Rio Grande do Norte, sábado, 27 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 3 de março de 2024

A ONU no Brasil: entre a utopia e a ação

postado por Miguel Dias

A criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945 foi um marco histórico na busca pela paz e cooperação internacional após a Segunda Guerra Mundial. Fundada com o objetivo de evitar conflitos futuros e promover o desenvolvimento sustentável e os direitos humanos em todo o mundo, a ONU surgiu como uma resposta coletiva à necessidade de uma abordagem multilateral para os desafios globais. Desde então, a organização tem desempenhado um papel central na promoção da paz e da segurança internacionais, bem como no apoio ao desenvolvimento econômico e social em países de todo o mundo, incluindo o Brasil.

No campo da educação, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) assume um papel fundamental na luta pela alfabetização universal, na valorização da diversidade cultural e na defesa do patrimônio histórico. Através de seus programas e iniciativas, a organização contribui para a formação de cidadãos críticos e autônomos, capazes de construir um futuro melhor para suas comunidades.

A saúde global é outra área prioritária para a ONU. A Organização Mundial de Saúde (OMS) atua na prevenção de epidemias, no combate à desnutrição infantil e na ampliação do acesso a serviços de saúde de qualidade para todos, especialmente para os grupos mais vulneráveis. A organização também é fundamental na coordenação de respostas a crises sanitárias internacionais, como aconteceu durante a pandemia de COVID-19.

A luta contra a pobreza e a fome é um dos maiores desafios enfrentados pela humanidade. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) trabalha incansavelmente para promover a agricultura familiar, o desenvolvimento rural sustentável e a segurança alimentar. Através de seus programas, a organização ajuda milhões de pessoas em todo o mundo a ter acesso a alimentos nutritivos e a construir meios de vida mais dignos.

Na defesa dos direitos humanos e a promoção da paz, a ONU conta com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiado (ACNUR) que garante a proteção de refugiados e apátridas, oferecendo-lhes abrigo, alimentação e apoio para reconstruírem suas vidas. Já o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) se dedica à promoção da igualdade de gênero, do desenvolvimento humano e da participação social, construindo pontes para um futuro mais inclusivo e equitativo.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), por sua vez, dedica-se à defesa dos direitos das crianças e adolescentes, assegurando-lhes acesso à educação, saúde, proteção social e participação na vida em sociedade. A organização atua na prevenção da violência infantil, no combate ao trabalho infantil e na promoção de um ambiente seguro e acolhedor para todas as crianças

Embora onipresente nos noticiários e nos debates internacionais, a ONU permanece, para muitos, uma entidade abstrata, distante da realidade do dia a dia dos cidadãos. Qual o papel da ONU no Brasil? Quais as áreas de atuação? O que representa para o desenvolvimento do país? Quais os futuros desafios para a ONU?

A Organização das Nações Unidas (ONU) atua no Brasil desde 1947, com o objetivo de promover o desenvolvimento humano sustentável e a construção de uma sociedade mais justa e pacífica. Através de suas diversas agências e programas, a ONU colabora com o governo brasileiro e a sociedade civil na implementação de políticas públicas em vários eixos como: pessoas, planeta, prosperidade e paz, entre outros.

A ONU contribui para a redução da pobreza no Brasil por meio de programas que promovem a geração de renda, o acesso à educação e à saúde de qualidade, e a proteção social dos grupos mais vulneráveis. A organização também atua na defesa dos direitos humanos e na promoção da igualdade de gênero e raça.

Segundo o Relatório Anual da ONU no Brasil (2022), o Sistema das Nações Unidas presente no país, composto por suas 24 agências especializadas, trabalhou em estreita colaboração com os três níveis de governo, o Legislativo, o Judiciário e diversos parceiros setoriais para implementar 273 iniciativas e projetos de cooperação. Essa atuação se deu no âmbito do Marco de Parceria das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável.

No contexto brasileiro, as ações da ONU abrangeram cinco eixos estratégicos: Pessoas, Planeta, Prosperidade, Paz e Parcerias. No eixo “Pessoas“, foram promovidas iniciativas para garantir alimentação saudável, acesso à saúde e educação de qualidade. Destaca-se o apoio à capacitação de profissionais de saúde e ações para combater o abandono escolar, beneficiando centenas de milhares de crianças e adolescentes em todo o país.

No eixo “Planeta“, a ONU concentrou esforços na gestão sustentável dos recursos naturais, incluindo a mitigação das mudanças climáticas e o fortalecimento da produção e consumo sustentáveis. Foram desenvolvidos modelos de governança participativa e promovidas ações de recuperação de áreas degradadas, contribuindo para a preservação do meio ambiente.

O eixo “Prosperidade” visou apoiar o desenvolvimento econômico inclusivo e sustentável, promovendo o alinhamento de políticas nacionais com os objetivos da Agenda 2030. Destaque para o apoio ao desenvolvimento sustentável da Amazônia brasileira, por meio de parcerias estratégicas com organizações governamentais e não governamentais.

Na busca pela “Paz“, a ONU atuou na promoção dos direitos humanos e da igualdade de gênero, envolvendo a sociedade civil na definição de prioridades e apoiando a participação política das mulheres em todos os níveis.

Por fim, no eixo “Parcerias“, a ONU fortaleceu laços com os governos e outros atores da sociedade civil, implementando projetos que visam aprimorar políticas públicas e fortalecer capacidades institucionais, impulsionando o desenvolvimento sustentável do Brasil de maneira colaborativa e inovadora.

A atuação da ONU no Brasil tem sido marcada por um foco estratégico no fortalecimento de capacidades institucionais e no apoio a políticas públicas e iniciativas de desenvolvimento. Um dos principais resultados foi o fortalecimento de capacidades de 13.000 parceiros e instituições, visando promover a inclusão e o desenvolvimento sustentável. Além disso, a ONU apoiou 1.075 políticas, programas e iniciativas públicas e privadas, demonstrando um amplo alcance e engajamento em diversas esferas da sociedade.Tem existido uma significativa atenção aos direitos humanos em 50,2% das iniciativas e à igualdade de gênero em 33,1%, evidenciando o compromisso da ONU com questões fundamentais para a promoção da justiça social e da equidade.

No âmbito financeiro, foram executados 127 milhões de dólares em projetos, refletindo um compromisso efetivo com a implementação das ações planejadas. Através do fortalecimento institucional e do apoio a políticas públicas diversificadas, a ONU desempenhou um papel crucial na promoção do desenvolvimento sustentável e na busca por uma sociedade mais inclusiva e equitativa.

Longe de querer assumir o papel de advogado de defesa da ONU, este texto busca apresentar a organização para além das manchetes que a assolam, especialmente nos últimos tempos com os conflitos entre Rússia-Ucrânia e Israel-Hamas. A atuação da ONU no Brasil, por exemplo, demonstra a amplitude de seus esforços, muitas vezes ignorados pela mídia. Através de um olhar crítico e reflexivo, pretendi olhar para as nuances de uma organização complexa, que, apesar de suas falhas, segue como uma bússola na busca por um mundo mais justo e pacífico.

Ao desnudarmos as camadas da atuação da ONU, encontramos uma organização complexa, marcada por contradições e desafios. A ineficiência de algumas ações, os impasses no Conselho de Segurança e as incoerências entre seus membros geram questionamentos sobre sua real capacidade de promover a paz e o desenvolvimento.

No entanto, a ONU não pode ser simplesmente descartada. Apesar de suas falhas, ela continua sendo um farol em meio à tempestade, um ponto de referência na busca por um mundo mais justo e pacífico. As agências da ONU, como a OMS, a UNICEF e o ACNUR, desenvolvem um trabalho crucial em áreas como saúde, educação e proteção de refugiados, impactando positivamente a vida de milhões de pessoas em todo o mundo.

É importante lembrar que a efetividade da ONU depende do compromisso de seus membros. Os países, especialmente aqueles com assento no Conselho de Segurança, precisam assumir a responsabilidade de fortalecer a organização e garantir que ela cumpra seu papel fundamental na promoção da paz e do desenvolvimento global.  

A atuação da ONU nos conflitos em África levanta questões sobre a disparidade de tratamento em comparação com outras regiões do mundo. A indiferença e a morosidade em intervir em crises africanas contrastam com a rapidez e o vigor demonstrados em outras latitudes. Exemplos como o genocídio em Ruanda, a guerra civil na República Democrática do Congo e a crise humanitária na Somália evidenciam a falta de atenção e recursos direcionados para o continente. A comunidade internacional parece se mobilizar com mais rapidez e empenho quando os conflitos se desenrolam em outras partes do globo, como no Oriente Médio ou na Europa.

A necessidade de uma reforma na ONU é latente. As lógicas que nortearam a organização no período pós-Segunda Guerra Mundial já não se sustentam no cenário geopolítico e humanitário do século XXI. É fundamental repensar a estrutura e os mecanismos de atuação da ONU para que ela possa responder de forma eficaz aos desafios contemporâneos.

Ainda que o caminho seja árduo e os desafios sejam imensos, a ONU representa a esperança de um futuro melhor para a humanidade. Cabe a cada um de nós, como cidadãos globais, cobrar dos nossos governantes o compromisso com essa organização vital para a construção de um mundo mais justo e pacífico.

Miguel Dias

Professor de Relações Internacionais da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB)

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