Rio Grande do Norte, segunda-feira, 29 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 25 de julho de 2021

Esportes e totalitarismo

postado por David Rêgo

Depois de hoje explicar aos jovens que eles não podem andar de skate na escola ficará muito mais difícil. E isso é bom. Em seu livro “A bola corre mais que os homens”, Roberto Damatta afirma que é possível observar o autoritarismo do povo brasileiro a partir da primazia do futebol sobre os demais esportes. Sociedades democráticas costumam ter muitos “esportes populares”. Não aqui, não no Brasil. O futebol é o grande dono dos investimentos estruturais para o incentivo ao esporte.

No skate, Kelvin Hoefler conquista primeira medalha do Brasil nas Olimpíadas  2020 | olimpíadas | ge
Fica cada vez mais difícil “esconder” o skate como esporte.

O “natural” em uma sociedade diversa é que o gosto pelo esporte seja também diverso e as condições para as práticas esportivas sejam iguais ou proporcionais. Tendo o esportista amparo estrutural para sua modalidade. Mas não aqui, não no Brasil.

Está mudando, mas até bem pouco tempo éramos o país do “esporte único”, da “paixão nacional”. Em dia de jogo (de futebol) as aulas eram canceladas. Dia de jogo da seleção brasileira de futebol era praticamente um feriado nacional não oficial.

O mesmo tratamento nunca foi dado aos demais esportes. Estivesse a seleção brasileira de basquete na final de um torneio, “o brasil não podia parar por isso”. O tratamento sempre foi desigual. Continua a ser, mas tem mudado. A realidade muda. Permanece mais do que muda, mas ainda assim modifica-se. Tendo uma bola sob os braços, todos saberão que irá jogar futebol, e será visto como uma boa pessoa. Tendo um skate sob os braços, “ninguém sabe qual a intenção com isso”.

Neste sentido, a olimpíada de Tokyo não poderia ser mais simbólica para o Brasil do que está sendo. No domingo (dia 25/07) o Brasil conquistou sua primeira medalha: no skate.

O “esporte que ainda hoje é proibido nas escolas”. A medalha de prata no skate significa muito para o Brasil, principalmente, para os jovens brasileiros. O skate até hoje é visto com grande preconceito e diretamente associado a delitos. Qualquer um que tenha um skate sob o braço ou em suas costas é logo alvo de desconfiança. É o que costumamos chamar de estigmas. Marcas ou características visíveis aos olhos que mobilizam reações psicológicas e sociais no sentido de transformar em um risco em potencial aquele que carrega tais marcas ou características.

A medalha de prata no skate nesta olimpíada, abrindo nosso quadro de medalhas, reflete vitória da diversidade mesmo diante do autoritarismo e nos alerta para a necessidade de dar amparo estrutural para outros esportes além do futebol. Uma sociedade verdadeiramente democrática precisa dar ao povo chances iguais para que pratiquem seus esportes e desenvolvam suas habilidades.

David Rêgo

Sociólogo, antropólogo e cientista político (UFRN). Professor do ensino médio e superior. Áreas de interesse: Artes marciais, política, movimentos sociais, quadrinhos e tecnologia.

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