Rio Grande do Norte, segunda-feira, 29 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 9 de setembro de 2014

Marina Silva e a negação da nova política

postado por Carlos Freitas

Já não bastasse o principal assessor do seu programa de governo, o filosofo economista Eduardo Giannetti, defender abertamente a autonomia do banco central brasileiro e uma política de privatização de bens públicos, a exemplo das universidades federais e de outras instituições estatais, agora é a vez de Marina articular um discurso de negação da política, travestido de “nova política”.

Em sua crítica contra o governo Dilma, Marina destaca a incapacidade de Dilma e do PT em ouvir as demandas políticas da sociedade civil brasileira, principalmente, expressas nas jornadas de junho. Acertadamente, Marina chamava atenção para o sentimento coletivamente compartilhado de indignação e de injustiça diante do modo de funcionamento das instituições políticas e do desgaste do modelo de democracia representativa atualmente vigente em nosso país. E como bem observou o filósofo Vladimir Safatle, Marina chegou a ensaiar em seu programa de governo a ampliação da democracia de participação sobre a rubrica de “democracia da alta densidade”.

Porém, diariamente, em seus discursos, Marina parece negar na prática a sua retórica da nova política. Com efeito, Marina – seguindo o raciocínio economicista de Giannetti – parece acreditar realmente que ao se autonomizar mais ainda a esfera econômica brasileira, teríamos as condições objetivas favoráveis para colocar em movimento a tal democracia de alta densidade.

Desse modo, Marina defende a autonomia do banco central como uma forma do governo executivo federal, por um lado, se desprender da responsabilidade política de arbitrar as relações econômicas, e por outro lado, se liberar totalmente para poder, aí sim, exercitar a política. Da mesma maneira, seu programa de governo também insinua um recuo da função jurisdicional da Justiça do Trabalho, este, devendo se restringir apenas “a nova função de arbitragem pública”, um claro indicativo de desarmamento antecipado da crítica e da ação da Justiça do Trabalho em meio a alguma futura política federal de flexibilização e de maior precarização do trabalho.

Não obstante, a erosão da retórica da nova política se confirma ainda mais quando Marina articula o mesmo discurso tecnicista sobre as razões para os casos de corrupção na Petrobrás. Diz a candidata da “nova política” que a Petrobrás vive os escândalos atuais de corrupção porque a sua gestão teria sido constituída em critérios políticos, e não exclusivamente em critérios técnicos. Com esse discurso, num duplo movimento retórico, Marina revitaliza a fé cega na pureza ética do tecnicismo e rebaixa a política a condição de prática imoral.

Para uma leitora de Hannah Arendt,  soa contraditório com a compreensão de política da filósofa alemã, os gestos pró-tecnicismo de Marina. Em sua defesa do monopólio tecnico e especializado na condução da política econômica nacional, Marina está negando ou esquecendo um dos aprendizados morais mais consistentes, decorrente da leitura dos escritos políticos de Arendt:  a técnica não deve negar a política jamais. Quando isso ocorre, alertava Arendt, temos as portas abertas para a “banalização do mal”.  Adolf Eichmann (um técnico habilidoso que serviu ao regime nazista) não era um “político”, avisou Arendt. Eichmann era a materialização de um “tecnicismo mórbido e estéril”. A substituição da ação comunicativa (política) pela razão instrumental (técnica) e, portanto, a negação da vida.

Ao criticar a “realpolitik” do sistema político brasileiro, Marina eleva moralmente o sentido da política, assim como fez Hannah Arendt. Mas ao defender a despolitização das relações econômicas e de trabalho, Marina acaba traindo a filosofia política de Arendt e legitima o trabalho técnico de um futuro Eichmann da economia.

Carlos Freitas

Sociólogo e Professor Doutor do Departamento de Ciências Sociais da UFRN. Interesse por temas de Cultura Política e Sociedade. Contato profissional: calfreitas@hotmail.com

Comments are closed.

Política

O governo do PT e a sofrida classe média

Política

Marina e as bombas semióticas do "Sim!" e do "Storytelling"