes disse:

    Caro Gustavo,

    Natal precisa de mais gente combativa como você.

    Penso, que naquele contexto histórico, o aparecimento de Aluízio representou avanço para o RN, se comparado ao tronco Maia, mais ligado ao latifúndio.

    Porém, de fato, dizer que Aluízio lutou contra ditadura… aí já é demais.

  3. Patrícia Morais disse:

    Não vem muito ao caso, mas quem também publicou semelhante apoio em
    seu periódico – A Ordem – foi a Igreja Católica (pode ser visto nos
    primeiros números de abril de 1964). Assim como ocorre com a figura de Aluízio, querem
    forjar uma figura da Igreja enquanto a favor da democracia e contra o
    movimento de 1o de abril. Mas se tratando de Igreja católica as nuances são muito mais frequentes e complexas. Qualquer análise que queira dá conta da Igreja
    católica e pretenda tratá-la como um todo coerente é, no mínimo, digna
    de desconfiança.

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