Rio Grande do Norte, segunda-feira, 29 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 29 de outubro de 2018

A escravidão não foi e nem é alegórica

postado por Carta Potiguar

Na tarde de hoje, uma mulher branca, de classe média, fantasiou o seu filho, também branco, de escravo para uma festa de Halloween de um grande colégio privado de Natal e publicou nas redes sociais. A escravidão foi uma brutalidade e corresponde a um passado terrível da sociedade brasileira. Milhares de negros foram arrancados das suas terras, trazidos forçosamente em navios, onde seus corpos eram presos em calabouços minúsculos, sem direito a ver a luz do sol e a comida. Os que não morriam durante a viagem encontraram a negação completa da sua existência enquanto ser humano nas senzalas das casas grandes. Durante séculos, o negro foi açoitado, violentado, assassinado nos troncos e pelourinhos de todo o país, para muitos, um corpo sem alma.

A criança participou da festa de Halloween de uma escola tradicional de Natal/RN (Foto: Reprodução Instagram)

O racismo está arraigado na estrutura da sociedade brasileira há séculos. Fomos o último país da América Latina a abolir a escravidão em 1888, isto é, 130 anos atrás. Temos mais tempo enquanto um país escravocrata, do que como um país livre da escravidão. Desde a abolição da escravatura, por décadas, nos fizeram acreditar que o Brasil era sociedade onde havia uma democracia racial. Onde desde a escravidão, negros e brancos conviviam felizes na Casa Grande e na Senzala.

Na legenda, a mãe avisa que vai “abrasileirar” o halloween. (Foto: Reprodução Instagram)

Quando falamos que o racismo continua firme e forte na sociedade brasileira, não dizemos apenas da boca para fora. A população negra é a mais afetada pela desigualdade e violência no Brasil. No mercado de trabalho, os negros enfrentam mais dificuldades na progressão da carreira, na igualdade salarial e são mais vulneráveis ao assédio moral, segundo dados da ONU e do Ministério do Trabalho. De acordo com o Atlas da Violências de 2017, um/a negro/a tem duas vezes mais chances de serem vítimas de homicídios do que um branco. Ser negro na sociedade brasileira significa ter mais dificuldades para encontrar emprego, para ter um salário digno e para, literalmente, estar vivo.

No twitter a mãe tenta se explicar. (Foto: Reprodução Twitter)

O racismo exerce uma violência não somente objetiva e física nos corpos negros, como também uma violência simbólica cotidiana através de mitos e piadas exaltados onde associam o negro à criminalidade e aos piores lugares possíveis da sociedade. Cada um de nós em algum momento da vida já ouviu uma piada infame sobre os negros. Essa violência simbólica reforça e legitima a violência física contra a população negra.

Não é homenagem quando um branco se veste de negro escravizado.

Ao fantasiar seu filho, branco, que nunca viveu nem sentirá um milímetro do que significa o preconceito racial no Brasil, essa mulher ofende todos/os negros/as que sofrem cotidianamente com as consequências da estrutura racial a qual nosso país até hoje está submetido. A escravidão não foi engraçada, nem é alegórica. O racismo contra  a população negra é real, mata e exclui até hoje.

Comentários de apoio. (Foto: Reprodução Instagram)

Não é homenagem quando um branco se veste de negro escravizado. E pior ainda, para uma festa de Halloween, onde supostamente irão se divertir. A escravidão não foi engraçada, matou milhares de negros e deixou uma estrutura racista em nossa sociedade. Um branco de classe média contribuirá contra o racismo se ensinar aos seus filhos que devemos respeitar o outro e que ser negro não significa inferioridade. Se entender que existem privilégios de cor em nossa sociedade e que precisamos combatê-lo. Ao fantasiar seu filho de escravo para uma festa de Halloween você acaba por reforçar essa estrutura racial que tanto oprime os negros/as.

(Foto: Reprodução Instagram)

Na conjuntura atual, de avanço de forças reacionárias e conservadoras, relativizar  o racismo na sociedade brasileira é ainda mais inadmissível. Não podemos achar natural a existência da escravidão, é preciso problematizá-la, questioná-la e lutar para que suas consequências não mais existam. Senão, carregaremos o risco de ter de volta os grilhões sobre os nossos corpos.

Carta Potiguar

Conselho Editorial

4 Responses

  1. Alberto Mathe disse:

    Como negro, africano e estudioso da cultura africana sinto-me insultado com a publicação dessa mulher. Não há palavras que possam expressar a minha indignação contra tamanha infâmia, só posso pensar que se trata de uma demente que precisa de tratamento psiquiátrico urgente. Se a autora deste escândalo reunir as suas faculdades mentais, então ela deverá ser processada pelo ultraje à nossa memória, por ridicularizar o nosso sofrimento, por associar a a escravatura ao Halloween.

  2. Humbabomber disse:

    Rapaz, achei exagerada e equivocada a reação..
    Pra mim, deveria ser aproveitada para problematizar e questionar a escravidão e seu seguimento até hoje.
    Condenar um indivíduo por mostrar as chagas dos açoites é desviar o foco do conteúdo para a forma..

    Fico com Elza Soares: Vivemos tempos tenebrosos!

    • Adriana Servula disse:

      Humbabomber, vivemos tempos tenebrosos sim! E chegou a hora das pessoas pararem , apenas um pouco, para pensar e falar , pensar e escrever, para pensar no que postar nas redes sociais, para parar e pensar sobre assuntos que magoam as nossas feridas , pensar , apenas pensar não é pedir demais. Pense sobre isso.

  3. Lucia helana disse:

    Indignada com tamanha imundize desses preconceituosa e repugnante e nojento como essa criatura e doente ,nao tem um pingo de amor proprio alma sebosa se achando a tal lembre tudo que semeia colheras….

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