Rio Grande do Norte, segunda-feira, 29 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 30 de outubro de 2018

Vamos abrasileirar esse negócio!

postado por Leonardo Dantas

Por Rayane Andrade

#HalloweenDoCEI
Quando seu filho absorve o personagem!
Vamos abrasileirar esse negócio!
#Escravo

Dizia a legenda da orgulhosa mãe branca, de uma criança, igualmente branca, “fantasiada” de escravo. O menino, pintado de marrom da face aos pés, ostentava cicatrizes cenográficas, que combinavam com os grilhões falsos que atavam seus punhos.

Entre os comentários mais polidos, lia-se: “que criativo!”, “ficou perfeito, amiga!”. Rapidamente, alguns dos seguidores da usuária do instagram, a repreenderam: “isso é racismo!”, “é essa a educação que quer dar ao seu filho?”.

Entre a absoluta revolta que me consome, enquanto mulher negra, está a constatação do quão estrutural é o racismo em nosso país. Black faces são absolutamente comuns em nossa sociedade colonizada e eurocentrada. Quantas personagens nacionais de humor, que estão nos horários nobres da televisão brasileira, se fazem “engraçadas” ao apresentar figuras estenotipadas de mulheres negras?

O menino, pintado de marrom da face aos pés, ostentava cicatrizes cenográficas, que combinavam com os grilhões falsos que atavam seus punhos. (Foto: Reprodução Instagram)

A perversa lógica racista brasileira que combina uma aniquilação da história dos povos de África, com um mito de democracia racial fundado no estupro sistemático de mulheres negras, busca ocultar o óbvio: os escombros do escravismo estão mais expostos que nunca.

Charge de Gilmar (@Cartunista_Das_Cavernas)

Anteontem elegeu-se um presidente que compara quilombolas a animais. Há poucas semanas, Valéria dos Santos, advogada, foi algemada por exercer suas prerrogativas. E esse racismo, entrelaçados diretamente com as relações de classe, produz uma racionalidade.

A verdade sobre a escravidão – o maior crime que esse país cometeu – ainda se esconde atrás da potente base marrom para pintar o menino branco.

A mãe, que orgulhosa de si, faz uma criança se “vestir” de negro, para comemorar uma festividade pagã e estrangeira – diga-se de passagem – é o fiel retrato de como a casa grande pensa. Ela não sabe contar quantos corpos foram descarnados nos pelourinhos que hoje recebem turistas aos milhares. Certamente, não deve saber o sofrimento que as mulheres negras passavam ao matarem seus filhos para que não se tornassem propriedade do Senhor (inclusive o divino).

Quantos de nós fomos embalados em tumbeiros ao longo do Atlântico? A verdade sobre a escravidão – o maior crime que esse país cometeu – ainda se esconde atrás da potente base marrom para pintar o menino branco.

A postagem foi excluída. A mensagem, ao contrário, persiste. As cicatrizes de mentirinha produziram a morte de Mestre Moa. Também forjaram Dandara dos Palmares, Acotirene, Conceição Evaristo, Carolina de Jesus. A lista é infinita, assim como os milhares de irmãos e irmãs encarcerados nesse minuto, enquanto você lê esse texto.

O negreiro mudou, virou camburão.

O ideário da superioridade branca respira livre, com o apoio da KKK estadunidense.

Mas, como disse o belíssimo samba da Paraíso do Tuiuti, que abriu esse 2018: “Não sou escravo de nenhum senhor”

Em uma sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antiracista, já diria Angela Davis.

Não passarão.

Rayane Andrade é advogada, mestranda em Direito e militante do Partido das Trabalhadoras e Trabalhadores

Leonardo Dantas

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